Encontro dos Atingidos unifica pautas e dá voz às comunidades

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Por Katia Marko. O encontro dos Atingidos – Quem perde com os megaeventos e megaempreendimentos aconteceu de 1º a 3 de maio, no Colégio Municipal Marconi, em Belo Horizonte (MG). Organizado pela Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa (Ancop), reuniu cerca de 400 representantes de comunidades atingidas pelas obras da Copa e de movimentos sociais.

Na abertura, 1º de Maio, Dia Internacional do Trabalhador, uma grande mesa mostrou as dificuldades e conquistas das comunidades que resistem às obras da Copa do Mundo, das Olimpíadas e também de outros processos de resistência como dos negros, índios, pescadores, trabalhadores informais e estrangeiros que estão trabalhando no Brasil.

Os depoimentos dos atingidos foram importantes para que todos pudessem ter noção das lutas que se somam e têm não só motivos, mas também objetivos em comum. “Muitos segmentos não entendiam seus problemas (dentro do contexto) e a Copa evidenciou questões que não eram percebidas pelas próprias pessoas”, disse Ângela Rissi, do Fórum Nacional dos Ambulantes.

Para Ângela, em meio a toda a desgraça trazida pelas obras, o principal ponto positivo é o fortalecimento da luta contra a higienização das cidades, que vem sendo promovida com a desculpa do Mundial e que deve ser enfrentada ainda com mais vigor após a reunião dos diversos segmentos na resistência aos megaeventos.

Exemplos bem-sucedidos de resistência e outros que ainda não conseguiram chegar a seus objetivos plenamente se sucederam para mostrar o quadro das diversas regiões do país. O garoto Gabriel Matos, de Fortaleza, comemora o fato das remoções em Lauro Vieira terem caído de 206 para 66, mas lamenta principalmente porque “muitos amigos tiveram que ir para longe por causa das remoções”.

“Nossos filhos estão sendo mortos”

Atingida pelas obras do aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre (RS), Sheila Mota, moradora na Vila Dique, emocionou a todos ao falar sobre a situação de sua família e da sua comunidade. “Nós estamos sendo removidos contra nossa vontade, eles estão tirando a gente para outro local conhecido como Faixa de Gaza. Nossa comunidade está sendo removida para um local que tem guerra de facções e nossos filhos estão sendo mortos lá”, explicou ela, que perdeu um filho neste processo e hoje teve mais uma triste notícia.

“Meu genro foi assassinado hoje (1º de maio) pela manhã, então eu queria pedir desculpas a todos os companheiros que vieram aqui por estar me retirando. E por que ele foi assassinado? Por conta da Copa! Por quê? Porque o governo não nos dá saúde, nem segurança e quer nos retirar da comunidade”, disse ela, fazendo questão de desejar um ótimo encontro a todos os participantes. Recebeu em troca um coro de “Gilberto, presente!”, já que a luta da resistência contra os abusos da Copa é também uma forma de homenagear todos os que faleceram nesse processo.

Copa do Mundo

Para além do legado da Copa do Mundo, a economista do Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs) Sandra Quintela questionou “para quem funciona a sociedade como um todo: a Copa? Os estádios? A saúde? A educação? O saneamento? A cidade? O modelo de desenvolvimento socioeconômico? Para quem vai o fruto e a riqueza gerada pelo trabalho dos trabalhadores e trabalhadoras, da cidade e do campo? E como ficam as comunidades que não produzem excedente, como as indígenas? ‘Para quem’ é, portanto, uma pergunta fundamental”.

Segundo ela, todas as atividades humanas giram em torno de um mercado global sustentado por um sistema capitalista que, por sua vez, é fundamentado no individualismo, na competitividade, no machismo e patriarcalismo e que exclui todos que não contribuem para ele e não vivem da maneira imposta, como os camponeses, extrativistas e indígenas. “Em relação à Copa, ela é uma bela desculpa para este modelo que beneficia os de cima. Seus projetos ganham rapidez e escala”.

Cidades endividadas

Sandra também alertou que as dívidas dos municípios em função do evento poderão resultar em crises nos próximos três anos. “As cidades foram estimuladas a se endividar”, diz, destacando que, durante a preparação do Mundial foram autorizadas pela Lei 12.348, a tomar novos empréstimos, mesmo se a dívida total delas já estivesse acima da receita líquida real. Apontou ainda como negativas mais duas medidas tomadas para viabilizar a Copa: as isenções fiscais concedidas ao Comitê Organizador Local (COL) à Fifa e demais empresas ligadas à promoção da Copa de 2014, assim como a alteração na Lei de Licitações, que passou a permitir a uma empresa executar uma obra sem o projeto definitivo.

A economista acredita que esses gastos com infraestrutura e mobilidade seriam feitos no país, independentemente da realização da Copa. O evento, contudo, contribuiu para que fossem feitos de forma acelerada, sem planejamento ou controle social. “É um modelo todo voltado para o interesse privado. É a cidade produto, cidade mercadoria, pensada para os hotéis, os turistas”.

Crescem os lucros e a repressão

Para o representante do Comitê Popular do Distrito Federal (DF) Chico Carneiro, o modelo da Copa serve para aumentar o lucro das grandes empresas a partir da isenção de impostos. Ele afirma que, com a Copa, os grandes empresários fazem mais rápido o que já faziam e também fazem mais do que já faziam para avançar o projeto de cidade excludente.

“São 250 mil removidos ou ameaçados de remoção. A violência e a repressão contra a população de rua, os ambulantes, os profissionais do sexo já aumentou sensivelmente, para além dos jovens e dos moradores da periferia. E agora, a repressão é feita com equipamentos de última geração, importados de Israel, o que ainda prejudica a luta dos palestinos”, afirmou Chico.

Na sua avaliação, a força da proposta de restringir a participação popular e de aumentar a segregação aumenta, jogando os pobres para longe, através de leis de terrorismo e de exceção. Ele também destaca que não se trata de um projeto só para as 12 cidades-sede e nem vai terminar com a Copa. “Em relação à resistência, fica claro que a luta deve ser feita a partir do protagonismo dos atingidos, de quem sofre na pele a opressão, a partir do local, de cada comunidade e de cada setor. Também percebe-se que a resistência é local, nacional e internacional e que na rua é onde vamos construir a nova política, o novo projeto de sociedade. Por isso criminalizam tanto a rua”, avaliou Chico.

“Não temos direito a nada”

A filha de quilombola Marilene de Jesus Novaes, do Quilombo Rio dos Macacos, localizado na Bahia, levou para a plenária a experiência de quem sofre diariamente os impactos de um governo que opta pelos “de cima”. “Estamos sendo atingidos por este modelo que viola direitos. Reivindicamos 300 hectares para nossas 67 famílias, mas estão nos pressionando para que aceitemos 86 hectares. Implantaram uma vila militar no meio do quilombo. Não podemos pescar na barragem. Até o direito de ir e vir não está sendo respeitado. A Marinha de Guerra do Brasil nos desrespeita o tempo todo. Não temos mais direito a nada. Derrubam nossas casas. Somos discriminados. Ficamos sujeitas a situações de estupro”, lamenta Marilene. Ela finalizou afirmando que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que passa a titulação de terras quilombolas e a demarcação de terras indígenas do Executivo para o Legislativo, não pode ser implementada de jeito nenhum. (KM)

África do Sul e Grécia no Encontro dos Atingidos

A mesa “Copa das mobilizações, como fortalecer lutas” recebeu o jornalista sul-africano Niren Tolsi e a ativista grega Chará Tzouma. Ambos falaram sobre os impactos negativos dos megaeventos para a maioria da população de seus países, seja no caso da Copa de 2010 na África do Sul, ou nas Olimpíadas de 2004 em Atenas.

“Existem muitas semelhanças entre o que está acontecendo no Brasil agora e o que aconteceu na África do Sul. As pessoas estão sendo removidas de suas casas, as crianças e os vendedores ambulantes são expulsos dos seus lugares. E a polícia aumentou sua opressão sobre as pessoas comuns, principalmente quando elas estão mobilizadas e organizadas”, comparou Niren Tolsi.

Chará Tzouma também comentou as diferenças e as similaridades entre o contexto brasileiro e o grego, ressaltando as formas de organização política que emergiram em seu país após os movimentos de resistência às Olimpíadas de 2004 e, principalmente, depois das grandes manifestações que aconteceram em resposta à crise economia europeia.

“Que um grito de gol não abafe a nossa história”

A ideia dos movimentos é que os atos comecem antes do Mundial. A Ancop convocou os movimentos para participar do Dia Internacional de Luta contra a Copa, marcado para o dia 15 de maio.

Os participantes encerraram o encontro com um ato no centro da capital mineira. Ao longo do percurso eles denunciaram uma série de violações de direitos, sobretudo os despejos forçados.

Na plenária final foi aprovada a carta “Que um grito de gol não abafe a nossa história”, que reúne denúncias e reivindicações, dentre as quais o fim dos despejos e remoções, o combate ao tráfico de mulheres e à exploração sexual de crianças e adolescentes, a anistia de militantes processados durante os atos que ocorreram no ano passado, o fim da violência policial, a democratização dos meios de comunicação, a tarifa gratuita para o transporte público e o reconhecimento dele como um direito social.

A carta convoca a população a se manifestar durante os jogos da Copa: “Estar nas ruas durante a Copa do Mundo é um ato de fortalecimento da democracia e de um novo modelo de país que avance na participação direta do povo e na construção de políticas públicas efetivas em favor da justiça e igualdade social”. A íntegra do documento pode ser acessada em www.portalpopulardacopa.org.br

(Colaboraram: Roger Pires, Fidélis Alcântara, Eduardo Amorim, Pedro Rocha, Patrícia Bonilha, Argemiro Almeida, Anna Galeb, Larissa da Silva Araújo, Leandro Anton e Roberto Lopes).

Foto: Reprodução/Brasil de Fato.

Fonte: Brasil de Fato.

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