Enigmas do Vivendas da Barra: álibis se desmontam?

Charge de Miguel Paiva

Por Marcelo Auler.

A partir dos desdobramentos da revelação do Jornal Nacional, (edição de 29/10/19), de que Élcio Vieira de Queiroz, um dos supostos assassinos de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, horas antes da execução dos dois na noite de 14 de março de 2018, ingressou no Condomínio Vivendas da Barra alegando ir à casa 58, pertencente ao então deputado Jair Bolsonaro, várias dúvidas surgiram.

Duas questões, porém, se tornaram básicas para confrontar álibis e as explicações apresentadas pelo hoje presidente da República, seus filhos e seus advogados. Em especial explicações prontamente encampadas pelo Ministério Público Estadual e pela Procuradoria Geral da República, quais sejam:

1) Bolsonaro estava em Brasília, logo não poderia ter falado ao interfone com o porteiro que alega ter-lhe consultado sobre a entrada de Élcio;

2) Uma gravação no sistema de comunicação do Vivendas da Barra demonstra que o porteiro não falou com o “seu Jair”, mas com Ronnie Lessa, morador da casa 66, para a qual Élcio se dirigiu.

Em apenas uma semana, porém, a imprensa – e não o Ministério Público ou a polícia – levantou questionamentos que colocam em dúvida tais explicações.

Desde o dia 31 que Luis Nassif vem batendo na tecla de que o moderno sistema de comunicação do condomínio pode permitir o contato da portaria com o morador, independentemente de ele estar em casa. O diálogo seria possivel, inclusive, através do celular. Trata-se de uma hipótese, concreta, que não invalida – como a Procuradoria da República e o Ministério Público Estadual do Rio se apressaram em fazer – a versão do porteiro de que se comunicou com o “Seu Jair”. A se confirmar, pouco importa onde “Seu Jair” estivesse.

No dia 1/11, questionamos: qual porteiro?

Qual porteiro?

Paralelamente, em 01/10, ao alertarmos que o porteiro corre risco de vida, em “Salvem o porteiro! Já!“,  levantamos nova questão, a partir da afirmação das promotoras do Rio de Janeiro de que o “porteiro mentiu”.

A conclusão delas respaldou-se na suposta perícia de um áudio encaminhado pelo condomínio, onde constataram que era Ronnie Lessa o morador a falar com o porteiro. Questionamos então:

Há, porém, outro detalhe que parece passar despercebidos por todos. Como já se disse, sem a perícia completa no sistema de comunicação da portaria do condomínio com as residências do mesmo, não se pode atestar se houve ou não enxerto de gravações.

A perícia foi feita em um único áudio, teoricamente registrado naquela mesma data. Peritos confirmaram que a voz era de Lessa, o suspeito da morte de Marielle, morador da casa 66. Mas com quem ele falou nesse áudio? Foi o mesmo porteiro ouvido pela polícia ou outro funcionário do condomínio? Afinal, o laudo pericial especifica apenas que houve “identificação positiva para Ronnie Lessa”. E seu interlocutor, quem era? O mesmo porteiro que fez o registro no papel?” (grifamos)

A dúvida é, aparentemente, primária. Afinal, o fundamental é saber se trataram de uma mesma conversa ou de conversas diferentes. Isto, sem querer ensinar Padre Nosso a vigário, deveria ser a primeira preocupação das apressadas promotoras fluminenses. Ao que tudo indica, não foi o que aconteceu.

Como revelou Lauro Jardim em sua coluna em O Globo on line, na tarde de segunda-feira (04/11), o Porteiro que aparece no áudio de Carlos Bolsonaro não é o mesmo que diz ter falado com ‘seu Jair’. Ali, ele noticia:

Lauro Jardim: porteiro era outro!

A Polícia já sabe que o porteiro que prestou depoimento e anotou no livro o número 58 (o da casa de Jair Bolsonaro) não é o mesmo que fala com o PM reformado Ronnie Lessa (dono da casa 65) no áudio divulgado por Carlos Bolsonaro e periciado em duas horas pelo Ministério Público.

Trata-se de outro porteiro.

A se confirmar a informação de Jardim, cria-se então um problema sério para o vereador Carlos Bolsonaro. Mais do que acessar as gravações da comunicação do condomínio onde ele reside, a apresentação de uma gravação diferente pode sim configurar interferência indevida na coleta de provas do caso. Tal e qual previsto no artigo 329 do Código Penal:

“Art. 329-A – Impedir, embaraçar, retardar ou de qualquer forma obstruir cumprimento de ordem judicial ou ação de autoridade policial em investigação criminal: Pena: detenção de 1(um) ano a 3(três) anos, e multa”.

O mais curioso nessa história toda vem com a segunda nota do mesmo Jardim, publicada na sua coluna nesta terça-feira (05/11) – Depoimento do porteiro do condomínio de Bolsonaro foi filmado.

Se um depoimento – na verdade, foram dois, em 7 e 9 de outubro – foi devidamente filmado, desde então a Polícia Civil – e, consequentemente, o Ministério Público do Estado do Rio – possui o padrão de voz do porteiro que disse ter se dirigido ao “Seu Jair”. Bastava compará-lo com a voz que conversou com Ronnie Lessa, no áudio apresentado por Carlos Bolsonaro/Condomínio.

Com estas informaçõers, surgem, naturalmente, novas dúvidas: Por que ainda não fizeram tal comparação? Ela não deveria ter precedido à entrevista apressada das promotoras? Terá mesmo o porteiro mentido? Como surgiu um novo áudio, sem relação com o episódio narrado pelo porteiro, nos depoimentos dos dias 7 e 9 de outubro? Carluxo – forma como muitos tratam o filho de Bolsonaro – terá induzido a Polícia e o MP a erro? Quis desviar atenções?

Ruben Berta: sistema pode ser o que fala com celular

Falou com “Seu Jair”?

Tais questões apenas reforçam a necessidade de rapidamente ser providenciada a perícia de todo o equipamento de comunicação interna do Condomínio Vivendas da Barra. Tal como Nassif defendeu e reproduzimos na postagem do dia 1 de novembro. Somente assim se mostrará se o porteiro realmente podia o não ter falado com “Seu Jair”, mesmo se este estivesse em Brasília, participando de votações na Câmara dos Deputados.

A possibilidade da comunicação da portaria com celulares dos moradores foi reforçada nesta terça-feira (05/10) pelo repórter Ruben Berta, no seu “Blog do Berta” com a postagem EMPRESA QUE ATENDE A CONDOMÍNIO DE BOLSONARO OFERECE SISTEMA DE ACESSO REMOTO A INTERFONE.

Respaldando-se em um balancete das contas do condomínio, Berta noticia que “há, ao longo de vários meses, registros de pagamentos à empresa Bluephone Soluções Tecnológicas por serviços de manutenção em equipamentos eletrônicos. Um deles, de R$ 501,03, é inclusive referente ao mês de março de 2018.”

E avança: “De acordo com seu site, a Bluephone é especializada num sistema de comunicação conhecido como IBPX, que permite, entre outras facilidades, que uma pessoa atenda ao ramal do interfone de sua casa sem estar fisicamente presente.”

Ou seja, mais um jornalista reforça a hipótese de que o porteiro poderia sim ter falado com o “seu Jair”, mesmo que este estivesse em Brasília. Ou na China. Bastava estar com seu celular.

O que se desprende é que para as investigações avançarem será necessário desvendar enigmas que rondam o Condomínio Vivendas da Barra, na Av. Lúcio Costa, Barra da Tijuca.

A esta altura, torna-se fundamental periciar todo o sistema de comunicação para saber se ele fala com celulares; se há a ligação do porteiro (nº 1) com o “Seu Jair”, às 17h10 do dia 14 de março de 2018; se esta ligação foi para o celular do “Seu Jair”; de quando é a ligação em que o porteiro (nº 2) fala com Ronnie Lessa; se no sistema foram enxertadas ou apagadas gravações e em que época isso pode ter ocorrido.

Avançando-se um pouco mais – desde que haja vontade para tal – será possível verificar, tanto pela ficha de controle dos acessos ao Condomínio, como pelas gravações do sistema de comunicação, quantas vezes Élcio Vieira de Queiroz esteve no Vivendas da Barra e a que casas se dirigiu. Por tais controles se poderá descobrir, inclusive, que outros possíveis milicianos ingressaram no condomínio ali e a quem visitaram. Em que época?

São iniciativas que já deveriam ter sido feitas, como ocorre em investigações criminais. Rapidamente, para se evitar o desaparecimento/adulteração de provas.

Aliás, uma iniciativa que a própria família Bolsonaro, que garante não ter ligações com o assassinato de Marielle e Anderson, deveria ter tomado, para mostrar sua inocência. A não ser que temam surgir outros indícios comprometedores. Ou que seus álibis sejam destruídos.

Uma suspeita que começa a ganhar corpo quando se verifica que a gravação apresentada é de um porteiro diferente. O que justifica tal fato?

 

A opinião do autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info

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