Em sessão sobre a CPI da Funai, Colatto acusa indígenas de impedirem o desenvolvimento e ‘engessarem o país’

Por Claudia Weinman, para Desacato. Info.

 Deputado Valdir Colatto (PMDB-SC), além de afirmar que indígenas e Funai são um “entrave” para o desenvolvimento de diversas regiões, ainda se mostra apoiador do Movimento “O Sul é o meu país”.

O Deputado Federal Valdir Colatto (PMDB-SC), que é sub-relator da Comissão Parlamentar de Inquérito, a denominada CPI da Funai, e também atua como Coordenador da Comissão de Direito de Propriedade da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), afirmou nesta semana, durante a sessão da CPI, em Brasília, que a Fundação Nacional do Índio (Funai), bem como os povos indígenas do Brasil, têm impedido o avanço e o desenvolvimento de diversas regiões. Ele destacou em uma de suas falas que “A Funai está complicando a vida do Brasil e dos brasileiros”.

Sabe-se que existe um grande interesse de parlamentares e investidores quanto a duplicação da BR-101 no estado de Santa Catarina e que a obra considerada “paliativa”, possui, segundo estes mesmos ‘interesseiros’, um “impasse”, que é denominado “Terra Índigena Morro dos Cavalos”. Colatto acusa os povos indígenas que habitam essa e outras regiões que possuem empreendimentos similares em andamento, de estarem “engessando o país”.

A fala preconceituosa do deputado repercutiu em críticas de lideranças indígenas que acompanharam a sessão e também de outros parlamentares que são contra o posicionamento de Colatto. Em sua exposição, o Deputado Nilto Tatto, (PT-SP), disse que esse tipo de visão remete a uma questão política do século passado que “não aceita a diversidade como patrimônio da sociedade brasileira”. O deputado ainda questionou: “Alguma Obra vale o extermínio de algum grupo étnico do nosso país? Do nosso território”?

Exteriorizou ainda mencionando que Colatto e seus sucessores atuam com uma formação positivista, com foco no extermínio dos povos indígenas no Brasil. “Essa mesma visão que não aceita as mudanças que foram acontecendo no Brasil,  que não aceita que pobre tenha acesso a avião, que esteja nas  universidades. Esta mesma visão que não aceita que índio tenha que sobreviver”, enfatizou.

Uma das representantes da Arpin Sul, (Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul), Rosane de Mattos (Kaingang), disse ainda que as palavras ditas por Colatto reforçam o desejo de colocar os indígenas contra os não indígenas, como históricamente vem acontecendo. “O interesse deles é aumentar o seu patrimônio e enriquecer as custas do povo brasileiro, passando por cima de tudo”, refletiu.

Rosane também disse que existe um grande interesse de diversos deputados como Colatto, de fazerem com que os indígenas desistam da luta e para isso, usam-se segundo ela, de ataques ameaçadores contra a vida das populações autóctones. Rosane também cita a questão do deputado Colatto ser a favor da separação dos três estados do Sul (Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul) para uma nova república. “Dizem que a região Sul é um ‘país’ a parte e que Santa Catarina concentra e produz grande parte das riquezas”.

“O Separatismo vem dos mais fortes. Os indígenas semeiam a diversidade”

O Portal Desacato conversou nesta tarde de sexta-feira, 19 de fevereiro, com Rildo Mendes, liderança kaingang, que representa a comunidade Toldo do Imbu. Conforme ele, Colatto tem colocado a culpa em cima das populações indígenas quando fala sobre desenvolvimento. Segundo a liderança, em algumas falas, o deputado insinua que os povos indígenas prezam pelo separatismo. “A insinuação do deputado de que os indígenas são separatistas, nada mais é do que a continuidade do ataque que os povos indígenas vem sofrendo cotidianamente de setores da sociedade que querem impedir o avanço da demarcação de suas terras. Desta vez o ataque veio do palco montado exclusivamente para isso CPI –FUNAI \INCRA, onde grupos de deputados articulam a retirada de direitos indígenas garantidos na constitutição, isso sim é separação”, defendeu.

 Mendes ainda enfatiza que quem deseja a separação do Sul para com o resto do país são pessoas ligadas a interesses políticos e financeiros sobre o território. “Os mais fortes utilizam seu poder para impor a separação de classes sociais. Neste país em que todos somos brasileros, aceitar, entender e respeitar as diversidades de seu povo, significa cultivar a riqueza de sua cultura e disso o Brasil deveria ter ougulho de seus 305 povos diferentes uns dos outros e mais de 180 línguas fazendo parte desta nação. Somos brasileiros e acreditamos neste país”, disse ele.

Colatto compara Santa Catarina e Maranhão e se diz apoiador do Movimento Separatista

Em uma entrevista concedida a uma rádio de Santa Catarina, o Deputado ruralista Valdir Colatto (PMDB-SC), declarou-se apoiador do Movimento “O Sul é o meu país”. Segundo ele, o Sul seria considerado uma espécie de “vítima” do restante do país. “O Sul está pagando uma conta muito alta. Precisamos de mais autonomia”.

O Deputado ainda mencionou que o Governo possui preferência em direcionar projetos e recursos para regiões como o Nordeste. “Temos dificuldades para que o Sul seja reconhecido”, defendeu.

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Comparativo feito pelo deputado ruralista

 Divulgado pelo site: http://oindigenista.com/2015/08/25/deputado-ruralista-quer-dividir-o-brasil-e-se-declara-separatista/, declarando-se separatista, Colatto fere determinadas leis, como: “Lei 7.170/83, em seu Art. 1º: ‘Esta Lei prevê os crimes que lesam ou expõem a perigo de lesão: I – a integridade territorial; II – a Federação’. Ainda, Colatto atentou ao decoro parlamentar, conforme o Código de Ética da Câmara dos Deputados, que rege, em seu Art. 3o: ‘Sa?o deveres fundamentais do Deputado: II – respeitar e cumprir a Constituic?a?o Federal, as leis’. E no Art. 4o do mesmo Código: ‘Constituem procedimentos incompatíveis com o decoro parlamentar, puníveis com a perda do mandato: VI – praticar irregularidades graves no desempenho do mandato’.

Este mesmo Deputado é a favor da PEC 215, a qual possibilita ao Congresso Nacional tomar a decisão sobre a demarcação das terras indígenas, e reforça o genocídio dos povos autóctones do Brasil.

“O direito a terra é o direito a vida”

Mediante tal afronta proferida pelo Deputado ruralista Valdir Colatto, vale reforçar, em todos os momentos, que a terra representa vida. Sempre foi assim, pelo menos para as populações indígenas que sofreram\sofrem com a invasão européia e também com a dizimação de seu povo. Para esta reflexão tão importante, o Portal Desacato deixa neste espaço, um pequeno texto, escrito por Claudia Weinman e Pedro Pinheiro (PJMP-PJR-SC), sobre um recorte dessa realidade, na tentativa de que nunca esqueçamos que a terra é mãe. Como disse a liderança indígena, Kaingang de Santa Catarina, Adroaldo Antonio Fidelis: “Se a terra é nossa mãe, a terra não se vende, não se aluga, não se troca, por ela ser mãe”. E por isso, os argumentos do Movimento Separatista se fazem excludentes, inaceitáveis, ferem a diversidade. Portanto, o Sul não é o nosso país, o Brasil é o país que a gente vai mudar.

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A luta pela vida, pela terra, dignidade

Venda de terras no Oeste Catarinense

Na primeira metade do século XX, a venda de terras no Oeste Catarinense foi sendo efetivada por empresas colonizadoras, aos colonos que chegavam à região, em busca de uma nova forma de vida e melhores condições de trabalho. Os povos Guarani e outros que habitavam essas localidades, foram afastados sistematicamentecom a institucionalização da propriedade privada. Com isso, iniciou-se um longo processo de lutas e conflitos pela terra, que até hoje se fazem presentes na sociedade.

A ideia de posse da terra historicamente vivenciada pelas populações autóctones, é baseada numa relação de subsistência. De terra como sinônimo de vida. No entanto, a posse tida pelos colonizadores durante o processo de desenvolvimento da região Oeste Catarinense, se difere no sentido de relação com o conceito de propriedade privada, não mais, coletiva. Além dessa distinção, outros elementos tornaram-se motivos para conflitos complexos, que se estendem até hoje em todo o território.

A cultura de subsistência encarnada pelos nativos, foi sistematicamente substituída pela cultura européia. A resistência indígena diante da negação do processo histórico de vida das populações que antes da colonização habitavam a região, gerou fortes conflitos. Com o passar dos anos e a evolução do desenvolvimento de uma nova forma de sociedade, a imprensa foi sendo criada e moldada a atuar com os princípios de dominação dos europeus sobre as populações indígenas.

Com uma abordagem discursiva e voltada a manutenção do poder vigente, a imprensa, nesse sentido, também é responsável pela formação do imaginário coletivo, em favor da classe dominante. Para a imprensa, os coronéis, os caboclos e indígenas eram\são povos indesejados na região. Por questões raciais ou culturais, ou mesmo os dois, os antigos habitantes da região eram coagidos a se retirarem do espaço. Surgiram então os bugreiros, pessoas responsáveis pela caçada aos indígenas. Um termo condicionado a presença dos indígenas na região, era a “limpeza”, ou seja, se comprava as terras ‘sujas’ ou ‘limpas’, com indígenas ou sem indígenas.

A Lei de Terras e a legitimação da propriedade privada

A Questão Agrária brasileira sempre foi um reflexo do Latifúndio. Após a chegada portuguesa, o território colonial foi dividido em 15 capitanias hereditárias, e cada uma delas foi entregue como concessão a nobres que deveriam administrá-las e pagar impostos para a coroa. Esse primeiro capítulo da história do Brasil aponta conflitos de portugueses contra indígenas. “Os poucos colonos que aqui chegavam iam logo tomando as terras dos indígenas e tentando escravizá-los. Lógico que os índios reagiram, mas muitos eram tomados como cativos. Ou quando não podiam enfrentar o inimigo, embrenhavam-se cada vez mais no interior” (MORISSAWA, 2001, p. 58).

Os conflitos entre indígenas e não indígenas estiveram ligados principalmente a questão da terra. De um lado estavam os que viam a terra como fonte de recurso econômico e de outro, os que tiravam dela o sustendo para sobrevivência.

No caminhar da história do Brasil ainda surgiram mais personagens, os negros. Os mesmos foram trazidos do continente Africano a força, para alimentar a mão-de-obra na colônia, assim como acontecera com os indígenas no início da colonização portuguesa. Ambos os povos não aceitaram pacificamente suas condições, e durante o processo histórico, houveram revoltas e manifestações. Além desses fatores comuns com negros e nativos, no século XIX implantou-se a Lei de Terras, que excluía ambos de sua posse.

É importante salientar que a Lei foi instaurada pós independência do Brasil, portanto, foi uma lei brasileira e não mais portuguesa. A partir disso, todo o princípio de relação do indígena, do negro com a terra, foi mais de exploração do que propriamente vida, como cultivavam na sua essência.

Assim, a terra tornou-se mercadoria, cujos participantes de sua compra, eram pessoas que tinham poder econômico para obtê-la. Diferentemente das populações nativas, que passaram a ter a sua força de trabalho explorada pelos imigrantes europeus e muitos se afugentaram. A Lei de terras definiu um novo momento na história.

Este é apenas um recorte, de reflexão sobre todas as acusações feitas contra os povos indígenas, os quais, continuam a constante luta por um pedaço de chão para sobreviver. Os povos que continuam a sangrar, a carregar a dor de verem seus filhos mortos pelo preconceito e pelo que “as pessoas de bem” consideram prioridade: A riqueza, a posse, a rivalidade.

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