Entenda a polêmica da PEC das Diretas aprovada em comissão

Jefferson Rudy / Agência Senado

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A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou de forma unânime, na quarta-feira 31, o texto original da Proposta de Emenda à Constituição que prevê eleições diretas caso os cargos de presidente e vice-presidente fiquem vagos nos três primeiros anos do mandato.

Embora possa surpreender à primeira vista, a aprovação unânime não significa que os senadores governistas tenham passado a defender a campanha das Diretas Já. Enquanto a oposição propõe que o projeto tenha efeito imediato e permita a antecipação de eleições diretas para este ano, os aliados de Michel Temer rejeitam a possibilidade por considerá-la inconstitucional.

Relator do projeto proposto por seu colega Reguffe (sem partido-DF), Lindbergh Farias(PT-RJ) buscou apresentar um substitutivo ao texto original para que a eventual aprovação da emenda passasse a vigorar a partir da saída de Temer.

Em resposta, o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) apresentou um relatório alternativo para derrubar o texto de Lindbergh e recuperar a proposta original. Ferraço questionou o dispositivo incluído pelo petista, que considera “flagrantemente inconstitucional”. O senador tucano argumentou que o artigo 16 da Constituição impede qualquer alteração em regras eleitorais em eleições realizadas em até um ano a partir da aprovação das mudanças.

Com a divisão entre os parlamentares, decidiu-se aprovar o texto original de Reguffe sem estabelecer que o projeto entre em vigor imediatamente. O debate sobre a validade ou não da mudança a partir de um eventual impeachment ou cassação de Temer deve ser analisado pelo plenário do Senado e pode ressurgir caso o projeto avance posteriormente na Câmara.

Além da PEC, outra alternativa para o debate das eleições diretas pode surgir caso ocorra a cassação da chapa Dilma-Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral. Mudanças recentes no Código Eleitoral prevêem eleições diretas se o mandato de uma chapa for cassado antes de seis meses de seu fim, mas possíveis conflitos com a Constituição e a própria legalidade dessas mudanças, a serem analisadas pelo STF, podem travar essa possibilidade.

Entenda a polêmica por trás da PEC das eleições diretas e do Código Eleitoral.

O que propõe o texto aprovado pela comissão?

A proposta apresentada pelo senador Reguffe dá nova redação ao parágrafo 1º do artigo 81 da Constituição Federal. Atualmente, o artigo define que, em caso de vacância dos cargos de presidente e vice-presidente da República, uma nova eleição é convocada 90 dias após aberta a última vaga.

O parágrafo 1º estabelece que, se ocorrer a vacância nos dois últimos anos do mandato presidencial, a eleição deve ser realizada de forma indireta pelo Congresso Nacional.

Reguffe sugere a eleição feita pelos parlamentares seja adotada apenas se a vacância ocorrer no último ano do período presidencial. Caso o presidente e seu vice percam seus cargos nos três primeiros anos, devem ser realizadas novas eleições diretas. Atualmente, essa hipótese só é prevista na Constituição para os dois primeiros anos do mandato.

Em sua justificativa da proposta, apresentada em dezembro de 2016, Reguffe deixa claro que o objetivo é “devolver à população brasileira o direito de escolher o presidente da República”. Em seguida, o senador argumenta que “a proposta atende aos anseios da sociedade brasileira, sob o eco do histórico grito das ruas a clamar ‘Diretas Já’, nos idos da década de 1980”.

O que propôs o relator Lindbergh?

Lindbergh apresentou à comissão um substitutivo ao projeto de Reguffe. Além de propor a alteração do artigo 81 da Constituição, o senador petista incluiu um trecho para permitir a antecipação de eleições. O texto de Lindbergh propõe que a emenda constitucional, caso aprovada, entre em vigor na data da sua publicação, “não se aplicando o disposto no art. 16 da Constituição.”

De acordo com o artigo constitucional citado pelo senador, mudanças eleitorais não podem se aplicar “à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. Se o dispositivo proposto por Lindbergh não for incluído, o mais provável é que as regras não permitiam a antecipação de eleições, pois elas ocorreriam em um período inferior a um ano a partir da aprovação da emenda.

O senador defende a vigência imediata da mudança “frente à grave situação político-institucional pela qual passa o País neste momento histórico”. “O presidente atual não possui legitimidade para governar. Sua saída representa um imperativo democrático fundamental para a estabilidade do País”, afirma o relatório.

Após a aprovação unânime, o parlamentar comemorou uma “vitória gigantesca” na CCJ. “Isso vai dar muito fôlego ao movimento pelas Diretas Já”, afirmou. “Eles ficaram surpreendidos. Agora é no plenário do Senado”.

E a base aliada, o que diz?

A base aliada alegou que a proposta de Lindbergh é inconstitucional. Segundo Ferraço, que apresentou à comissão um voto em separado contrário ao de Lindbergh, a aprovação da PEC não deve servir para antecipar eleições para este ano. Em seu relatório, o tucano afirmou que a proposta de Lindbergh é “flagrantemente inconstitucional” por afastar “a aplicação do princípio da anualidade eleitoral”, prevista no artigo 16 da Constituição.

O senador menciona um voto do ministro Gilmar Mendes no plenário do STF em defesa da anualidade. “O princípio da anterioridade eleitoral constitui uma garantia fundamental também destinada a assegurar o próprio exercício do direito de minoria parlamentar em situações nas quais, por razões de conveniência da maioria, o Poder Legislativo pretenda modificar, a qualquer tempo, as regras e critérios que regerão o processo eleitoral”, afirmou o ministro citado por Ferraço.

O senador tucano menciona ainda decisões do STF que sustentam o princípio da anualidade eleitoral. Em 2006, a Corte determinou que o fim da verticalização das coligações partidárias não poderia ser aplicado no pleito geral daquele ano sob pena de ofensa ao artigo 16. Da mesma forma, o STF impediu que novas regras sobre o limite máximo de vereadores nas Câmaras Municipais, aprovadas em 2009, tivessem efeito retroativo para as eleições municipais realizadas de 2008.

O senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) defendeu a mesma posição:

O art 16 prevê o princípio da anualidade, garantindo que mudanças na lei eleitoral só entrem em vigor se aprovadas até 1 ano antes do pleito

Assim, o artigo 16, que continua valendo normalmente, impede alterações casuísticas nas regras legais.

E se a chapa Dilma-Temer for cassada, podemos ter eleições diretas? 

Depende da interpretação e das decisões da Justiça. Em setembro de 2015, o Congresso aprovou por meio de uma lei ordinária uma série de mudanças nas regras eleitorais. Entre elas, foram incluídos incisos que determinam eleição indireta se a vacância do cargo por cassação ocorrer a menos de seis meses do mandato, e direta nos demais casos. Em tese, a lei deveria valer para eleições presidenciais, estaduais e municipais.

Ocorre, porém, que a legislação entra em conflito com a Constituição. A Carta prevê de forma genérica que, vagando o cargo nos dois últimos anos, a eleição seja realizada pelo Congresso, mas não versa especificamente sobre a vacância da Presidência em situações de cassação da chapa pela Justiça Eleitoral.

Há especialistas, como o jurista Luiz Flávio Gomes, que distinguem a vacância por motivações gerais, como impeachment, renúncia, morte ou doença, de motivações eleitorais, isto é, relacionadas a uma eventual cassação de chapa por violação das regras de campanhas.

Em artigo publicado no site “Jusbrasil”, Gomes argumenta que, caso a vacância se dê por motivos eleitorais, deve ser aplicado o Código Eleitoral, e em casos de motivação geral, a Constituição. Segundo essa interpretação, a cassação da chapa Dilma-Temer pelo TSE, se ocorrer ainda neste ano, deveria ser seguida de uma eleição direta.

Além do conflito jurídico, a hipótese depende também de uma análise da constitucionalidade da minirreforma eleitoral aprovada em 2015, que passou a vigorar no pleito do ano passado. O próprio Lindbergh, em sua justificativa em defesa das Diretas Já, lembrou que a minirreforma terá sua constitucionalidade debatida pelo STF por ter sido editada por meio de lei ordinária, e não uma emenda à Constituição. A Procuradoria-Geral da República, lembra o parlamentar, chegou a pedir a impugnação do texto.

Enquanto não tem sua constitucionalidade analisada pelo STF, a lei já tem produzido efeitos. Está prevista para agosto de 2017 novas eleições para o governo do Amazonas. Em maio, O Tribunal Superior Eleitoral cassou o mandato de José Melo e seu vice e determinou a realização de um novo pleito. O mesmo pode ocorrer no Rio de Janeiro, caso o TSE confirme a decisão do Tribunal Regional Eleitoral de cassar a chapa de Luiz Fernando Pezão e Francisco Dornelles.

Há, porém, uma importante diferença: a Constituição não estabelece regras eleitorais em caso de vacância de governadores e prefeitos, o que tem permitido a aplicação do Código Eleitoral. Como no caso da Presidência da República há uma determinação expressa na Carta, pode-se alegar que o Código Eleitoral é infraconstitucional e não teria validade nesse caso.


Fonte: Carta Capital 

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