Duda Brack e Chico Chico: a arte como meio de vida e transformação política

Dois jovens talentos da música brasileira se unem para compor e cantar, com gana de colocar a poesia à serviço do pensamento libertário

Imagem: Reprodução

São Paulo — Duda Brack e Chico Chico se conheceram num show no Circo Voador, no Rio de Janeiro, apresentados por Carlos Posada, o compositor que “daria” a eles a canção Cadafalso, hoje apresentada no show que fazem juntos. Até se conhecerem e iniciarem a parceria nos palcos, cada um teve trajetórias distintas. Enquanto Chico Chico cresceu sendo o filho de Cássia Eller, com toda a carga musical que isso lhe impôs para a vida, Duda foi uma adolescente que cantava no chuveiro e se descobriu para a música após passar um mês em Xangai, na China, em visita ao pai, piloto de avião contratado por uma companhia chinesa.

“Foi um momento bem de adolescente, em que eu tentava me encaixar num padrão na escola, de classe média, todo o contexto de padrões de beleza e comportamento. Eu tentava me encaixar, mas ao mesmo tempo ficava desconfortável. Aquilo me fez enxergar o tamanho do mundo. Vi gente vivendo de tudo que é jeito. Lá, o chique é ter a pele branca, aqui a gente quer ficar morena tomando banho de sol… Entendi que o mundo é gigante, as pessoas são diferentes e posso ser o que quiser. Então acho que aflorou a coisa do cantar”, explica a gaúcha Duda Brack, no programa Hora do Rango.

O despertar pós-China a fez começar a cantar em festival do colégio, festa de casamento, em formaturas e bares. Integrou o grupo vocal Expresso 25, o qual considera sua grande formação musical. Aos 18 anos, se mudou para o Rio de Janeiro, cidade que abriu mais ainda sua cabeça, a partir do momento em que começou a conhecer artistas, músicos e compositores da sua geração. “(A arte) Foi uma tábua de salvação, uma forma de caber nesse mundo.”

Com influências da Tropicália, Ney Matogrosso, Secos & Molhados e Led Zeppelin, Duda Brack lançou, em 2015, o álbum É, com composições de Taís Feijão, Caio Prado, Paulo Novais, Carlos Posada, entre outros. No ano seguinte, estreou o espetáculo IARA IRA, em parceria com Juliana Linhares e Julia Vargas, e um repertório diverso, com canções folclóricas e outras contemporâneas, como Coquetel Molotov, de Ian Ramil, passando por Edu Lobo, Guinga, entre outros. “É um show bem bonito e forte, com a ancestralidade do canto feminino e a fúria do contemporâneo”, define Duda.

Em que pese Ian Ramil ser gaúcho como ela, e seu pai, Vitor Ramil, ser um compositor consagrado do qual Duda se declara fã, ela se aproximou de Ian apenas no Rio de Janeiro. Ao conhecer o álbum dele recém lançado, deu “match”, como diz, na gíria do momento. “Quando conheci o Derivacivilização, do Ian, fiquei chocada. É o irmão gêmeo do meu disco”, comenta, entre risos. “Essa pessoa está fazendo uma busca de sonoridade muito próxima da minha”, pensou. Tornaram-se amigos e parceiros. Coquetel Molotov entrou então no projeto IARA IRA, cujo primeiro álbum sai agora em setembro.

Nasce uma parceria

Enquanto Duda Brack gravava seu primeiro álbum e se descobria cada vez mais para a música, Chico Chico também seguia seu caminho no Rio de Janeiro. Em 2015, mesmo ano em que ela lançou o álbum É, ele apresentou o disco 2×0 Vargem Alta, em parceria com amigos. “Primeiro e único”, brinca Chico Chico, enquanto segue na espera dos próximos que virão.

A partir dali, começou a participar cada vez mais de shows e discos de artistas como Ana Cañas, Carlos Posada, Troá, Daíra Saboia, Pedro Luís e Orquídeas do Brasil (a banda que acompanhou Itamar Assumpção). Fez uma série de shows com Júlia Vargas e Rodrigo Garcia, e começou a rodar o país ao lado do parceiro João Mantuano. Em paralelo, formou a banda 13.7, cujo primeiro álbum já está gravado e deve ser lançado ainda esse ano. Uma das canções, Medojá pode ser conferida nas plataformas digitais. “Tenho medo de quase tudo, mas também posso fazer quase tudo, mesmo com medo”, afirma Chico Chico.

Depois de quatro anos do lançamento do álbum 2×0 Vargem Alta, ele explica que o momento é outro e pouco tem tocado nos shows as músicas do primeiro disco. A nova fase inclui a parceria com Duda Brack, período em que ambos começaram a compor juntos. Pedalada é a primeira canção fruto dessa união, e outras “cinco ou seis” já foram escritas. A dupla tem se apresentado junta e a intenção é transformar o show em álbum, em 2020. No palco, músicas de amigos, como João Mantuano e Carlos Posada, e de ídolos, como Alzira Espíndola, Itamar Assumpção e Vitor Ramil.

“É um show em processo, então a ideia é sempre experimentar coisas diferentes”, explica Duda Brack, que diz estar se descobrindo como compositora.

Arte e política

Chico Chico e Duda Brack se apresentaram em junho no Festival Lula Livre, em São Paulo. Para ela, o artista usa a arte, a poesia, a postura no palco para fazer provocações, mas pondera que nem todos se sentem à vontade para provocar. “Não acho que é obrigatório que todo artista se posicione, e também têm vários caminhos. Tem gente que busca um caminho mais ‘panfletário’, que acho importante e necessário, mas eu procuro mais o caminho da arte mesmo, da poesia, de gerar ‘curto-circuito’.”

Duda acredita que a arte é uma ferramenta de transformação política por si só, a serviço de fazer com que as pessoas “acessem sua subjetividade e o raciocínio próprio”. Avalia que as pessoas estão parando de pensar e reproduzem, cada vez mais, discursos pré-programados.

“Meu compromisso é fazer com que, através da minha música, as pessoas possam sentir um senso de liberdade, de ser o que elas quiserem, de abraçar o que elas quiserem, e não ficar preso em ‘caixas’ de padrões de pensamento e comportamento. Mas está muito claro o que eu penso, eu toquei no (Festival) Lula Livre, eu falo sobre a Preta (Ferreira), está muito claro o que penso a respeito de tudo o que está acontecendo”, diz Duda Brack.

A cantora gaúcha declara ser fã de Preta Ferreira, uma pessoa que define como alguém disposta a realmente deixar o mundo melhor. A admiração está à altura da indignação da prisão de Preta, encarcerada sob acusações frágeis relacionadas à luta dos movimentos de moradia em São Paulo. “Ocupar é direito. Embora alguns líderes de movimentos sociais estejam presos há dois meses sem nenhuma justificativa, como a Preta Ferreira. Sou muito fã dessa mulher, é uma das pessoas mais especiais que já conheci. É uma artista incrível e uma pessoa que está disposta realmente a modificar o mundo, deixar o mundo melhor, que se compromete. Na teoria todo mundo quer, mas quem arregaça a manga realmente pra fazer alguma diferença, são pouquíssimas pessoas.”

Com tudo isso, o momento político do país a preocupa, principalmente a onda de censura no embalo da eleição de Jair Bolsonaro (PSL). E lembra o episódio recente com o cantor BNegão, retirado do palco pela polícia após manifestação política. “Isso já tá acontecendo, a gente achou que ia demorar mais. O que me assusta é que não chegamos nem no final do primeiro ano (de mandato de Bolsonaro).”

Chico Chico, por sua vez, diz que o clima de censura o faz ter ainda mais vontade de cantar. Se diz surpreendido e estupefato com os rumos que o país tem tomado e pondera que, para a classe artística, fica mais difícil a vida com alguém que “defende sucatear a cultura e não vê, em ações artísticas, nenhum valor moral ou de construção do ser humano”. Mas afirma se preocupar mesmo com a população mais pobre que vive nas periferias e sente primeiro os desmando do governo Bolsonaro. “Ele não vai dificultar a nossa vida, pessoas de classe média…ou vai, mas no primeiro momento quem sente são as periferias, onde a galera morre mesmo.”

Na resistência e pela arte, os dois jovens talentos da música brasileira seguem tocando, cantando e compondo. A carreira ainda é recente, a estrada é longa e por vezes esburacada, mas para eles parece haver só um caminho: em frente.

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