Eleições 2018: Voto útil, abstenções e outros três fatores que podem ser decisivos na reta final

Faltando menos de uma semana para que 140 milhões de brasileiros escolham seu próximo presidente em um pleito fragmentado e polarizado, ainda há alguns fatores que podem influenciar a decisão final do eleitor, segundo analistas.

A reportagem é de Paula Adamo Idoeta, publicada por BBC Brasil, 03-10-2018.

A BBC News Brasil reuniu dados das mais recentes pesquisas e ouviu especialistas para entender quais seriam estes elementos.

1 – Preferência ou ‘voto útil’?

A pesquisa do Ibope de 26 de setembro questionou os entrevistados a respeito do chamado “voto útil” – a possibilidade de o eleitor deixar de votar no candidato de sua preferência para votar em outro que considere mais competitivo contra um terceiro.
E 28% dos entrevistados naquela ocasião afirmaram que essa probabilidade era alta ou muito alta.
Essa porcentagem é semelhante às intenções de voto do líder da pesquisa, Jair Bolsonaro (PSL), e supera a do segundo colocado, Fernando Haddad (PT).

Segundo a pesquisa, 10% dos eleitores de Bolsonaro, 17% dos de Haddad, 21% dos de Ciro Gomes (PDT) e 14% dos de Alckmin admitiam a possibilidade de mudar sua escolha nas urnas para fazer voto útil.

“Já tivemos alguns casos memoráveis de voto útil (mudando o rumo de eleições), por exemplo em 1988, quando Luiza Erundina ganhou a prefeitura de São Paulo com o voto útil contra Paulo Maluf, em 1998, quando Mario Covas ia mal nas pesquisas (para governador de São Paulo), mas recebeu o voto de vários eleitores que abandonaram Marta Suplicy e foi eleito em segundo turno”, explica à BBC News Brasil o cientista político Carlos Melo, professor do Insper.

No entanto, diz Melo, a grande dúvida é o quanto a atual volatilidade pode, de fato, ter efeito concreto, já que a eventual migração de votos pode se pulverizar entre diversos candidatos e ser insuficiente para alterar o cenário atualmente mais provável de segundo turno, entre Bolsonaro e Haddad.

Na pesquisa Datafolha divulgada na noite de terça-feira, as intenções de voto em Bolsonaro subiram para 32%, o que corresponde a 38% dos votos válidos. A trajetória ascendente do candidato às vésperas das eleições fez analistas começarem a considerar como possível, ainda que não provável, uma vitória já no primeiro turno.

“O voto útil existe e há movimentos de última hora do eleitorado, mas a questão nesta eleição é: quem vai capitalizar com uma (eventual) mudança? Se os antipetistas, por exemplo, forem fazer voto útil, eles vão votar em um mesmo candidato? É um fenômeno mais complexo do que no passado, porque hoje temos duas grandes frentes de rejeição (PT e Bolsonaro) e campos múltiplos (por exemplo, Geraldo Alckmin, Ciro Gomes e Marina Silva) que podem receber essa rejeição”, agrega o cientista político.

2 – Os mais rejeitados?

O alto índice de rejeição dos candidatos mais bem colocados nas pesquisas de intenção de votos é a principal força por trás do eventual voto útil discutido acima. Segundo pesquisa Datafolha divulgada nesta terça-feira, 2 de outubro, 45% dos eleitores dizem que não votariam em Bolsonaro de jeito nenhum. Para Fernando Haddad, esse índice é de 41%.

Juntos, os dois candidatos têm cerca da metade das intenções de voto dos brasileiros – só em 1989 os dois primeiros colocados tiveram tão pouco, tão perto da data das eleições.

“Só existe voto útil por causa da alta taxa de rejeição”, afirma Melo. “De alguma forma, o voto de rejeição está se alinhando. A questão é se vai se alinhar em um terceiro nome ou se vai se pulverizar entre dois ou três candidatos”, que podem acabar tendo uma votação parecida no final, mas não suficiente para levar um deles ao segundo turno.

3. Quem levará o voto das mulheres?

As menções às mulheres feitas pelos candidatos durante os debates de TV dão pistas de quão cobiçado é o voto feminino nesta reta final, por dois motivos principais: o primeiro é que elas compõem 52% do eleitorado do total; o segundo é que o candidato mais bem colocado, Jair Bolsonaro, é também o que tem o maior índice de rejeição feminina – 52%, segundo o Datafolha.

Um exemplo dessa reprovação foi dado pelos protestos de sábado, na campanha #EleNão, organizados por mulheres em diversas cidades do país.

O impacto das manifestações lideradas por mulheres, no entanto, pode não ter tido o efeito desejado. Segundo uma pesquisa da USP, a maior parte das adesões ao protesto em São Paulo veio de mulheres que já rejeitavam o político e o que se viu nas pesquisas posteriores foi justamente um avanço de Bolsonaro entre eleitoras mulheres.

Apesar de continuar líder na rejeição feminina, a pesquisa do Datafolha publicada na terça-feira mostra que o candidato do PSL cresceu em intenções de voto entre as mulheres, passando de 21% para 27%.

Do ponto de vista de Bolsonaro, que tem quase um terço das intenções totais de voto disponíveis, cerca de 20 pontos percentuais são de homens e 10 são de mulheres, aponta Carlos Melo.

“Ou seja, um terço dos votos dele vem de mulheres que não foram sensibilizadas pelas falas (consideradas de cunho machista) ou pelas campanhas anti-Bolsonaro”, avalia Melo.

Segundo dados levantados pela BBC News Brasil, nunca havia existido uma diferença tão grande no voto de homens e mulheres no período pós-ditadura.

4. Abstenções, brancos e nulos

O percentual de eleitores que dizem pretender votar nulo, branco ou se abster caiu para 8% (tendo chegado a 22%), segundo o Datafolha, mas esse grupo ainda pode ter um papel muito relevante no pleito.

Para Lucio Rennó, professor-associado do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, as pesquisas de intenção de voto muitas vezes não captam plenamente o impacto das abstenções e dos votos nulos e brancos porque nem sempre as pessoas admitem, durante a entrevista, a intenção de não comparecer às urnas.

“A abstenção pode ser influente, por se tratar de um pleito competitivo e porque as pesquisas têm sinalizado tendências de voto, e não necessariamente a votação absoluta dos candidatos”, diz ele.

Analisando os dados da eleição de 2014, Rennó identificou uma abstenção maior nos Estados brasileiros mais pobres.

A abstenção e anulação são importantes porque acabam reduzindo o patamar necessário para um candidato ser eleito em primeiro turno – ele precisa ter mais da metade dos votos válidos, que excluem os nulos, brancos e abstenções.

Na eleição à prefeitura de São Paulo em 2016, por exemplo, João Doria (hoje candidato ao governo do Estado) venceu com 53,2% dos votos úteis, mas teve votação menos expressiva (3,085 milhões de votos) do que o total de eleitores que anulou ou se absteve (3,096 milhões).

E em um eventual segundo turno, será que a abstenção pode alcançar níveis recordes caso se confirme um cenário com dois candidatos com alta rejeição (Bolsonaro x Haddad)?

Rennó acha difícil especular – e pensa que o efeito pode acabar sendo o oposto. “Às vezes, em um pleito mais competitivo, o comparecimento pode aumentar”, opina.

Reis, da UFMG, acredita em efeito semelhante: “As pessoas estão em posição beligerante, então o mais provável é que as pessoas votem no segundo turno no candidato a que tiverem menos aversão, para neutralizar o adversário”.

5. O imponderável

Para Carlos Melo, do Insper, um último fator não pode ser descartado como potencial influenciador do voto na última hora: o imprevisível.

“Alguma denúncia nova, alguma delação premiada ou algum escândalo pode ter um efeito importante quando temos uma eleição acirrada – se você muda 10 pontos percentuais de um candidato para outro já vira um aumento de 20 pontos”, diz.

Ele cita como exemplo novamente a disputa de 1988 pela prefeitura de São Paulo: seis dias antes da eleição, uma ação do Exército contra uma greve em siderúrgica de Volta Redonda (RJ) resultou na morte de três operários, gerando uma onda de indignação pelo país.

Isso acabou influenciando o desempenho de Paulo Maluf (à época visto como próximo aos militares) nas urnas e gerando uma onda de apoio à candidatura da então petista Erundina.

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