“É um tribunal do crime”, diz vítima da Samarco após pedido de extinção da Renova

Ministério Público de Minas Gerais ajuizou ação pedindo fim da entidade após superávit e falta de reparação às famílias

No distrito de Gesteira, em Barra Longa (MG), Igreja de São Bento, construída em 1718, foi destruída pela lama da Vale/Samarco/BHP – Pedro Stropasolas

Por Pedro Stropasolas.

A Fundação Renova não pode mais existir. Pelo menos essa é a interpretação do Ministério Público de Minas Gerais, que ajuizou uma ação civil pública, na última semana, pedindo a extinção da entidade.

O pedido do MP se baseia nos desvios de finalidade na utilização de recursos da Fundação. No último dia 19 de fevereiro, a Renova teve as contas rejeitadas pela quarta vez pela promotoria. Só em 2019, a Renova fechou o caixa com um superávit de R$ 13 milhões, segundo o Ministério Público.

“A gente não pode ficar mais nessa incerteza, nas mãos de uma fundação que se limita em dizer que gastou bilhões, mas que esses bilhões não são de fato usados na reparação. É inadmissível em qualquer meio que um organismo consuma em sua estrutura funcional mais recursos do que atividades por ele exercida”, aponta Mauro Marcos da Silva, membro da Comissão de Atingidos de Bento Rodrigues, o primeiro distrito a ser destruído pela lama das mineradoras.

“É como se eu abrisse uma empresa e essa empresa tivesse despender mais recursos na funcionalidade dela do que o lucro ou serviço que ela está prestando”, ressalta.

Por meio de um termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), a Renova foi instituída em 2016 para conduzir 42 programas de reparação socioeconômica e ambiental aos cerca de 700 mil atingidos pelo rompimento da barragem do Fundão, em 5 de novembro de 2015.

A entidade é mantida com recursos da Vale, Samarco e BHP, as três mineradoras responsáveis pelo maior crime ambiental da história do país.

O pedido, que ainda será analisado pela Justiça de Minas Gerais, inclui a nomeação de um novo conselho curador, além de uma condenação por danos morais no valor de R$10 bilhões à Renova.

Hoje, cinco anos após o crime, milhares de famílias que tiveram seus modos de vida impactados pela lama sequer foram reconhecidas como atingidas ao longo do Rio Doce.

Silva considera que, se não houver uma punição drástica, a fundação vai ganhar “ares de justiça”.

“Atualmente a Fundação Renova está exercendo o poder de justiça junto às vítimas. Ela julga, condena, e executa a sentença. Nada mais é do que um tribunal paralelo, eu diria até que um tribunal do crime “, avalia.

Enquanto isso, a reconstrução dos três distritos destruídos pelos rejeitos de mineração, Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira, está longe de ser concluída.

No último dia 27 de fevereiro,  o prazo para que as famílias tenham acesso aos Reassentamentos Coletivos foi novamente descumprido pela Renova. Essa é a terceira vez que a entrega das moradias para as cerca de 400 famílias não acontece.

O descumprimento faz com que a vida dos atingidos pelo crime continue nas mãos das mineradoras Samarco, Vale e BHP.

Hoje, as famílias vivem e adoecem em casas temporárias alugadas pela Renova no meio urbano de Mariana à espera dos reassentamentos.

Segundo a Cáritas, que faz a Assessoria Técnica das pessoas atingidas pelo crime em Mariana, 55 pessoas que deveriam ser reassentadas morreram antes de receberem as chaves.

Para Letícia Oliveira, da direção nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o não cumprimento do prazo não se deve à incapacidade da Samarco, que voltou a operar em Mariana no dia 11 de dezembro de 2020.

“É uma decisão de não fazer. Dinheiro há, tecnologia, profissionais há para ser feito. Em menos tempo do que cinco anos. As empresas já voltaram a produzir minério, através da Samarco, elas conseguiram voltar. E construir três vilas com 200 casas não é mais difícil do que fazer voltar a mineração. Então é uma decisão do que é uma prioridade de fato”, aponta.

O que diz a Samarco

Em nota enviada ao Brasil de Fato, a Fundação Renova afirma que discorda das alegações feitas pelo Ministério Público de Minas Gerais relacionadas às contas da instituição e informa que irá contestar nas instâncias cabíveis.

Alega também que as contas da entidade foram aprovadas por auditorias externas independentes e que já desembolsou cerca de R$ 11,8 bilhões na reparação aos impactos pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana.

Por fim, diz que “as obras dos reassentamentos têm previsão de desembolso de R$ 1 bilhão para 2021, um aumento de 14% em relação ao ano anterior”.

 

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