“É um governo da morte”, diz BNegão sobre os sete meses de Bolsonaro na Presidência

Rapper teve show interrompido pela polícia após denunciar episódio de repressão no Festival de Inverno de Bonito (MS)

À frente das bandas Planet Hemp e Seletores de Frequência, o rapper sempre deixou claro seu recado político através da música / Divulgação

BNegão é um dos maiores nomes do hip hop na ativa no Brasil. À frente das bandas Planet Hemp e Seletores de Frequência, o rapper sempre deixou claro seu recado político através da música. Canções protestos como “Porcos fardados” e “Legalize já” foram eternizadas pelo público. Como não podia ser diferente, o rapper não tem poupado críticas ao governo de Jair Bolsonaro (PSL).

No último dia 28 de julho, o show dele foi interrompido no Festival de Inverno de Bonito, no Mato Grosso. Nas redes sociais, ele denunciou a truculência da polícia militar. Para saber mais sobre o episódio e como arte e política andam lado a lado, confira a entrevista concedida por BNegão ao Programa Brasil de Fato RJ na última quarta-feira (7).

Brasil de Fato: O que aconteceu recentemente no Festival de Inverno de Bonito? Foi só no seu show ou isso aconteceu com outros artistas?

BNegão: Na verdade depois que aconteceu eu fiquei sabendo que já estava rolando um “zum zum zum” rondando o festival. Mas não atingiu nenhum artista até porque nenhum artista falou sobre isso também. Normalmente o público gritava e a galera dava uma reagida assim, no máximo. No meu caso eu falo sobre as paradas diretamente, então já ficou um pouco mais azedo o clima.

Pois é, mas você sempre se posicionou explicitamente.

Estou na música por conta disso na verdade. Eu vim para isso. Eu não entrei na música por outra questão que não fosse essa. Tinha um cara na passagem de som do nosso show que é professor e trabalha para o estado, e ele tinha sido espancado pela polícia na semana anterior ao show porque ele foi defender uma amiga dele que trabalha dentro do festival. Os dois acabaram sendo levados dentro do camburão e passaram a noite inteira na delegacia. Só que ele foi espancado, daquele jeito clássico que os caras fazem para não deixar marca, com cotovelo e apertando, esmagando o pé. E aí ele teve que assinar um documento dizendo que estava tudo bem para sair de lá, enfim. Os caras estavam sem notificação, que é outra coisa clássica de quando o policial quer fazer merda ele tira a notificação. E daí o cara estava falando isso com a banda, fiquei sabendo da história e decidi falar sobre isso no show. Então na verdade depois de eu ter falado sobre o Bolsonaro, de ter falado sobre o Sérgio Moro, sobre a invasão dos garimpeiros na tribo no Amapá, o que pegou mais de tudo foi exatamente ter falado desse caso. Inclusive o cara que estava a frente desse caso foi o mesmo que mandou desligar o som.

Durante toda a sua carreira você já chegou a passar por situações parecidas com essa?

Já passei por várias coisas. A gente sempre fugindo de estar vendo delegados querendo me prender. O Planet Hemp ficou alguns anos sem poder pisar em Salvador, sem poder fazer show. Se fizesse estava preso. Ficamos uns três anos sem poder passar pela cidades porque os caras falavam “se passar por aqui está preso”. Enfim, já tivemos várias vezes shows cancelados pela justiça, pela polícia, muita intimidação. Só que a polícia parar nosso show na metade, um show que estava acontecendo, nunca aconteceu.

No ano passado, durante a corrida presidencial, você chegou a assinar um manifesto junto com outros artistas do hip hop contra o atual presidente Jair Bolsonaro. Depois de sete meses de governo e de ter passado por um episódio como esse, qual a sua avaliação sobre como o país tem sido conduzido?

É na verdade é um governo da morte. É morte aos indígenas, morte ao aposentado, é porrada nos estudantes. É um governo anti-vida, então, na verdade daqui há um tempo, se o mundo não for destruído ou se o ser humano não destruir o mundo, esses caras, tipo o Bolsonaro, vão ter que responder por crimes contra a humanidade. Esse tipo de crápula, de criatura abjeta que são os caras da morte mesmo.

Você chegou a participar do Festival Lula Livre no Rio. O que representou para você participar e o que você acha dessa iniciativa?

Acho fundamental. O Lula é preso politico. Tenho várias críticas ao Lula e ao PT, já cheguei a brigar por conta disso nas manifestações anti-golpe, mas independente disso é muito claro que ele é um preso político. É muito claro porque toda essa situação tem esse lado de aprisionar o Lula. E uma coisa que me faz acreditar no Lula, nesse caso ele é inocente total, não tem nada provado contra ele, enquanto tem vários com um monte de prova que ninguém prende. Esse caras querem tanto o Lula preso porque ele é um perigo para eles. Por isso eu ainda boto minhas fichas nele também.

Você vai lançar uma música com o nome “Injutiça”. Conta mais sobre a música?

Em junho do ano que vem a gente vai finalizar os trabalhos do Seletores de Frequência, eles vão fazer instrumental e já vão lançar um disco esse ano que é muito bom. E daí eu já vou começar a fazer lançamento de algumas dessas coisas que eu vou fazer para o ano que vem. Essa música é de 2006 e ela fala sobre coisas que parece que foi escrita ontem, não mudou muito. E eu achava que era importante, que é uma música que gosto bastante. Sempre achei que essa música tem um fundamento e aí vou relançar ela no final de agosto e começo de setembro.

Como surgiu o projeto Dorival Caymmi e quando o público vai conhecer melhor esse trabalho?

Na verdade esse trabalho tem rolado direto em São Paulo. O Rio é mais complicado de fazer, aquela coisa de ter que fazer no total amor, já que o Rio é difícil de pagar cachê nas coisas. Esse show nasceu de uma vontade minha de cantar essas músicas. Eu tive contato com essa obra do Caymmi na época dos meus 15, 16 anos e aquilo mudou minha vida. Minha vida é o antes e o depois disso. Até hoje é o disco que mais causou impacto pra mim, de trazer milhões de sensações inacreditáveis que eu nem fazia ideia que fossem possíveis num disco. A minha ideia era fazer isso com voz e violão, um formato que eu nunca fiz na vida e acabou rolando.

u estava querendo fazer há muito tempo e acabei fazendo empurrado por um produtor que não está mais entre a gente, o Sérgio Pompeia. Ele ficou sabendo que existia essa ideia dentro de mim e marcou o show na louca. E eu tive que fazer o show, se não eu não teria feito até hoje, não teria coragem. É uma experiência porque é uma sucessão de arrepio, muita gente chorando. Bem bonito e profundo. Eu faço de coração, não achei nem que ia dar certo. Quando tocou a vinheta do primeiro show, do teatro, aquele toquezinho que soa para dizer que vai começar, eu falei “caramba, será que é uma boa ideia fazer isso?”.

Mas a sensação do arrepio, o amor, a emoção também são formas de combater a violência cotidiana, não é?

Beleza é fundamental. É importante. Até porque esses caras são realmente anti-vida, então tem que colocar para cima desses caras essa parada e trazer a sensibilidade de volta.

*Texto: Flora Castro | Entrevista: Denise Viola

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