Edital de licitação do Parque Marina da Beira Mar: jogo no escuro ou cartas marcadas?

Foto do Ato contra a MegaloMarina, realizado por pescadores em 2018.

Florianópolis, outrora Desterro, sob o manto das belezas naturais e do longo ciclo turístico que provê parte de sua subsistência, é uma capital administrada basicamente para facilitar o enorme nicho da construção civil que a degrada há décadas. A partir de um ciclo vicioso eivado de cartas marcadas e de inconstitucionalidades o município inchou, cresceu de forma desordenada, agregando à sua rotina as piores características das cidades grandes. Em relação às tentativas e concretizações das grandes obras, cada vez mais chama a atenção da população organizada a imposição do “interesse público” pelo gestor municipal, quando este trata da aprovação de empreendimentos de interesse empresarial, geralmente alicerçado por discursos sem qualquer comprovação técnica ou científica que confirme o aclamado “inconteste interesse público” que serve como base para que a obra seja aprovada.

No caso específico do Movimento Ponta do Coral 100% Pública, na eminência de possível criação da Marina da Beira Mar Norte (ou MegaloMarina, como costumamos chamar), vale destacar que a denominação de “Obra de Interesse Público” para a Concessão do Projeto e Empreendimento Parque Marina Beira Mar FOI NEGADA NO VOTO DO RELATOR do processo de cautelar do Tribunal de Contas do Estado, ao corrigir a demanda do prefeito municipal, que pretendia tratar a obra e arcar, subsidiariamente, com ônus ao município, pela Concessão Onerosa da Área da União, definindo, porém, o relator, que este ônus caberá exclusivamente ao Concessionário, pois se trata de empreendimento privado e não público.

Ações nessa linha deixam transparecer que certos governantes confundem o interesse público com o privado, e, nesse caso específico, principalmente porque a aquisição de Cessão Onerosa deste patrimônio da União atinge valores muito inferiores aos padrões de mercado, com o subterfúgio de tratar-se de interesse público, lesando de maneira absurda o patrimônio público.

Nos causa, também, estranheza, ver o Prefeito e os Empresários interessados neste edital, abrirem mão da invocada segurança jurídica e financeira do empreendimento em curso, pois rezam ao contrário as cartilhas do mercado imobiliário e financeiro.

Como é possível abrir mão exatamente da segurança do investidor e do gestor público, colocando em xeque a probidade administrativa, num processo sem bases transparentes?
Ao empresário, em especial, cabe perguntar como conseguirá se planejar se um dos requisitos mais complexos e delicados, que são as licenças ambientais – requisitadas pela licitação – não tem parâmetros técnicos, orçamentários, financeiros, administrativos, e sequer estão definidas desde o início? Como este irá analisar os documentos do edital que orientariam os procedimentos administrativos, com as salvaguardas que estão em vigor sob o rigor da tutela coletiva do tema ambiental nos órgãos municipais, estaduais e federais?

O que fará o empresário quando descobrir que a questão ambiental (ligada aos empreendimentos) nos tópicos mais delicados, que poderá encarecer o empreendimento, não foi um prioridade governamental durante o processo que vislumbrava a aprovação do edital para a construção, desconsiderando todo o trabalho feito com os EIAs, segundo os preceitos legais dos órgãos gestores da política ambiental (IBAMA, IMA e FLORAM)?

E o que o Ministério Público Federal (MPF), como órgão fiscalizador das salvaguardas legais, irá exigir, também ficou pra depois?

Os empresários sabem que tudo isso já está sendo motivo de Inquérito Civil pelo MPF e que poderá, certamente, ser objeto de insegurança jurídica, de encarecimento da obra, exatamente por, previamente, não haver transparência, segurança jurídica, confiança e publicidade?

Foto do Ato contra a MegaloMarina, realizado por pescadores em 2018.

Jogo de cartas marcadas?

Resta-nos, na condição de cidadãos leigos, mas espectadores de diversas improbidades administrativas e atos de corrupção vinculados à Ponta do Coral, por princípio de cautela, recear até mesmo pela possível existência de um jogo de cartas marcadas.

Nesta licitação, para salvaguardar o investidor e a população, afastando a possibilidade de nefastas negociações, era preciso saber de antemão os ônus que correspondem à questão ambiental, como bem coletivo e objeto de ações de salvaguarda dos direitos da sociedade. Isso fica mais preocupante, quando a principal condição imposta para ocorrer a licitação, foi exatamente o local previsto para a implantação do empreendimento: o metro quadrado mais caro do Estado. Vale sempre lembrar que esta região é altamente frágil nos aspectos mais impactantes da Mobilidade Urbana, da Paisagem de Patrimônio Histórico e Ambiental, da Pesca e Aquicultura de Povos Tradicionais, da Paisagem Urbana, da Função Sócio Ambiental das Águas da Baia Norte e Sul.

Esta localização não levou em consideração o fato desta Baía apresentar o menor fluxo de renovação de águas, que é imposto pelo estreitamento natural da Baía e pelas cabeceiras e sapatas da Ponte Hercílio Luz, que acarreta problemas nas condições de balneabilidade, vida marinha e vegetal da baía, praias e manguezais, e que agora se somarão o bloqueio de 123 mil metros quadrados de área para o parque urbano e 179 mil metros quadrados de espelho d’água privado, protegido por um quebra-mar e píer com capacidade de 650 vagas privadas (de 120 a 40 pés) e 60 vagas públicas (de 40 a 30 pés) em meio à movimentação, ruídos e resíduos das 710 embarcações.

Localização cara para a municipalidade que investiu durante décadas enormes recursos públicos para desobstruir a imobilidade da Avenida Beira Mar Norte, com ampliações de vias e execução dos Elevados do Itacurubi, CIC e Rita Maria. Mas, que mesmo assim tem se mostrado insuficiente, sem perspectiva de solução, gerando uma caótica mobilidade urbana com ônus para a economia popular e para a qualidade de vida da população.

Por último, destacamos que este debate do Edital e Empreendimento nos é extremamente caro frente ao arcabouço legal do atual processo civilizatório de resistência democrática, do estado de direito contra o autoritarismo governamental e do poder econômico, que produz exploração, desigualdades e exclusões sociais. Nossas observações não podem ser ignoradas, pois se tratam de denúncias contra a aprovação de Edital e Licitação, acerca de projeto com previsíveis potenciais de impactos negativos aos interesses sociais, culturais, econômicos e ambientais, que não foram tratados, minimamente, pelo gestor municipal nas estruturas de Fiscalização, Controle, Gestão e Definição Popular da Política de Uso e Ocupação do Solo, do Transporte e Mobilidade, do Gerenciamento Costeiro e Plano Orla, da Sustentabilidade Ambiental, da Pesca e Aquicultura e do Patrimônio Histórico Cultural, todos amparados em leis.

Movimento Ponta do Coral 100% Pública

30 de janeiro de 2020

Foto do Ato contra a MegaloMarina, realizado por pescadores em 2018.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.