Escola de Canasveiras vira uma verdadeira usina de arte

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Por Paula Guimarães.

“O belo amor que existia virou poesia e mergulhou nas águas da cachoeira” escreveu uma das crianças participantes do Paralelepípedo Poema, aprovado pelo Edital Elisabete Anderle de Incentivo à Cultura, que desenvolve oficinas integradas de arte na Escola Virgílio Várzea, em Canasvieiras, Florianópolis. Convidadas para interagir com a turma no projeto “12 dias, 12 minutos”, a cantora e bailarina Tatiana Cobbett falou de “libertação do movimento” e a roteirista e atriz Luciáh Tavares sobre “a exploração do imaginário e construção de fantasias”. A ideia é propor variadas vivências de forma que a criança amplie seu repertório e desperte o olhar estético sobre o mundo. Idealizado e aplicado pelo músico Marcoliva, o Paralelepípedo Poema leva oficinas de música, literatura e cerâmica para 50 crianças de 9 a 11 anos no contraturno escolar.

 Em cada aula, os participantes modelam a argila para formar o cubo chamado de paralelepípedo, elemento central do jogo poético. Cada um dos seis lados do paralelepípedo pode receber uma letra, sílaba, palavra ou símbolo. O jogo consiste na busca de um poema com um mínimo de esforço e o máximo de significado, conforme o espírito poundiano de poesia. A experiência será transformada em livro para que possa ser replicada em outras escolas.  “Paralelepípedo Poema é um jogo para brincar de fazer poesia utilizando como referência os dados lançados. Tem sua inspiração na aldravia, no entanto é mais libertário e os poemas podem ser maiores ou menores e as regras são estabelecidas pelos próprios participantes”, explica Marcoliva.

 A poesia imersa no corpo
“Bate no corpinho, tira a poeirinha”, iniciou a intervenção a cantora Tatiana Cobbett conhecida pela sua desenvoltura corporal no palco. Enquanto cantavam “Você é sua palavra, sua palavra é você”, balançavam e soltavam o corpo até que cada um falasse uma palavra. A artista explicou que o corpo fala e dá ritmo: é possível cantar com a cabeça, pés, mãos e braços. “Vamos usar o corpo como se fossemos modificar a argila, empurrar o chão e fazer barulho para acompanhar o violão”, disse ela, enquanto Marcoliva acompanhava com o instrumento.

Tatiana, que buscou diversificar o “dicionário corporal” das crianças, explica que o corpo tem memória e registra na mente a sequência de repetições. Ela conta que aprendeu com os seus mestres de dança que o corpo não só fala, como esconde. “É através do movimento que a criança se realiza e vai amadurecendo, cai e levanta. Dançar é movimentar-se com consciência”, explica.

Da experiência em duas turmas diferentes, descobriu um pouco mais sobre afeto, liberdade, alegria, truculência, vergonha, timidez e preconceito. Segundo ela, são sentimentos básicos, passíveis de incentivo e molde, como se faz com a argila, nas aulas de cerâmica. “São palavras que constroem o humano, fonte de poesia. A poesia está em tudo, mas a partir do humano se materializa e passa a existir.”

Ela aposta em projetos como esse que não só levam a arte para dentro da escola, como educam para que a criança se perceba como artista em potencial. Para Tatiana, a arte tem o poder de “tirar de dentro” e traduzir emoções e sentimentos. “Arte sim é bastante eficaz na formação do ser humano. É reflexão da realidade”, afirma.

 “O Paralelepípedo tem esse fio condutor do “pó ao pó” que revela as fases da existência humana. Já a arte não chega ao fim, é perene”, finaliza.

 Abrir as torneiras para a poesia
“A lua pode ser cheia, vazia, verdejante, azulante, roxa, dourada”, disse a atriz Luciáh Tavares, que também é contadora de histórias. A artista explicou às crianças que as metáforas são um dos recursos mais utilizados na poesia e por meio delas é possível dar ainda mais liberdade e beleza às palavras. “Eu não sei criar poema, deu um ‘branco’ que ficou tudo ‘preto’”, metaforizou ela, aliando a explicação sobre figuras de linguagem à tentativa de vencer a timidez da turma. “Poesia é revelação: quando a gente escreve algo sai tão do coração, por isso temos vergonha. É tão bonito justamente por isso. A poesia derrama nossa essência em palavras. Arte é isso, nos ajuda a não ter medo da essência”, assinala.

  A convidada explicou que as metáforas tornam possível, por exemplo, “um sorriso no olhar, “e não é porque a pessoa tem dentadura no olho”, brincou. Para Luciáh o diálogo com as artes, ajuda no diálogo com as pessoas e consigo. “Poesia é isso, diálogo comigo mesmo”, afirmou.

 Segundo ela, a poesia dá permissão para brincar com o lugar comum e sair da linha reta estabelecida. A abertura do olhar estético trata de desconstruir conceitos prontos, partindo do zero, das coisas aparentemente absurdas. “Tem que abrir a torneira para derramar. No início vai sair coisa estranha, até buscar certas memórias, rever ideias e acessar a poesia nossa de cada dia”, propõe.

 

 Luciáh acredita que a expressão poética é o caminho para o autoconhecimento e contribui para o desenvolvimento humano e profissional de todas as pessoas, não somente de artistas. Isso porque é uma atividade que canaliza medos e angústias. Conforme ela, até mesmo o físico Albert Einstein foi um grande poeta, e admitiu, em carta deixada para a filha, o potencial da sensibilidade humana para o bom uso das descobertas científicas.  “Deveria ser disciplina obrigatória em todas as fases do ensino formal. A pessoa vai se resolvendo quando coloca sua essência nas relações. Quem acredita que a poesia é supérflua tem uma grande poesia sufocada dentro de si, prestes a se revelar”, conclui a atriz.

Usina de arte
Enquanto Marcoliva cantava a música tema do projeto, as crianças soltavam o verbo, junto com Luciáh, num legítimo sarau. “Além de fazer poema é importante ouvir, isso tudo serve de inspiração”, explicou o idealizador. Segundo ele, as crianças são estimuladas a encontrar novas palavras e, assim, enriquecer o jogo poético. Abaixo, algumas das criações:

– O barco é azul, a rosa é vermelha e vejo um sorriso em teu olhar – Luiza Gaia, 11 anos

– Nosso destino tem a arte do amor e da esperança – Stefany Muller, 10 anos

– Olhos do seu melhor amigo é luz do seu dia – Jamilly e Kélen

– Na leveza do amor existe a palavra do belo poema – Joana Rollet, 10 anos

– Olhe para o céu e reconheça onde pisas – Jamilly e Kélen

Fotos: Kélen Oliveira

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