Entrevista a Molefi Kete Asante

molefiMolefi Kete Asante é um estudioso afro-americano, historiador, filósofo, poeta, dramaturgo e pintor. Ele é uma figura proeminente nas áreas de estudos afro-americanos, Estudos Africanos e Estudos de Comunicação.  Atualmente é professor do Departamento de Estudos Afro-Americanos da Universidade de Temple nos E.U.A, onde criou o primeiro programa de Doutoramento em Estudos Africanos e Afro-americanos, e Presidente do Molefi Kete Asante Institute for Afrocentric Studies. Considerado por seus pares como um dos estudiosos contemporâneos mais ilustres, Asante tem publicado 74 livros, entre os quais “Afrocentricity: The Theory of Social Change”, 1980, Race, Rhetoric & Identity, 2005, History of Africa, 2007, tendo criado uma escola de pensamento que tem influenciado os campos da sociologia, comunicação intercultural, teoria crítica, ciência política, história africana e trabalho social. Asante detém mais de 100 prêmios para bolsas de estudo e ensino, incluindo os Fulbright, doutorados honorários de três universidades, e é professor convidado na Universidade de Zhejiang. A União Africana citou-o como um dos doze maiores estudiosos de ascendência africana, quando o convidou para dar uma das palestras na Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora, em Dakar, em 2004.

Esta é uma entrevista que Asante concedeu à Plataforma Ghetto a 16 de fevereiro de 2012.

Eu vi uma declaração sua, em que diz que “a libertação espiritual dos africanos deve preceder a libertação política e económica. Você pode explicar um pouco essa ideia?

Molefi Kete Asante:

Nesta declaração estou a seguir as ideias de outros pensadores africanos como Cabral, Garvey, Du Bois, e Carter G. Woodson, que reconheceram que a crise fundamental no mundo Africano é uma crise cultural. Se resolvermos o cultural, que é na minha filosofia uma crise espiritual, então temos uma melhor hipótese de alcançar o sucesso político e económico que procuramos.

Esta não é uma crise espiritual como, que denominação cristã escolher, e se Maomé foi ou não o último profeta, se Bhagavad Gita é ou não melhor do que o Corão, ou se devo confessar meus pecados, ou não. Não, esta crise espiritual é mais profunda, mais existencial, ela reside no núcleo do ser do Africano, no sentido de que ele se tornou um problema de longa duração da nossa consciência. Não é essencialíssimo, mas é fundamental para a nossa compreensão do mundo. Temos de corrigir o problema que veio com o colonialismo e a escravidão, e a única maneira através da qual nós podemos corrigi-lo, é restaurar e reparar o nosso senso de cultura, esta é a crise espiritual de que falo.

Acha que o cristianismo e o islamismo constituem um obstáculo à nossa libertação e completa autodeterminação?

Molefi Kete Asante:

Na medida em que qualquer religião leva os africanos para fora dos nossos próprios termos, e nos leva a questionar a inteligência ou a sabedoria dos nossos antepassados, ou nos leva a degradá-los, a não falar a sua língua, ou usar os seus nomes, perdemos o nosso caminho nas moitas da religião de alguém. Não há nada de errado com a descoberta de liberdade e autodeterminação, por razões próprias de cada um.

Como explica a resistência dos europeus em situar o Egito, histórica e culturalmente, na África, e a sua negação das contribuições que a antiga civilização egípcia deu a outras civilizações?

Molefi Kete Asante:

Os europeus acham as realizações do Egito inacreditáveis, apenas no sentido em que os africanos criaram esta civilização muito antes da chegada dos árabes ou europeus. O que é representado no mundo europeu é a descrença, porque os europeus consideram quase impossível imaginar que os negros que eles conquistaram, subjugaram e escravizaram, possam ter produzido tal civilização. Eles preferem acreditar que as civilizações dos marcianos ou Jupterianos é que criaram o Egito. Mas, os fatos são o que são, a civilização do Egito é a dádiva dos africanos dada ao mundo.

Em geral, como caracterizaria o estado atual do domínio europeu sobre nós?

Molefi Kete Asante:

Eu diria que existem vários aspectos ligados a esta questão: o continente africano, a diáspora africana nas Américas, e os africanos na Europa. No continente temos conseguido a liberdade política, mas não a liberdade cultural ou econômica. A Europa domina, e onde a Europa não domina como na Mauritânia e Sudão, os árabes dominam culturalmente, economicamente, e na realidade, mesmo politicamente. Na Diáspora Africana nas Américas a situação ainda é aquela em que os africanos estão na parte inferior das escadas econômicas e políticas, embora existam ilhas de sucesso como é o caso de Barack Obama e Hugo Chávez, dois descendentes de africanos, que são líderes das suas nações.

Por outro lado, não se pode apontar para um país onde os negros alcançaram a paridade com os brancos, quer em termos económicos, políticos ou culturais. Cuba pode ser o mais próximo a esse objetivo, mas o racismo ainda é um problema entre os cubanos. A situação no Brasil está a melhorar, pelo que sei através das minhas muitas visitas, mas o país continua a ser um bastião da marginalização negra, especialmente fora das grandes cidades. Na Europa, a situação continua a ser aquela em que os negros têm impacto limitado sobre as nações europeias. Há algumas autoridades eleitas em alguns dos países, alguns negros de alto perfil na França e na Inglaterra, mas em nenhuma parte da Europa vemos a igualdade económica e política dos negros.

Na sua opinião, qual é a relevância e o papel dos nossos ancestrais na vida dos africanos de hoje, e na luta pela libertação?

Molefi Kete Asante:

Bem, eu não posso falar por todos os africanos, mas falando por mim eu vejo o papel dos nossos antepassados como exemplos culturais, de inspiração psicológica, e construção do caráter. Como um descendente do povo Yoruba, eu estou sempre disposto a descobrir nos textos africanos, como o Odu Ifa, palavras que possam explicar o que eu estou a pensar. O texto diz que Ifa não exige conhecimento, riqueza ou educação, mas Ifa exige bom caráter. Lembrar os nossos antepassados, vai ensinar aos nossos filhos e a nós próprios como construir um bom caráter.

Com base no conhecimento que você tem sobre a história africana, que juízo faz sobre a capacidade e o potencial dos jovens africanos de hoje, especialmente aqueles que vivem ou nasceram na diáspora, para capturar e transmitir os valores dos nossos antepassados?

Molefi Kete Asante:

A juventude na diáspora africana, nas Américas e na Europa, aqueles que nasceram nessas regiões estão à espera de alguma inspiração que lhes permita recuperar o seu pé no meio de um mundo europeu, onde estão muitas vezes fora de equilíbrio, porque eles não podem e não se relacionam com a sua própria base cultural, e não têm nenhuma maneira de realmente entrar na cultura europeia em pé de igualdade com os brancos. Os jovens são capazes e completamente prontos para reivindicar a sua cultura, os mais velhos devem refletir sobre a situação e agir. A maioria dos jovens está numa terra de ninguém, flutuando entre um lugar que eles não conhecem e outro lugar que não os conhece. Temos que proporcionar escolas, seminários, workshops, programas de treinamento, clubes e atividades para as crianças. Esta é a maneira, por meio da qual eles ganham força e confiança e são, então, capazes de encontrar e discutir, cumprimentar e conhecer os seus homólogos europeus, sem um sentimento de inferioridade e sem a necessidade de vociferar ou exagerar sobre quem eles são como seres humanos.

 Você criou um conceito no campo dos estudos africanos a que você chamou de “africologia.” O que você pretende alcançar com este conceito?

Molefi Kete Asante:

A contribuição intelectual-chave que dei, é a construção teórica a que chamamos “Afrocentricidade”. Isso significa que podemos determinar como e onde os africanos foram movidos para fora dos seus próprios termos. Afrocentricidade é a ideia de que os africanos devem assumir um sentido do seu próprio lugar de sujeito, um sentido de agência que se relaciona com a ideia de autodeterminação. Isso também significa que, a nível intelectual, quando alguém, preto, branco ou amarelo, estuda África deve permitir que a África fale por si própria. Afrocentricidade é sobre esta relação que nega a ideia dos africanos à margem ou periferia da Europa. Africologia é simplesmente o estudo afrocentrado de qualquer fenômeno africano.

Fonte: http://plataformagueto.wordpress.com/2014/02/25/entrevista-a-molefi-kete-asante/

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