Eleições históricas no Hospital Universitário: pela primeira vez duas chapas

Por Raquel Moysés*.

É nas sutilezas percebidas por quem acompanha historicamente o debate político na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) que aparecem com nitidez as diferenças entre as duas chapas que concorrem às eleições para a direção do Hospital Universitário da instituição, pela primeira disputadas por duas candidaturas. Aparentemente, os quatro candidatos (Chapa 1, dos professores Carlos Alberto Justo da Silva (Paraná) e Maria de Lourdes Rovaris, e a Chapa 2, dos professores Luiz Alberto Peregrino Ferreira (Lula) e Paulo César Trevisol Bittencourt) pareceriam estar de acordo em muitos pontos. Só para citar alguns mais visíveis: a defesa do Sistema Único de Saúde; o fortalecimento do HU como hospital-escola de referência e de excelência nas áreas de ensino, pesquisa e extensão; o aperfeiçoamento da política de humanização do hospital e a instauração de uma política de pessoal voltada para o cuidado com quem cuida.

No entanto, os debates da terça-feira, dois dias antes das eleições que acontecem nesta quinta-feira, 13 de setembro – bem como a leitura de materiais das duas campanhas, postados nos blogs e disponíveis nos boletins impressos – mostram diferenças bem marcadas. A primeira diferença que se nota é relativa à situação do HU em relação ao SUS. Nos materiais da chapa da situação (Paraná e Rovaris) está escrito que os candidatos pretendem “manter o HU harmonizado com os princípios e diretrizes do SUS”. Nos textos de divulgação da chapa 2 (Lula e Bittencourt,) há referência direta à defesa do HU 100% SUS diante dos riscos históricos e imediatos de tentativas de privatização da rede pública de hospitais universitários em todo o Brasil.

Num primeiro olhar, pareceria não existir diferença entre as duas posições, já que ambas defendem o HU como hospital de referência do SUS. Há, contudo, uma questão de fundo que divide as águas das duas candidaturas: o risco de privatização do Hospital Universitário da UFSC através da adesão à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), criada pelo governo federal, pela força da lei 12.550/2011, e que representa a possibilidade de entregar os HUs das universidades federais para interesses de lucro de grupos particulares. Enquanto os candidatos de oposição se manifestam claramente sobre esta questão nos materiais de sua campanha, advertindo sobre o risco representado por tal empresa, os candidatos da situação não fazem referência, no blog nem no boletim impresso, sobre sua posição em relação ao tema. Sequer citam a existência da Ebserh.

No debate da terça-feira, a situação pareceu se explicitar para quem se dispôs a fazer uma leitura sobre o modo como as palavras são ditas e no contexto em que se expressam os candidatos. Paraná, com largo currículo como dirigente – foi diretor do Hospital Florianópolis (1989), diretor do Centro de Ciências da Saúde da UFSC (1996), diretor do Hospital Universitário da UFSC (2004), presidente da Associação Brasileira de Hospitais Universitários (2009), vice-Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (2012) – ao tocar no tema da Ebserh diz ter se manifestado contra essa forma de gestão em várias ocasiões. Porém, ao falar no tema da adesão ou não na UFSC, afirmou: “Não temos posição a defender, porque queremos escutar todo mundo, e nossa posição será a posição do hospital.” Mais adiante, disse que não há“motivo para defendê-la (a Ebserh”), mas que há problemas sérios no HU (entre eles citou alas desativadas no hospital e forma de contratação de pessoal) e que “precisamos de um modelo jurídico que nos dê autonomia de gestão”. Quando a questão foi formulada pela segunda vez, Paraná deixou claro que ele e sua vice não defendem uma posição contra ou a favor à Ebserh. “Seremos defensores da posição da comunidade hospitalar do HU. Vou defender a posição de meus servidores, meus professores, meus alunos”.

Já os candidatos da Chapa 2, em seus materiais, boletim impresso e blog na internet, explicitam sua posição em relação à Ebserh. “Somos totalmente contra a adoção da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBserh) no HU. A luta agora é para que a adesão à Ebserh seja barrada no Conselho Universitário da UFSC” , afirmam Lula e Bittencourt, no boletim impresso e no blog da chapa. No debate, Lula disse que o HU tem que deixar de virar as costas para a UFSC, já que o assunto diz respeito a toda a universidade, “pois somos a mesma instituição”. Com a adesão à Ebserh, lembrou, “a primeira consequência será perder o vínculo com a UFSC e deixar de ser um hospital-escola totalmente SUS. Boa parte dos serviços poderiam passar a ser vendidos”. Por isso, disse ainda, a despeito de ser eleito ou não para a direção do HU, Lula garantiu que vai lutar “contra a Ebserh, a favor da população e da UFSC”.

Outro tema que denota a diferença entre as duas candidaturas é a posição sobre os a forma de ver a situação dos trabalhadores. Lula afirmou durante o debate que o planejamento das políticas de pessoal tem que ser tratado com quem trabalha, e que está hoje submetido a uma carga de trabalho brutal. “Não somos pessimistas, mas realistas”. A qualidade que o HU pode exibir hoje, conforme disse, “não esconde o extremo desgaste das pessoas nos setores.” Ele defendeu a reposição de pessoal através de concursos públicos efetivos e uma reestruturação organizacional através de um processo de gestão participativa. Segundo ele, tudo hoje é feito sem planejamento e citou exemplos: não há placas de sinalização nem programa de biossegurança no hospital. Se pegar fogo, não há porta de emergência. Vamos ter que descer através de uma ‘teresa’ (que é aquele sistema de lençol amarrado que os presos usam para fugir da prisão). Afirmou, ainda, que vai acabar com a política do “eu mando e todo mundo obedece”: somos contra a exclusão de quem quer que seja, vamos acabar com trancas na porta da direção, todos vão ter livre acesso.

Paraná e Rovaris afirmam em seu boletim impresso e no blog (o texto publicado é o mesmo nos dois veículos), que vão “implantar uma política de gestão de pessoas alicerçada nos seguintes processos: agregar, integrar, incentivar, desenvolver, manter e acompanhar pessoas”. No debate, Paraná disse que vai se empenhar em trabalhar com critérios que estabeleçam uma política de humanização no cuidado com os servidores do hospital. Afirmou ainda que não vê atuar no hospital um corpo funcional desmotivado, pois os índices de satisfação dos pacientes são bastante elevados. “Sou otimista, não vejo terra arrasada, mas reconheço o que foi feito para o HU ser hoje um dos melhores hospitais do Estado.”

Sobre jornada de trabalho, outro tema que provoca muito debate entre os trabalhadores da UFSC, em luta pela adoção das 30 horas semanais em toda a instituição, as duas candidaturas também mostram suas diferenças. Lula e Bittencourt tratam especificamente o tema no seu boletim de campanha, no qual expressam uma posição: “defendemos a oficialização de turnos contínuos de 6 horas para atender a comunidade sem interrupção em todos os setores por doze horas ou mais”. O material de campanha da candidatura Paraná/Rovaris não menciona o tema.

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