Em tempo de exceção, mundo do trabalho pega a rota do século 19

Por Vitor Nuzzi.

O tema do debate era “100 anos de retrocesso” nos direitos trabalhistas, e os três participantes concluíram que, com as reformas em curso, o país caminha para dois séculos atrás, em um ambiente de desproteção social. A desembargadora aposentada Magda Biavaschi, por exemplo, citou iniciativa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) para participar de ação no Supremo Tribunal Federal que contesta decisões judiciais limitadoras da terceirização, por causa da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho – a entidade patronal, diz Magda, afirma que o TST age inconstitucionalmente ao inibir a livre iniciativa. “Se essa decisão prevalecer, é mais um elemento de evidência de que estamos voltando ao século 19, porque a Constituição que fala disso (livre iniciativa) é a de 1891.”

Ela também fez referência a recente decisão do Supremo que prevê prisão após condenação em segunda instância. “O STF acabou com o princípio da presunção da inocência, um dos pilares da Constituição”, afirma, lembrando da contagem apertada (6 a 5). “Dada a excepcionalidade dos tempos atuais, estamos julgando com convicções e não provas, e isso constitui o Estado de exceção.”

Para a atual pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), propostas contidas no programa Uma Ponte para o Futuro, do PMDB, e em documento da CNI para “modernização” da legislação privilegiam a tese do negociado sobre o legislado, com “receituário liberal clássico”, também remetendo ao século 19. “Isso significa que o Direito do Trabalho perde espaço como fonte do Direito”, diz Magda, apontando, como consequência, perda do “patamar civilizatório” no país.

“A dialética do senhor de escravo não foi superada”, diz a desembargadora. “Isso se expressa na flexibilização do conceito de trabalho escravo, na terceirização, no negociado sobre o legislado, na redução da idade mínima de trabalho.” Ao comentar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, aprovada ontem (10) em primeira votação na Câmara, ela destaca o avanço do modelo de Estado mínimo no país e lembra que a mudança legal afetará também as regras de reajuste do salário mínimo, que também terá de ser subordinado à inflação.

“O mais draconiano é que o Tribunal Superior Eleitoral, que tem de fiscalizar a lisura dos pleitos, divulgou uma nova defendendo a PEC. Isso é um escracho às instituições, à sociedade. Ele (Gilmar Mendes, presidente do TSE) pré-julga, incita, utiliza essa instituição pública para convencer a opinião pública de que essa PEC é fundamental.”

Corrosão

Realizado na noite de ontem (10) no Instituto Polis, região central de São Paulo, o debate foi organizado pelo Le Monde Diplomatique Brasil e pela Plataforma Social, com apoio de diversas entidades, como Fórum 21, Fundação Friedrich Ebert, Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) e revista Vaidapé. O sociólogo Ricardo Antunes, da Unicamp, afirmou que o mundo vive seu “momento mais agressivo” desde 1968, no contexto em que se insere o trabalho.

“Esse processo marca a hegemonia do capital financeiro, que é potencialmente destrutivo em toda a sua dimensão”, diz Antunes, que identifica o trabalho “em processo de corrosão, destruído em direitos, destituído de qualquer tipo de contratação”. Já o Brasil tem hoje, segundo ele, “o Parlamento mais degradante e degradado de toda a história republicana”, e um governo “terceirizado” que tem como objetivos centrais “rebaixar o salário a qualquer preço, desmontar a CLT e terceirizar tudo que é possível”.

Ao se referir a proposta de acordos coletivos prevalecerem sobre a negociação, Antunes também falou em retrocesso histórico. “Se deixarmos, o governo Temer quer recuar a 1888 (ano em que a escravidão foi formalmente abolida no país). Antes, o trabalhador era vendido. Agora, é locação da força de trabalho.”

O pesquisador do Cesit e professor do Instituto de Economia da Unicamp José Dari Krein reforçou a afirmação de que o país caminha para o passado. “O que se busca é desconstruir uma série de avanços e proteções que os trabalhadores conquistaram. Flexibilizar é ampliar a possibilidade de a empresa lidar com a mão de obra de acordo com as suas possibilidades”, afirmou. “A reforma trabalhista é para adaptar a regulação do trabalho às características do capital contemporâneo, é desconstruir qualquer proteção e qualquer regulação.”

Ele afirma que a agenda não é nova, mas um retorno a propostas dos anos 1990. “O que está se propondo agora é aquilo que não se completou. É uma agenda velha.” Também comentando a “Ponte” do PMDB, Dari Krein avalia que o diagnóstico foi feito a partir de premissas do Banco Mundial, “ou seja, consultando as empresas”. Para o pesquisador, o objetivo das reformas é “construir um mercado, não uma nação”. “É a lei do mais forte, sem coesão social.”

E se busca uma “competitividade espúria, a partir da redução do custo do trabalho”, sem considerar aspectos como ciência e tecnologia e infraestrutura, acrescenta. “É mito dizer que fazer a reforma trabalhista resolve o problema do desemprego”, rebate. “Essa tese não tem comprovação empírica nas experiências históricas.”

Fonte: Sul21

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.