Entre o real e a ilusão. Por Carlos Weinman.

Imagem: Pixabay.

Por Carlos Weinman, para Desacato. info.

O grande desafio para aquele que julga é saber qual o critério a ser seguido. Nas condições que não envolvem conflitos, o julgamento tende ser fácil, não quer dizer que não seja injusto ou desprovido de preconceito. O fato que nem todos são magistrados, embora os seres humanos reservem para si o direito de julgar e até estabelecer sentenças, o que pode gerar problemas nas questões de direito e de ética, principalmente quando aqueles que julgam não detém o conhecimento necessário.

Entretanto, não é interessante retirar o direito de fazer juízos. Visto que tal privação seria o mesmo que privar as pessoas do exercício de pensar, de ser consciente, de dar sentido e significado as coisas, isto é, o julgar constitui em uma das características da humanidade.

O termo julgar corresponde ao exercício de pensar, atribuir, caracterizar, refletir sobre as coisas e as pessoas. Por esse motivo, a questão nunca é o julgamento, o que é inevitável, por sua vez ficam questionamentos sobre a validade do critério que foi utilizado para análise, sobre as fontes que servem de base para perceber as coisas e as pessoas. Em outras palavras, a questão é como se constrói a visão sobre o mundo, sobre o certo, o errado, o belo, o feio, o real e a ilusão?

A percepção dos sentimentos e do mundo é mediatizada por conceitos, que são a base do julgar. O humano aprende conceitos com suas experiências e com a educação que recebe. Esses elementos passam constituir na forma de ver, o que pode ser comparado com analogia feita pelo filósofo Kant, sobre as categorias ou conceitos do entendimento. Para o filósofo, os conceitos poderiam ser comparados com as lentes dos óculos, se forem verdes, temos a tendência de enxergar as coisas dessa forma, mas nunca percebemos as coisas como elas são em si mesmas. Assim, a verdade ou realidade constituem apenas no nosso modo de ver as coisas, constituindo sempre uma percepção limitada do que seja o real ou o certo.

Desse modo, as explicações estão limitadas ao arcabouço dos conceitos apreendidos pelos indivíduos durante a vida. Quando maior, mais complexa e profunda será sua capacidade analítica. Contudo, existe a possibilidade das explicações se reduzirem a um cenário, a um mundo de sombras, de percepções equivocadas e ilusórias, que trazem traços da realidade, dissociados, constituindo em meras sombras do real. Nesse caso, os julgamentos são tomados como verdadeiros sem ter a pergunta sobre os fundamentos, sobre os critérios usados para estabelecer os raciocínios. Essa forma de julgar corresponde a capacidade de opinar, que em geral está limitada as experiências dos indivíduos, formando o que denominamos de senso comum. Para esse, o questionamento não é tão importante, mas tão somente o resultado prático que orienta a ação. Nessa percepção da realidade, encontramos conceitos, valores e ideias que passam ser tomados como verdades e determinam a conduta dos indivíduos.

As ideias têm um efeito enorme sobre as pessoas, podendo, inclusive, matar, como foi a ideia de pureza, citada pelo filósofo Zygmunt Bauman , no seu Livro “o mal estar da pós-modernidade”. De tal modo que o nazismo sugeriu que a ordem correta seria a da “raça ariana”. Em nome dessa ideia, judeus e pessoas classificadas como comunistas foram mortas. Por outro lado, o comunismo, na percepção radical, matou e excluiu em nome de uma pureza de classe. Infelizmente, muitos exemplos com desfechos tristes são apresentados na humanidade, muitos talvez utilizem de outras ideias para impulsionar e conduzir as pessoas estabelecerem uma ordem e, para tanto, assassinar ou privar o outro dos meios necessários para sua existência. Por esse motivo, o senso comum não é um problema em si, mas quando desprovido do desconfiar das verdades dadas, pode ser a fonte de muitas atrocidades.

Para buscar por critérios mais claros é necessário o uso do exercício do pensamento. Nesse sentido, o filósofo grego Platão, descreveu que o filósofo é aquele que é capaz de assombrar-se, de ter admiração com o mundo e as coisas, é aquele que desconfia das verdades, das impressões e dos sentidos. Por isso, sempre está em busca. Além disso, Platão apresentou o mito da caverna, uma analogia explicativa da sua visão filosófica. No mito, encontramos uma representação de pessoas que viveram a vida toda em uma caverna, com a projeção da luz do sol e de uma fogueira para o fundo, os olhos desses prisioneiros aprenderam a tomar como verdades as sombras, as representações, até que um dos escravizados conseguiu sair e com muita dificuldade encontrou o sol e a luz, lembrando dos seus colegas, voltou para resgatá-los. Entretanto, por apresentar uma realidade diferente, uma verdade que não era aquela que estavam habituados, foi ameaçado, sua vida foi colocada em cheque em nome de um conceito, de um conjunto de ideias. Desse modo, os prisioneiros tendem a continuar nessa condição, pois os cárceres e as privações estão encalcados na sua alma, a razão está a serviço da emoção, dos sentimentos, do medo. Segundo Platão, essa é uma inversão e por isso existe a tendência da injustiça, não pelo fato da humanidade não ser capaz de alcançar ou buscar pela justiça, mas por não exercer o pensamento e a racionalidade.

As discussões sobre a verdade e a realidade está presente na humanidade desde a antiguidade. O debate, também, ganhou forma nas conversas dos viajantes da ferrugem dos esperançosos. Inaiê e Ulisses conversavam com Deméter, que demostrou uma capacidade envolvente, com a fala suave, trazendo várias histórias da infância para Inaiê, que não apenas passou ter confiança como, também, passou a admirar sua irmã. Roberto estava impressionado, para não dizer apaixonado. Quando o final do dia chegou, o conserto da combi foi concluído. Os três irmãos e Roberto foram até o hotel, combinaram que sairiam no outro dia bem cedo. No dia seguinte, Inaiê foi a primeira a acordar, foi até combi, viu a coruja, mas as bagagens estavam todas reviradas, o dinheiro das economias tinha sumido, assustada foi chamar Ulisses e Roberto, a irmã Deméter havia sumido, não estava lá, os três ficaram atordoados, quando de repente Ulisses achou um bilhete que dizia:

Inaiê, Roberto e Ulisses, vocês são pessoas muito boas e ingênuas, conheci a irmã de vocês, que trabalha em um supermercado da cidade, sabia das histórias de vocês, pois morei com ela durante alguns anos, vi uma foto da família e reconheci o Ulisses, estou pegando apenas o dinheiro, observei onde vocês guardavam, poderia ser pior, poderia levar a combi, fiquem mais espertos!

Os três ficaram inconformados, foram envolvidos pelo discurso, pelas palavras de uma ladra, que conhecia o suficiente para tirar o que tinham, sem contar a estranheza dela ter deixado um bilhete sobre o crime. Além do mais, para continuar teriam que, primeiro, trabalhar para ter o dinheiro necessário para custear a viagem. Entretanto, nem tudo foi percebido pelos três como negativo, pois sabiam que a verdadeira irmã Deméter estava naquela cidade, só precisavam descobrir o mercado onde trabalhava.

Carlos Weinman

Carlos Weinman é graduado em Filosofia pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (2000) com direito ao magistério em sociologia e mestrado em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (2003), pós-graduado Lato Sensu em Gestão da Comunicação pela universidade do Oeste de Santa Catarina. Atualmente é professor da Universidade do Oeste de Santa Catarina. Tem experiência na área de Filosofia e Sociologia com ênfase em Ética, atuando principalmente nos seguintes temas: Estado, política, cidadania, ética, moralidade, religião e direito, moralidade e liberdade.

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