Em 30 anos, partido de ultradireita se espalhou por toda a França, analisa cientista política

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Por Lamia Oualalou. Dentro do governo, o alivio era perceptível. Apontado pelas pesquisas como o provável grande derrotado nas eleições departamentais na França, o PS (Partido Socialista) do presidente François Hollande limitou suas perdas, com 21,85% dos votos obtidos no primeiro turno no domingo dia 22 de Março. No entanto, desempenho muito aquém do alcançado pelo partido de direita UMP (União por um Movimento Popular), do ex-presidente Nicolas Sarkozy (29,4%), e inclusive da FN (Frente Nacional): o partido de extrema-direita conseguiu atrair 25,7% dos eleitores.

“A Frente Nacional não é o principal partido político da França”, comemorou o primeiro-ministro francês, o socialista Manuel Valls. Nas semanas que antecederam o pleito, as pesquisas de opinião indicavam a extrema-direita como a grande favorita.

No entanto, Marine Le Pen, que dirige a Frente Nacional, não manifestou a menor insatisfação. Um ano depois de seu avanço nas eleições municipais e europeias de 2014, o partido conseguiu o melhor resultado da sua história numa eleição departamental. Com 5,1 milhões de eleitores, ela ainda obteve 427 mil votos em comparação com as eleições européias e espera eleger mais de 100 cargos no segundo turno do último domingo (29/03). Ficou claro que o partido conseguiu impor seu discurso antieuropeu, antissistema e anti-imigração, sem esconder ambições maiores em relação à eleição presidencial de 2017.

Este é o resultado de 30 anos de crescimento da Frente Nacional, partido que foi capaz de, nas últimas décadas, fincar raízes em todo o país e em todas as classes sociais, segundo a análise de Nonna Mayer, presidente da Associação Francesa de Ciência Política e especialista em estudos sobre a extrema-direita. Pesquisadora do centro de estudos europeus da prestigiosa universidade Sciences Po, em Paris, ela explica como a nova estratégia de normalização estabelecida por Marine Le Pen conseguiu atrair um novo público, entre mulheres, classe operária e trabalhadores precários em geral.

Autora, com Cecile Braconnier, do livro “Les inaudibles – Sociologie politique des précaires”(“Os inaudíveis – Sociologia política dos precários”, sem edição brasileira), ela explica que a muito heterogênea população francesa está cada vez mais seduzida pelo discurso “franco” da líder de extrema-direita, que contrasta com as promessas da “turma do paletó e gravata”.

Abaixo, leia os principais trechos da entrevista de Nonna Mayer:

Opera Mundi: Transcorridos mais de 30 anos desde a estreia da Frente Nacional no cenário político francês, em 1984, como evolui a sociologia de seus eleitores nestas três décadas?
Nonna Mayer:
 Muitas coisas mudaram, mas acho que podemos identificar uma constante, que é o baixo nível de educação. Isso não quer dizer que alguém que fez uma pós-graduação jamais votaria por um candidato da FN, mas este ainda é o melhor indicador de voto. Ou seja, a probabilidade de votar na FN aumenta quanto menor for o nível de escolaridade do eleitor. Durante muitos anos, existia uma outra constante: a maioria dos eleitores eram homens. As mulheres eram mais relutantes. Jean-Marie Le Pen [pai de Marine], que chefiava o partido desde sua criação, tinha um traço de machismo e de violência que afastava as mulheres. Mas os números mostram que isso já não é mais verdade desde a eleição presidencial de 2012. A chegada de Marine Le Pen, a filha do velho cacique, acabou atraindo um novo público: mulheres jovens, de baixa renda e baixa qualificação, que fazem parte de um proletariado dos serviços e do comércio. Tipicamente, são as mulheres dos caixas nos supermercado, que nutrem um sentimento de revolta. Finalmente, existe um elemento recorrente desde 1988, que é a rejeição em relação aos imigrantes. Em 2012, por exemplo, 95% dos eleitores da FN diziam ser contra a imigração.

 

OM: O que representa a imigração no imaginário destes eleitores?

NM: Os imigrantes, tal qual apresentados pela Frente Nacinal, representam uma tripla ameaça. Primeiro, eles podem tomar nossos empregos, e se aproveitar dos programas sociais. Segundo, eles são uma fonte de insegurança pública. Por fim, eles ameaçam a identidade nacional. Aliás, acho que o reflexo identitário é muito mais forte do que o econômico. Até porque muitos eleitores da FN têm um pensamento progressista do ponto de vista econômico. Eles acreditam no papel do Estado, das ajudas sociais e dos sindicatos. Mas têm medo de ver um prefeito muçulmano ser eleito numa grande cidade.

 

OM: Marine Le Pen repete que a FN virou o primeiro partido da classe operária. ? verdade?
NM:
 ? uma afirmação com a qual é preciso tomar com cuidado. Devemos lembrar que os operários são os que têm os salários mais baixos e a maior probabilidade de ficar desempregados. Estas pessoas que vivem numa situação de grande insegurança econômica, são as que menos se inscrevem nas listas eleitorais, e mesmo entre os inscritos, são os que mais se abstêm de votar. Depois, depende muito da idade. A geração do “baby-boom” continua em parte fiel à esquerda, ou decidiu parar de votar. Mas para os jovens, que já não esperavam nada do Partido Socialista, votar na FN pode ser bem mais natural.

OM: Esta tentação é mais forte para os trabalhadores mais pobres?
NM:
 Não é bem assim. Quem vota mesmo na FN é o trabalhador que tem pouco, mas ainda assim tem algo que pode perder. Ele odeia os ricos, porque tem a sensação que eles têm direito a tudo na França. Mas ele também não gosta dos mais pobres, porque acredita que eles se aproveitam das ajudas sociais do Estado sem fazer nada, enquanto ele se mata de trabalho. Eu diria que há um tipo de estrabismo social, tanto para cima quanto para baixo. É nesta camada onde encontramos a maior tentação de voto para a FN.

OM: O mapa dos eleitores da Frente Nacional parece ser mais ou menos o mapa da desigualdade social. Quem são estes precários que viram cada vez mais para a extrema-direita?
NM:
 A população precária é muito heterogênea: encontramos mães solteiras que criam sozinhas dois ou três filhos, aposentados que não conseguem mais pagar as contas com pensões baixas e sem ajuda da família, ou desempregados que já não têm mais direito ao seguro-desemprego. São todas pessoas que dependem muito da ajuda do Estado, e que por isso sempre foram mais atraídos pela esquerda. Em 2012, era clara a rejeição deles em relação ao ex-presidente Nicolas Sarkozy, visto como o presidente dos ricos. Hoje, eles são cada vez atraídos por um discurso xenófobo contra os estrangeiros, inclusive por parte de imigrantes que chegaram na França 40 anos atrás e acham que os “novos estrangeiros” já não respeitam nada. O desespero e a concorrência em relação às ajudas sociais explicam esta tentação.

OM: Durante anos, o voto para a FN foi chamada de “voto de protesto”, mas a maioria dos eleitores escondiam esta preferência. Ainda funciona assim?
NM:
 É cada vez menos um voto de protesto. Hoje, é também uma vontade de tentar outra coisa: já que os governos de esquerda e de direita não deram certo, quem sabe a FN faça melhor. Também, a vergonha que existia em relação a este voto está desaparecendo. Antes, existia uma grande diferença entre o número de pessoas que declaravam votar na FN e as que o faziam, mas já não é mais o caso. Este é o resultado de uma estratégia de normalização do partido por parte de Marine Le Pen. Ainda não é um partido como os outros, já que, segundo as pesquisas, 54% dos franceses o percebem como um perigo para a democracia, mas ela ganhou em visibilidade e em respeitabilidade. Numa cidade como Frejus, no sudeste do país, que tem um prefeito da FN, é bastante natural e até reivindicado se dizer eleitor de extrema-direita.

OM: Qual é a margem de progressão da FN hoje?
NM:
 Todos os fatores são favoráveis para a FN. Estamos em um contexto internacional de ansiedade, com a ascensão do Estado Islâmico e do terrorismo. Há a divisão de seus adversários, os escândalos de corrupção, e o fato de que a FN nunca esteve no poder. E finalmente, temos que ressaltar as próprias qualidades de Marine Le Pen. Todas as pesquisas mostram que ela é vista como menos racista e violenta do que o pai dela, e que ela tem um discurso entendido por todos, ao contrário do que falam os políticos tradicionais, vistos como a “turma do paletó e gravata”. Ela se sai bem na mídia, apresentando mensagens claras — ao contrário da direita e da esquerda. Os eleitores acham que ela é “franca”.

Foto: Reprodução/Opera Mundi

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