Dulce Maia e a resistência sem trégua

Por Luiza Villaméa.

Ela pesava apenas 38 quilos quando foi fotografada pela polícia política na segunda-feira 15 de junho de 1970. Estava no Aeroporto do Galeão, no Rio, prestes a embarcar no avião que a levaria, junto com outros 39 presos políticos e quatro crianças, para fora do Brasil. Haviam sido trocados pelo embaixador da Alemanha, Ehrenfried Von Holleben, sequestrado pela guerrilha três dias antes.

Dulce momentos antes de ser banida do Brasil, em imagem feita pela repressão – Foto: Reprodução
Dulce momentos antes de ser banida do Brasil, em imagem feita pela repressão – Foto: Reprodução

Primeira mulher presa pela ditadura por atuar na luta armada, Dulce era mestre em fazer conexões. No final dos anos 1960, ao mesmo tempo em que trabalhava como produtora cultural e circulava entre artistas, ela alinhavava uma série de atividades clandestinas, a começar por fazer a ponte entre a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) de Carlos Lamarca, à qual pertencia, e a Ação Libertadora Nacional (ALN) de Carlos Marighella.

“Na VPR, eu dava assistência aos sargentos e marinheiros. Guardei (escondi) muita gente”, costumava lembrar Dulce, assim como se recordam dezenas de ativistas levados por ela de um lado para outro, até encontrar abrigo. Motorista de primeira linha, Dulce também participava de forma direta de ações armadas, em especial dirigindo carros de fuga.

No turbulento janeiro de 1969, ela resolveu passar uma noite na casa dos pais, no Brooklin. Em outras ocasiões, escondera carros expropriados pela guerrilha em uma das quatro garagens da casa. O que ela não imaginava é que um dos militares presos três dias antes em Itapecerica da Serra conhecia o endereço e o “abriria” na tortura.

Levada ao quartel da Polícia do Exército, Dulce passou pela primeira das muitas sessões de tortura que se repetiriam no decorrer de meses e a deixariam em frangalhos. Jamais esqueceu “o sargento de cara gorda, redonda” que seviciava, manipulava fios e máquinas, fazendo de tudo para ver cumprida uma ameaça atroz: “Você vai parir eletricidade!”

“Eles me odiavam por eu ser mulher e também por ser de outra classe social e me ligar a militares de baixa patente”, dizia Dulce. “Na verdade, me consideravam uma traidora de classe.”  Meses depois, ao ser levada para a Torre, uma construção arredondada do Presídio Tiradentes que abrigaria as presas políticas do período, Dulce continuou fazendo conexões.

Sozinha naquela parte do presídio, ela logo aprendeu a se comunicar por meio de sinais com os presos comuns, que ficavam em galerias abaixo da Torre. Dessa primeira – e curta – passagem pelo Tiradentes, foi levada de novo para a tortura na Polícia do Exército. Saiu com uma carta assinada por José Julio de Lima, o Laranjeira, “e outros”, da “pulítica da malandragem”.

Na mensagem de uma página, eles começam dizendo que ela, “como mulher, tem muita coragem, coisa que alguns homens neste País não têm”. Lamentam estar “por fora” das reuniões e organizações dela e camaradas, mas se colocam à disposição para “qualquer assalto ou roubo” que precisasse, pois já estavam “concretamente revoltado”.

De lá para cá, Dulce passou pela Argélia, por Cuba, Chile e Portugal. Voltou ao Brasil em 1979, com a Anistia. Sempre resistindo e conectando pessoas. Nos últimos anos, destacou-se pelo ativismo cultural e educacional em Cunha, no interior paulista. Aos 79 anos, reverberava posições e interagia com o resto do mundo por meio do Facebook.

Não por acaso, começou com um minuto de barulho em vez de um momento de silêncio, uma homenagem dedicada a ela no Museu da Resistência, em São Paulo, no sábado 10 de junho, quase um mês depois de sua morte.

Fonte: Brasileiros.

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