Em meio à covid-19, Brasil tem 23 vezes mais casos de sarampo em 2020

O estado do Pará, que já enfrenta colapso no sistema de saúde, reúne 42% dos casos.

Foto: Agência Brasil

Além da pandemia do novo coronavírus e do aumento dos casos de dengue, o país também enfrenta um crescimento do surto de sarampo. Segundo dados do Ministério da Saúde, entre 29 de dezembro e 25 de abril, foram registrados 2.919 casos da doença, número 23 vezes maior que o verificado no mesmo período do ano passado, quando foram notificadas 125 pessoas infectadas. Os dados revelam um aumento de 2.235%. 

O alerta é que o número de casos pode ser maior nos próximos meses devido às estações mais frias em algumas regiões do país e à diminuição da vacinação por causa da covid-19.

Até o dia 25 de abril, foram notificados 2.919 casos. No mês anterior, com registros até o dia 18 de março, foram 909 registros. O vírus estava ativo em apenas dez estados da federação em março e, agora, está em 19. Apenas Acre, Espírito Santo, Roraima, Mato Grosso, Paraíba, Piauí e Rio Grande do Norte ainda não registraram casos.

O Pará, que já enfrenta um colapso no sistema de saúde devido à covid-19, é o que mais concentra notificações, com cerca de 42% do total de casos, o estado tem 1.227 registros da doença. Seguido por Rio de Janeiro, com 717 casos, e São Paulo, com 577 casos. Até o momento, foram registradas quatro mortes por sarampo em 2020 – uma no Rio de Janeiro, duas no Pará e uma em São Paulo.

O número de casos confirmados pode ser ainda maior, pois, ainda segundo dados do ministério, há 3.503 casos em investigação, cerca de 39% da notificação de suspeitos.

Circulação do vírus

Para o infectologista da Sociedade Brasileira de Infectologia e professor da Faculdade de Medicina do ABC, Munir Ayub, os números refletem o crescimento de casos que ocorre desde 2018 e, principalmente, em 2019, quando o país registrou um surto da doença. Só no ano passado foram 18.203 casos e 15 mortes, sendo 14 delas no estado de São Paulo e uma em Pernambuco, segundo o Ministério da Saúde.

“Alguns anos atrás isso [sarampo] deixou de acontecer, mas desde o ano retrasado e o ano passado voltou a circular o vírus no nosso país, que tinha sido eliminado. Esse vírus agora está em circulação e ele está encontrando pessoas não vacinadas, pessoas suscetíveis”, afirma o especialista.

Ele ressalta que sarampo não é uma doença tão grave quanto a covid-19, mas tem uma transmissibilidade maior. Enquanto uma pessoa com coronavírus pode transmitir para quatro ou cinco pessoas, uma pessoa com sarampo pode transmitir para até 18. As duas doenças são transmitidas pelas vias áreas quando o doente tosse, fala, espirra ou respira próximo de outras pessoas. Ou seja, o distanciamento social também deveria impactar na diminuição da proliferação do sarampo.

“Se a gente fizesse a quarentena corretamente, mas você está percebendo que isso não está acontecendo. Se fizéssemos corretamente, você teria uma diminuição da circulação do vírus. Mesmo assim nós estamos aumentando o número de casos. Imagina se todo mundo estivesse circulando tranquilamente”, reflete Ayub.

O infectologista alerta que no outono e no inverno, estações mais frias em algumas regiões do país, há probabilidade de aumento de casos de sarampo devido a maior proximidade entre as pessoas em ambientes fechados. Por isso, ele prevê que o pico da doença pode ocorrer entre agosto e outubro deste ano.

Vacinação

Outro fator que pode potencializar a gravidade do surto de sarampo é a queda de vacinação, única medida eficaz contra a doença.

“O que a gente está observando é que, com a pandemia, houve uma diminuição importante na procura pelas vacinas, não só por elas, mas por todo atendimento médico, inclui-se a vacinação. Isso é outro fator para o aumentar o número de casos”, pontua Ayub.

A Organização Mundial de Saúde (OMS), em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), estima que 117 milhões de crianças podem ficar sem vacina de sarampo por causa da covid-19 no mundo. A estimativa considera que 24 países tiveram vacinações canceladas em meio a pandemia e 13 planejavam a suspensão de campanhas.

Munir Ayub chama a atenção para o fato de o surto atual de sarampo apresentar um aumento de casos entre pessoas de 20 a 29 anos, quando ela sempre foi uma doença infantil.

“O que acontece que nessa faixa etária de 20 a 29 anos é que, quando eles tomaram vacina, eles eram pequenos, achava-se que uma dose apenas era suficiente para proteção. Hoje, a gente sabe que não adianta uma dose só. É preciso duas doses. As crianças hoje vacinadas tomam duas doses. Já as pessoas acima de 29 anos, como não tinha vacina e é uma doença altamente contagiosa, todo mundo tinha a doença. Ninguém passava dos 9 ou 10 anos sem ter sarampo, com a vacinação foram diminuindo o número de casos”, explica o infectologista.

Não à toa, de 23 de março a 30 de junho, ocorre uma nova fase da campanha nacional de vacinação, tendo como público-alvo os adultos de 20 a 49 anos de idade, que receberão a vacina de forma indiscriminada. Ou seja, quem não sabe se tomou a primeira ou a segunda dose também deve se vacinar.

“Este ano nós já tivemos quatro óbitos por sarampo no Brasil, o que é lamentável porque é uma doença que pode ser prevenida por vacina. A vacina é segura e grátis em todos os postos de saúde, mais de 99% de proteção. É o sonho que a gente está querendo viver com o coronavírus”, reforça  Ayub.

Para o especialista, é preciso garantir a vacinação mesmo diante da pandemia do novo coronavírus, porque o crescimento da epidemia do sarampo pode aumentar, ainda mais, a pressão no sistema de saúde, que já está em colapso em alguns estados com a covid-19.

O boletim epidemiológico do Ministério da Saúde indica que “é necessária a adoção de medidas de proteção para os profissionais responsáveis pela vacinação e a população em geral, buscando realizar a vacinação de forma segura e ao mesmo tempo minimizar o risco de disseminação da covid-19”, diz o texto.

Em nota, o Ministério da Saúde informou que, desde agosto de 2019, adotou a estratégia da “dose zero” de vacinação, uma aplicação extra, para as crianças de todo Brasil, entre seis a 11 meses de idade, para evitar casos graves e mortes pela doença. A pasta não informou os dados atualizados de vacinação de nenhuma das faixas etárias contempladas na campanha.

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