“Elite já releva natureza autoritária de Bolsonaro”

Foto: Reprodução Carta Capital.

Por Deutsche Welle.

Autor do livro “O voto do brasileiro”, cientista político Alberto Carlos Almeida analisa cenário a uma semana da eleição e vê com preocupação declarações do candidato do PSL colocando em xeque confiabilidade das urnas.

No livro O voto do brasileiro, lançado neste ano, o cientista político Alberto Carlos Almeida utiliza bases de dados eleitorais para sustentar que os expressivos redutos de PT e PSDB colocam os partidos como polos naturais na disputa presidencial.

Embora a previsão não esteja se confirmando no pleito deste ano, ele ressalta que os mapas eleitorais seguem inalterados. O que houve, em sua leitura, foi um deslocamento do voto de oposição ao PT para Jair Bolsonaro, alavancado pelo fraco desempenho do PSDB em São Paulo, núcleo tucano.

Em entrevista à DW Brasil, Almeida mostra preocupação com as declarações da chapa de Bolsonaro, como a que coloca em xeque a confiabilidade do resultado das urnas, e diz que a elite brasileira “já está relevando a natureza autoritária da candidatura” do ex-capitão.

DW Brasil: Em seu livro mais recente, o senhor aponta que a força dos redutos eleitorais de PT e PSDB os colocam como favoritos em eleições. O que acontece neste ano?

Alberto C. Almeida: O que permanece imutável do livro? Os mapas eleitorais. Pelas pesquisas, vê-se que a votação de Bolsonaro é muito mais forte em quem ganha mais, e portanto, mora nas regiões em azul, enquanto a do Haddad prevalece entre quem ganha menos e mora nas regiões em vermelho. Sem partido e estrutura, Bolsonaro deslocou o que seria o competidor usual do PT. O anti-PT era o PSDB. Particularmente importante foi o estado de São Paulo. Propositadamente, meu livro só lida com questões estruturais, e existe algo conjuntural que teve um impacto na eleição: a aprovação do Alckmin no governo de São Paulo.

Historicamente, governadores que disputam a reeleição com essa aprovação abaixo de 33% perdiam. Aqueles que ficavam acima de 46%, por sua vez, eram todos reeleitos. Alckmin saiu com 36%. Uma parte dos eleitores que nunca votou no PT e mora em São Paulo continua a votar no PSDB, e outra parte diz que o partido precisa mudar, porque “não teria feito nada” no estado. Qualitativamente, essa avaliação retrata a aprovação de 36%. O eleitor que sempre escolhia o PSDB pelo bom desempenho estadual deixou de fazer isso. Quando você perde sua base eleitoral, perde o que tem de mais importante.

Além disso, João Dória tinha 26% de aprovação na capital, na última pesquisa. Em geral, quem tem esse índice sequer tem condição política de ser candidato. Esse fator conjuntural lascou com o PSDB. É uma variável que ninguém dá bola, porque não tem charme. Preferem falar que o problema foi Dória ter saído antes. Se ele tivesse saído na mesma data, mas com 50% de aprovação, o quadro seria outro.

DW: A imagem de antipolítico criada por Bolsonaro, embora seja parlamentar há três décadas, também jogou contra o PSDB?

Almeida: Entra isso também. Entra também um pouco o salto alto, não só do PSDB, mas de todo mundo. No sentido de olhar o cenário e dizer: o PSDB vai enfrentar o PT, então não tem que se preocupar com antecedência. A série de pesquisas do Datafolha começa no final de 2015. Em dezembro de 2016, Bolsonaro tinha passado o ano inteiro oscilando entre 5% e 8% na intenção de voto no primeiro turno. Pouco antes, tinha acontecido a eleição municipal, na qual o desempenho do PSDB fora espetacular. Foi o grande vencedor, enquanto o PT saiu como principal perdedor. A cobertura jornalística leu dessa maneira.

Na pesquisa seguinte, em abril de 2017, a intenção de voto em Bolsonaro tinha praticamente dobrado, saltando para 14%. O que aconteceu no PSDB entre janeiro e março de 2017? A briga entre Dória e Alckmin, com o prefeito se colocando como candidato a presidente. Ninguém imaginava que isso poderia ser prejudicial. Se o partido tivesse se unido em torno de um candidato, agregando os prefeitos, e começando a circular o Brasil naquele momento, poderia ter dificultado a subida de Bolsonaro. É um exercício hipotético útil para pensar o que poderia ter evitado essa escalada.

Mas trata-se de um fenômeno muito complexo, cuja síntese é a carta de Fernando Henrique, uma tentativa de enfrentar algo inusitado. Ninguém imaginava que algo assim pudesse acontecer. Já mais recentemente, no início do horário eleitoral, o PSDB começou batendo em Bolsonaro em um bom tom. Em menos de uma semana, acontece a facada, que humaniza Bolsonaro. O grande defeito de imagem dele é o caráter não humano, insensível. Surge, então, a imagem do cara que leva uma facada, perde sangue, fraqueja, e é hospitalizado. Vira gente como a gente.

DW: Uma vez que Alckmin tem mais da metade do tempo de televisão, a força desse instrumento deve ser questionada?

Almeida: As pesquisas mostram que, no passado, o tempo de TV era mais visto. Mas tem outro fator interessante: a repercussão era maior. As pessoas comentavam mais no seu local de trabalho, e isso diminuiu bastante. Mas ele tem essa importância. Essa postura de Alckmin de “jogar parado” indica certa timidez, que um político não pode ter. No dia em que ele fechou a aliança para esse tempo de TV enorme, tinha que ter aproveitado aquele momento para adotar uma postura agressiva de campanha a partir dali. Eles celebraram a vinda de Ana Amélia para a chapa, por ser do Sul, onde o PP tem muitas prefeituras, mas precisa ir lá falar com os prefeitos. Lá, vários declararam apoio a Bolsonaro. Nos últimos dias, circulou o elogio a Bolsonaro feito por Cássio Cunha Lima (PSDB), senador que disputa a reeleição na Paraíba. Não é que a máquina apoia e, depois, o voto vai. Primeiro, o voto foi, e a máquina foi atrás em seguida.

DW: Da mesma forma, candidatos do “centrão” apoiam o PT no Nordeste.

Almeida: Exatamente, o cara não quer ruído para cima dele. A literatura de ciência política americana afirma que a campanha eleitoral não tem nada a ver com o governo, e aí existe um paradoxo da democracia. As habilidades exigidas numa campanha eleitoral não são as mesmas exigidas num governo. Por que, então, se passa pela campanha? Tem uma coisa que une a campanha e o governo: a ideia de liderança. A campanha testa a liderança do candidato, além de quem está fazendo a campanha e seu grupo político. Olhando retrospectivamente, o PSDB sempre entrou bem posicionado nas eleições, em primeiro ou segundo, tanto na campanha nacional como estadual. Ganharam seis vezes seguidas em São Paulo, sendo as últimas três no primeiro turno. O adversário já era conhecido, o PT, e a estratégia era tentar derrubá-lo. Quando chega uma campanha que exige sair de uma situação adversa, vir debaixo, não soube enfrentar. É aquela situação em que tem que rodar a baiana. Se não fizer isso, não chega lá. E não foi capaz. Nesse aspecto, Alckmin não passou no teste de liderança.

DW: Quem tem mais chances de atrair o centro no segundo turno, Haddad ou Bolsonaro?

Almeida: Dado que Bolsonaro está com esse posicionamento anti-establishment, talvez essa aproximação possa ser pior para o PT. Caso o “centrão”, Ciro e Marina apoiem Haddad, por exemplo, Bolsonaro poderá dizer que o PT vai fazer um governo tradicional, de políticos, e só ele poderia fazer diferente. É uma questão que o PT vai precisar avaliar, porque tem a variável da opinião pública e a variável política, do próprio partido, que condiciona várias decisões.

Do ponto de vista econômico, o mercado financeiro já é majoritariamente Bolsonaro. As manifestações recentes de economistas porta-vozes do mercado sinalizam isso. Já se vê essa aproximação em uma determinada elite. O PT pode fazer os acenos, correndo riscos de perder apoio eleitoral, dar um argumento a mais a Bolsonaro, e essa elite, ainda assim, não apoiar. Nossa elite já está relevando a natureza autoritária da candidatura de Bolsonaro. Ninguém está nem aí para a democracia, só quer ganhar dinheiro. Não é a elite esclarecida europeia.

DW:  Acha possível que Haddad supere a barreira do antipetismo para agregar os eleitores que rejeitam Bolsonaro?

Almeida: As pesquisas mostram que 27% do eleitorado têm simpatia pelo PT, e 30% dizem que não votaria no PT de jeito nenhum. Bolsonaro já tem esses 30%. Haddad está chegando a 27%. O antipetismo tem muito mais a ver com o mundo de quem vive a política no dia a dia. Ele não é vivido de maneira passional fora dessa esfera. No meu entender, a grande questão da eleição é o ativo do PT com relação ao voto da população mais pobre, que ganha até três salários mínimos e vota maciçamente no partido. Se Haddad consolidar uma margem nesse grupo, ele ganha a eleição. Aí, ele tem que ter muito cuidado com uma eventual entrada de Bolsonaro nesse contingente de eleitores.

Bolsonaro tem um discurso conservador, que abre uma portinha com o eleitor mais pobre, mas esse pessoal está muito preocupado com o bolso, a falta de emprego. Acho que a luta se dá aí, estejam os candidatos conscientes ou não disso. Sem falar das mulheres. A rejeição a Bolsonaro sobe nesse grupo, e houve o espancamento a uma das líderes do grupo contra ele nas redes. Esse tema se tornou relevante nessa campanha, sem nunca ter aparecido antes. Veio com força desta vez em função da agenda de Bolsonaro. É uma questão nova no Brasil. Há um leve favoritismo de Haddad, mas com a seguinte ressalva: os favoritos também perdem.

DW:  A sinalização do grupo de Bolsonaro de que não vai aceitar o resultado das urnas em caso de derrota preocupa?

Almeida: Acho que o país precisa ter consenso em torno de algumas coisas sobre as quais já tivemos e, agora, estão sob ataque. Ventilar a ideia de que as pesquisas e urnas eletrônicas são intencionalmente manipuladas em prol de algum resultado está em desacordo com questões que estavam em acordo até anteontem. Isso é ruim. Além disso, Bolsonaro tem características pessoais que são muito ruins. Uma é de não ter alguém envolvido com os temas do Parlamento. Ele nunca foi presidente de comissão, relator de nada, em 28 anos de Congresso. Ser relator significa que você vai aprender muito sobre um tema. Vai ter que conversar com todos os “stakeholders”, ver os limites jurídicos e se envolver. Aquilo vai passar a ser parte da sua vida do ponto de vista político. Ele teve essa oportunidade, e não usou.

Quando na ativa, ele foi escanteado da força militar. Chegou somente até capitão, levou um “chega pra lá” e foi aposentado. Internamente, ele não é considerado alguém de importância. Um terceiro fator, o mais importante de todos, é que ele não tem um partido. Quando PSDB ou PT ganham a eleição, eles têm uma massa crítica grande para ocupar o governo, quadros para os ministérios, primeiro e segundo escalão. Se faltar alguém para uma secretaria executiva, um colega seu de partido vai indicar. Aquelas pessoas convivem minimamente, têm um pensamento alinhado, e Bolsonaro não tem isso. Se tiver alguma coisa, é no mundo militar. Mesmo assim, ele tem essa falta de autoridade em um mundo no qual a hierarquia é importante. Ele está fazendo a antipolítica, mas, chegando lá, vai ter que fazer mais política do que se imagina. Estará mais refém do “centrão” e outros partidos do que PT e PSDB. A frustração eleitoral, de imagem, será imensa.

DW: Caso Bolsonaro não consiga apoio político no governo e proponha o fechamento do Congresso, possibilidade que ele mesmo já mencionou, como o senhor veria a reação popular?

Almeida: Nossa população é indiferente, não tem as características passionais dos argentinos, por exemplo. Esse movimento é muito complexo no âmbito das elites, e o Brasil tem várias. Teoricamente, elas repulsariam isso, pois não saberiam por quanto tempo seriam perdedoras. Não dá para ter todas as elites dentro do governo. A alternância no poder dá a perspectiva de, em algum momento, ganhar. Não é simples que isso aconteça, demandaria um consenso muito grande. Tem vários atores envolvidos, inclusive a imprensa. Alguma mobilização aconteceria, sem dúvidas, mas o grosso da população seria indiferente em um primeiro momento.

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