E a história da trabalhadora brasileira?

Texto de Srta. Bia.

O Dia do Trabalhador, (consequentemente da trabalhadora?), ainda é considerado um momento de protesto e crítica às estruturas sócio-econômicas do país. Os trabalhadores tem, historicamente, tradição de movimento organizados. Inclusive as trabalhadoras.

Já contamos que o 8 de Março tem estreita ligação com o movimento de operárias russas:

Se as operárias russas do início do século XX recebessem bombons e flores em comemoração ao Dia da Mulher, talvez se sentissem ofendidas. Afinal, quando os protestos do dia 8 de março foram deflagrados, o que elas queriam mesmo eram melhores condições de trabalho. Não aguentavam mais as jornadas de 14 horas e os salários até três vezes menores que os dos homens. Outros marços virão por Maíra Kubik.

O feminismo tem grande parte de sua história atrelada aos movimentos de operárias desse período pós revolução industrial. Porque durante muito tempo, não só os homens, mas também mulheres e crianças trabalharam em fábricas. A ideia de que o feminismo retirou as mulheres do lar para levá-las para o mercado de trabalho, aconteceu muito depois disso.

Os diversos movimentos de trabalhadoras têm fundamental importância na criação e desenvolvimento do feminismo, até porque no âmbito do trabalho também estão refletidas as desigualdades de gênero. Ao entrar massivamente no mercado assalariado, as mulheres acabam indo além das fronteiras das esferas de suas vidas: privada, assalariada e política.

Apesar do elevado número de trabalhadoras presentes nos primeiros estabelecimentos fabris brasileiros, não se deve supor que elas foram progressivamente substituindo os homens e conquistando o mercado de trabalho fabril. Ao contrário, as mulheres vão sendo progressivamente expulsas das fábricas, na medida em que avançam a industrialização e a incorporação da força de trabalho masculina. As barreiras enfrentadas pelas mulheres para participar do mundo dos negócios eram sempre muito grandes, independentemente da classe social a que pertencessem. Da variação salarial à intimidação física, da desqualificação intelectual ao assédio sexual, elas tiveram que lutar contra inúmeros obstáculos para ingressar em um campo definido —  pelos homens — como naturalmente masculino. Referência: Trabalho feminino e sexualidade (pg. 581) por Margareth Rago (1).

O primeiro romance de Patricia Galvão, a Pagu, publicado com o pseudônimo de Mara Lobo, chama-se ‘Parque Industrial‘ (1933) e relata a difícil vida das operárias de seu tempo, com longas jornadas de trabalho, baixos salários, maus tratos de patrões e, sobretudo, o contínuo assédio sexual. Infelizmente, a história oficial silencia as mulheres e o que temos na maior parte das vezes é a construção masculina da identidade das mulheres trabalhadoras do que com sua própria percepção de sua condição social e individual. Afinal, o que sabemos sobre as trabalhadoras dos primórdios da industrialização brasileira?  O que sabemos sobre as mulheres que lavaram roupa para as famílias ricas do Brasil no início do século XX? O que sabemos sobre as negras e indígenas que se insurgiram contra a escravidão?

Essas são algumas questões que se refletem na divisão sexual do trabalho até hoje, assim como nas desigualdades salariais por sexo. A discriminação salarial tem um forte componente histórico no papel social designado a mulher. É frequente a associação entre a mulher no trabalho e sua moralidade social, a ameaça à sua honra, a ameaça que isso representa a instituição familiar. As trabalhadoras pobres sempre foram consideradas profundamente ignorantes, irresponsáveis e incapazes. Será que não vemos ecos dessas classificações atualmente? De movimentos que pedem para as mulheres abandonarem o trabalho em prol da educação das crianças até a discussão da PEC das domésticas?

Mulheres trabalhando em máquinas de costura nos anos 70. Foto de Kheel Center, Cornell University no Flickr em CC, alguns direitos reservados.
Mulheres trabalhando em máquinas de costura nos anos 70. Foto de Kheel Center, Cornell University no Flickr em CC, alguns direitos reservados.

Já falamos sobre a importância de pensar outras formas de conceituar e definir trabalho, além de ressignificar o trabalho doméstico e como isso tem grande impacto na vida das mulheres:

Mas há uma coisa que poderia melhorar e muito a vida da maioria de mulheres e mães como um todo: podemos lutar pela redução da jornada de trabalho. Que tal se todo mundo pudesse trabalhar no máximo cinco ou seis horas por dia, 30, 36 horas por semana? Algumas mulheres, aliás, já fazem isso — sobretudo nas profissões em que a regulamentação estabelece esse tipo de limite. Mas a ideia é: por que não reduzir para todos os trabalhadores, de todos as categorias possíveis? A maternidade e a luta pela redução de jornada para todos por Amanda Vieira.

Sabemos que, quando a mulher de classe média entrou para valer no mundo do trabalho, as responsabilidades com a casa e os filhos passaram de seus ombros para os de outras mulheres: empregadas e babás, avós, vizinhas, etc. Agora, no momento em que muitas famílias deverão adaptar sua rotina à nova e mais justa realidade da jornada de trabalho de 8 horas da empregada doméstica, ao contrário do que tem sido até agora (em que a empregada se adaptava aos horários dos patrões), é necessário que esse peso seja distribuído entre todos os membros da unidade familiar e idealmente com a comunidade. Trabalho doméstico: tempo de mudanças necessárias por Cecilia Santos.

Portanto, é preciso repensar sobre o trabalho, como ele está organizado, quem tem se beneficiado e como nossa sociedade está fundada sobre ele. E, a participação das mulheres é fundamental nesse processo. Destaco ainda, que atualmente, vemos com força o movimento de trabalhadoras rurais, que aliam as reflexões sobre a vida doméstica às demandas dos movimentos populares. Assim como outros movimentos de trabalhadoras, mães, educadoras, enfermeiras, médicas, assistentes sociais, entre outras, denunciam a ausência ou a precaridade dos serviços coletivos do Estado. Além de ampliar o debate da cidadania.

(1) Trabalho feminino e sexualidade, artigo de Margareth Rago publicado no livro História das Mulheres no Brasil, organização de Mary Del Priore.

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