Eleições na Turquia

Por Clara Barata.

A Turquia vai a votos outra vez este domingo, porque com os resultados das legislativas de Junho, o AKP, partido no poder desde 2002, fundado pelo agora Presidente Recep Erdogan, não conseguiu formar governo sozinho nem fazer uma coligação. Mas o mais provável é que com a deriva autoritária de Erdogan e sob ameaça do regresso da guerra civil contra os curdos, os turcos votem para que tudo fique na mesma – com o risco de o país se afundar ainda mais numa espiral de violência.

A guerra contra os curdos reacendeu-se durante o Verão, após um atentado na cidade de Suruç, no qual as vítimas foram 34 activistas curdos – presume-se que de bombas do grupo jihadista Estado Islâmico, como vingança por terem perdido a cidade de Kobani, no Norte da Síria. O PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) com quem a Turquia negociava a paz há anos, por iniciativa de Erdogan, enquanto primeiro-ministro, culpou o Estado turco por não garantir a segurança dos curdos, e dois dias depois matou polícias turcos.

Foi a fagulha para um enorme fogo que continua a alastrar. A Força Aérea turca recomeçou a bombardear posições do PKK, que considera uma organização terrorista, a pretexto de lançar uma guerra “contra todos os terrorismos”, mas que tem sido sobretudo contra os curdos. O Sudoeste do país, onde vive a maioria curda, regressou à guerra civil, que começou em 1984.

A leitura que é feita desta reviravolta drástica na atitude em relação aos curdos centra-se nos resultados do Partido Democrático do Povo (HDP). Pela primeira vez nas legislativas de 7 de Junho, uma formação pró-curda ultrapassou a barreira dos 10% de votos e entrou no Parlamento (teve 13%). Os 80 deputados que obteve travaram a maioria absoluta do Partido da Justiça e Desenvolvimento de Erdogan e do primeiro-ministro Ahmet Davutoglu. Não só roubaram votos ao AKP no Sudeste curdo, como conquistaram um espaço novo no espectro político turco, firmando-se com um partido de esquerda moderna, com temas como a defesa da igualdade de género, por exemplo.

“Inimigo interno”

Face a estes resultados, o AKP tem-se esforçado por transformar o partido de Selahattin Demirtas no “inimigo interno”, afirmando que o HDP é o rosto apresentável da guerrilha do PKK.

Até depois do atentado de 10 de Outubro em Ancara, quando uma manifestação pela paz foi atacada por dois bombistas suicidas, e muitas das 102 vítimas eram militantes ou simpatizantes do HDP, o primeiro-ministro incluiu na lista de suspeitos o PKK, ao lado do Estado Islâmico. Em vez de criar um sentimento de solidariedade nacional, o atentado serviu para acentuar as divisões: nem Davutoglu nem o Presidente visitaram o local. Aliás, Davutoglu, ao decretar três dias de luto nacional, sublinhou que seria “por todas as vítimas do terrorismo”, incluindo os polícias e militares mortos pelo PKK.

No entanto, a grande maioria das sondagens aponta para que o AKP de Erdogan e de Davutoglu obtenha 42 ou 43% – semelhante aos 40,7% que teve a 7 de Junho. Com estes resultados, teria uns 269 deputados dos 550 que compõem o Parlamento – bem longe dos 400 que Erdogan diz que seria “o ideal”, a pensar nos seus planos de mudar a Constituição para instituir um regime presidencialista, concentrando poderes nas suas mãos.

O sultão ainda mora aqui?

Mas o momento para realizar a ambição de se tornar o novo sultão pode já ter passado. Segundo o instituto norte-americano Pew, 56% dos turcos preferem um Governo democrático. Apenas 36% confessam a sua preferência por um “líder forte” – a imagem de marca de Erdogan. Mas hoje em dia, 51% dos cidadãos tem uma visão negativa do Presidente, eleito com 52% dos votos em Agosto de 2014.

A crescente deriva autoritária de Erdogan tem sido o seu maior inimigo.

O ex-Presidente Abdullah Gul – tal como Erdogan, fundador do AKP, mas que se afastou dele – disse esta semana ao Financial Times que considera a presença do HDP no Parlamento “positiva para a Turquia”. “Sempre acreditei que os problemas devem ser resolvidos envolvendo todas as partes, e não fazendo exclusões”, afirmou.

Foto: Adem Altan/AFP.

Fonte: Público.pt

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