Entrega das estatais e as histórias da carochinha

Por José Álvaro de Lima Cardoso.*

Em agosto último o governo golpista apresentou a já esperada proposta de privatização da Eletrobrás, cuja modelagem será detalhada e divulgada até o final de 2017. A Eletrobrás é constituída por centenas de empresas que atuam em todas as fases da cadeia produtiva do setor elétrico. O maior sistema de produção e distribuição da América Latina, é constituído de 233 usinas de geração de energia, seis distribuidoras, e 61 mil quilômetros de linhas de transmissão. Esse total de linhas de transmissão representa metade de tudo o que o país dispõe. Ficarão de fora da proposta de privatização as usinas nucleares de Angra, visto que que dependeria de mudança constitucional, já que a Constituição prevê que apenas o Estado seja seu controlador. Também ficou de fora a usina de Itaipu, por ser binacional (senão seria privatizada também).

Não há na proposta qualquer preocupação com melhorias no sistema, aperfeiçoamento do serviço, ou elevação da qualidade para melhor atender a população. Também não está vendendo as estatais a preço de banana em função de uma “fé cega” nas “saídas” neoliberais. A pressa dos golpistas em tomar decisões dessa envergadura, está relacionada à necessidade de fazer caixa rapidamente e ajudar a cobrir o déficit fiscal, o maior da história do país. O próprio modelo escolhido para privatizar a empresa, através de novas emissões de ações da holding, é revelador de que o objetivo principal é levantar dinheiro de forma rápida. Mesmo que isso signifique inviabilizar o futuro do país como nação.

Irão vender o Sistema Eletrobrás por algo entre R$ 20 e R$ 30 bilhões. Segundo cálculos feitos pelo engenheiro e consultor do setor, Carlos Mariz, os 48,6 mil megawatts (MW) de capacidade instalada de geração do Sistema Eletrobrás equivalem a um investimento de cerca de R$ 370 bilhões a preços atuais. Ou seja, então entregando às multinacionais mais um setor estratégico, que irá tornar o país dependente de decisões tomadas por capitalistas estrangeiros, por menos de 10% do que vale os ativos atualmente.

Essa é a orientação dos golpistas para todo o setor estatal. Estão inviabilizando, por exemplo, a Embrapa, que é referência internacional em pesquisa e tecnologia, através de seu estrangulamento financeiro e administrativo. No caso da Embrapa, o que está por trás do processo é o acesso das grandes multinacionais do setor agropecuário e florestal ao banco genético brasileiro, sob a responsabilidade da Embrapa. Este banco conserva material estratégico para a soberania nacional na pesquisa agropecuária e florestal, na pesquisa médica e farmacêutica. O banco genético é considerado o “banco central” da agricultura brasileira, pela importância que tem para a agricultura brasileira (ver o ótimo artigo de Ana Guerra: “O golpe chegou na Embrapa).

Além de representar uma queima impressionante de patrimônio público, a privatização da Eletrobrás representa uma renúncia a qualquer objetivo de soberania energética do Brasil, o que mostra a natureza antinacional e subserviente deste governo. Conforme ocorreu nas privatizações da década de 1990, o Estado irá entregar o patrimônio da Eletrobrás para as empresas privadas, na “ponta dos cascos”. O governo está divulgando que, antes da privatização da Eletrobrás, irão vender suas seis distribuidoras de energia do Norte e do Nordeste, provavelmente no primeiro trimestre de 2018 (eles têm pressa). No entanto, antes de vender as distribuidoras, a Eletrobrás irá assumir os passivos dessas empresas, repassando aos capitalistas apenas o filé-mignon do sistema, como sempre ocorreu nas privatizações. A compensação disso seria a Eletrobrás manter uma fatia minoritária nessas empresas, em troca de dívidas das concessionárias com a holding Eletrobrás.

Há uma crise internacional do capitalismo e as grandes corporações multinacionais precisam remover os obstáculos para o acesso às riquezas naturais e ao filé das estatais dos países periféricos, garantindo assim seus níveis de lucros. No Brasil estão agora, novamente enganando os néscios, com a esdrúxula tese de que um golpe militar poderia interromper a desavergonhada entrega ao estrangeiro do patrimônio nacional, por um governo que bateu todos os recordes de corrupção. A tese se apoia na lenda de que os militares que vêm chantageando com o golpe, são nacionalistas. Se isso fosse verdade, já teriam se oposto desde o início em relação à entrega do pré-sal, privatização da Eletrobrás, à inviabilização do projeto de fabricação do submarino de propulsão nuclear, fundamental para proteger a Amazônia Azul, à prisão do vice-almirante Othon Silva, e à tentativa de vender terras a estrangeiros, inclusive partes da Amazônia. Ademais, sobram declarações na mídia, de militares afirmando que o governo deveria privatizar todas as estatais e, inclusive, internacionalizar a Floresta Amazônica.

*Economista.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.