Entregadores de comida via aplicativos: os subordinados digitais

Foto: Marcelo Camargo/ABr

Por Cassio Faeddo.*

O conceito clássico que define o trabalhador empregado encontra fundamento no artigo 3º da CLT:

“considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual ao empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social (…)”.

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A doutrina firmou-se no sentido de entender que esses trabalhadores são apenas os empregados e não trabalhadores de uma forma geral. Logo, para ter os direitos descritos no artigo 7º da CF, devem ser atendidos os requisitos do art. 3º da CLT e também dos demais empregados descritos no texto, como rurais e domésticos.

O fato é que essa construção conceitual de 1944, do Brasil que via nascer indústrias, cidades em crescimento, mostra-se insuficiente para atender as novas relações de trabalho. Tanto é assim que a Emenda Constitucional 45/2004, ampliou a competência da Justiça do Trabalho para julgar, não só relações de emprego, mas outras formas de relações de trabalho, como casos de autônomos, por exemplo.

Porém, as recentes formas de contratação de trabalhadores, especialmente por aplicativos de transporte e distribuição de produtos, por um lado gerou ocupação para muitos desempregados, mas gerou também precarização no trabalho.

Observe que esses trabalhadores têm sido enxergados como autônomos pelo Poder Judiciário. Porém, prestam serviço essencial de transporte na relação jurídica, com veículo próprio ou alugado, e sem qualquer limite de jornada ou direitos correlatos ao empregado comum.

Em que pese o serviço ser remunerado pelo contratante do serviço, ser pessoal e fiscalizado remotamente pelo aplicativo, a prestação de serviços tende a ser eventual. Não há uma exigência do aplicativo que obrigue a prestação habitual do serviço, por isso difícil o enquadramento como empregado tradicional.

Autônomo, que pode ter o trabalho pelo APP como a principal atividade, mas também como um complemento de renda em horas livres. O trabalho não é fácil. É realizado em grandes cidades, e as despesas correm por conta do trabalhador bem como o recolhimento de contribuição ao INSS.

Classificamos esses trabalhadores como subordinados digitais, especialmente por não poder realizar o trabalho sem a presença do aplicativo que distribui a demanda de serviços. Todavia, o fato de, teoricamente, poder escolher o trabalho, não permite o enquadramento como empregado.

Vejamos uma situação indesejada: em face do risco do trabalho com uso de motocicletas, os profissionais passaram a ter direito ao adicional de periculosidade. Tal adicional é calculado em 30% sobre o salário do profissional. Porém, não há adicional de periculosidade para o autônomo.

Ausência de segurança, de controle de jornada, de intervalos e a premente necessidade de gerar renda em ambiente de 13 milhões de empregados colaboram para maiores gastos previdenciários e prejuízos para o trabalhador. Mas é claro, gastos previdenciários se o trabalhador recolher.

Somos da opinião que o legislador deve se debruçar sobre a situação jurídica destes profissionais, não para equipará-los ao empregado tradicional ou para impor-lhes mais recolhimentos tributários, mas para dar parâmetros de atuação, seguros recolhidos por substituição tributária, ainda que isso importe em algum aumento de custos para os beneficiários dos serviços.

Não adianta apenas dar condolências nas redes sociais quando morre um entregador na frente do cliente como recentemente noticiado pela mídia. Alguma medida legislativa deveria ser implementada.

Por fim, lembramos o que diz nossa Constituição:

“Art. 3º – Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária (…)”.

É o bastante para que haja providências.

*Cassio Faeddo é advogado, mestre em Direitos Fundamentais, com MBA em Relações Internacionais pela FGV SP.

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