Dois mundos cada vez mais divorciados

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Por Roberto Savio.*

Roma, Itália, março/2015 – O mundo está se dividindo claramente em dois, cada um caminhando por sua conta, em uma situação que poderia ser chamada de paradoxo de Acapulco.

A imagem de Acapulco, em sua versão oficial: um encantador enclave turístico do México, com passeios a cavalo pelas praias, um lugar privilegiado pela natureza e enriquecido por belos condomínios, luxuosos restaurantes, um lugar para a felicidade e o relaxamento.

Por outro lado, na versão dos moradores locais, é um lugar perdido entre grupos criminosos, com vários mortos diariamente, onde os habitantes vivem atemorizados e inseguros.

Do mesmo modo, atualmente há duas formas de ver a realidade. Uma é o enfoque macroeconômico, o das cifras globais. De acordo com este método, a Grécia está progredindo, assim como Espanha, Itália e Portugal.

Nesses países os dados macroeconômicos estão melhorando. A Espanha é citada como exemplo de um país que tomou a amarga pílula da austeridade, mas agora está crescendo ao lado da Alemanha.

Ao se falar com os jovens, que encaram um desemprego próximo de 40%, com os aposentados, ou com os que trabalham nos hospitais ou na educação, a imagem é totalmente diferente. Segundo a organização Cáritas, o número de espanhóis que vivem na miséria duplicou nos últimos sete anos.

Os Estados Unidos são o modelo alternativo, que, ao contrário da Europa, investe no crescimento e não na austeridade.

O crescimento dos Estados Unidos é de 2,4%, contra um anêmico 0,1% da Europa. Mas nem as positivas cifras macro norte-americanas coincidem com a realidade das pessoas.

Um exemplo é o aumento salarial, de US$ 8,9 para US$ 10 por hora, realizado pelo Walmart, um dos maiores empregadores dos Estados Unidos.

Parece uma notícia excelente. Porém, 60% dos empregados da rede de lojas de departamentos não trabalha as horas suficientes para ganhar a vida. Alguns trabalham dois dias por semana e ganham US$ 640 mensais, o que os mantém na pobreza.

Talvez seja apenas uma coincidência, mas a taxa de suicídios nos Estados Unidos, que era de 11 para cada cem mil pessoas em 2005, sete anos depois subiu para 13. Mais de 40 mil norte-americanos se mataram em 2012, mais do que os mortos em acidentes automobilísticos, segundo a Associação Americana de Suicidologia.

Mas, se analisarmos os dados globais, as coisas ficam mais claras. O lucro do setor financeiro agora é, em média, superior a 20%, o dobro do período que vai desde a Segunda Guerra Mundial até a década de 1970.

Entretanto, desde 1970, o aumento da produtividade caiu para menos da metade. Isso significa que a economia real cresceu apenas a metade do setor financeiro, que como consequência está freando o resto da economia.

Um estudo do Banco de Pagamentos Internacionais mostra que os profissionais destacados estão procurando entrar no setor financeiro, em detrimento de outros setores da economia.

As estatísticas da Europa permitem algumas reflexões. Os Estados Unidos têm 836 multimilionários, a China 213, e a Alemanha 103. Mas os multimilionários espanhóis estão em queda, são hoje 21, cinco a menos do que no ano passado.

Sua riqueza combinada é de US$ 116,3 bilhões, e os ganhos do último ano foram de “apenas” US$ 500 milhões, pouca coisa frente aos US$ 3,2 bilhões ganhos por Bill Gates, o homem mais rico do mundo.

Entretanto, US$ 500 milhões correspondem a 35.714 salários médios anuais, equivalentes à população da cidade de Teruel, no centro-leste espanhol. Enquanto isso, US$ 116,3 bilhões equivalem a 8.307.142 salários anuais, o que iguala a população conjunta das regiões da Andaluzia, a maior do país, e Baleares.

Se observarmos a situação desde a microeconomia, se comprova como as duas realidades são divergentes.

O problema é que esses dois mundos, que deveriam se relacionar por meio das instituições políticas, do parlamento e governo, se interligam apenas em casos especiais.

Um exemplo, também na Espanha, onde para viver é necessária uma autorização de residência, que se obtém mesmo do exterior. Basta comprar dois milhões de euros (US$ 2,12 milhões) de dívida pública, ou investir um milhão de euros, (US$ 1,06 milhão) em ações, ou comprar uma casa de pelo menos 500 mil euros (US$ 530,5 mil), para se converter em um residente no país.

Desde setembro de 2013, 530 estrangeiros adquiriram esse direito. Outros países europeus seguiram caminho semelhante, entre eles Chipre, Grã-Bretanha e Portugal.

Entretanto, dezenas de milhares de pessoas que enfrentam o Mediterrâneo para chegar à Europa, com risco de suas vidas, vivem uma experiência muito diferente para conseguir uma autorização de residência. Estima-se que a aventura desesperada de cruzar o mar causou mais de 20 mil mortes.

Na Grã-Bretanha se discute atualmente sobre uma lei de 1914, que exclui os “nascidos não domiciliados” do pagamento de impostos sobre suas rendas ou ativos no exterior. Geralmente, é suficiente para um residente nesse país declarar um domicílio no estrangeiro, ainda que se trate de um paraíso fiscal, como a ilha de Jersey ou a Suíça, para se converter em um “non-dom”.

Os “non-dom” aumentam rapidamente e estima-se que atualmente sejam 130 mil pessoas com esse status. Isso é parte de um esforço para reduzir os impostos das pessoas ricas, às quais se pretende atrair, mediante a criação de lacunas e novas regulamentações.

O presidente da França, François Hollande, aprendeu pagando alto preço, o que pode custar aumentar os impostos para os ricos. Teve que mudar rapidamente de rumo, como também fez seu colega norte-americano, Barack Obama. O único líder que ainda fala de impostos para os ricos é o papa Francisco.

Um bom exemplo do paradoxo de Acapulco provém de Londres. Depois da ira popular causada pelos salários desproporcionais dos banqueiros e sua responsabilidade durante a crise de recessão, com recriminações públicas por parte do governo, da Igreja da Inglaterra e do Banco da Inglaterra, o recente anúncio da melhora da economia britânica deu caminho livre para voltar ao antigo costume.

O banco Barclays está aumentando os salários em 40% e durante este ano espera-se um aumento salarial de 25% em todos os bancos londrinos.

Um analista financeiro recém-saído da universidade pode contar com um salário inicial de US$ 100 mil anuais.

Isso eleva as estatísticas da renda média, embora a renda anual de 10% dos britânicos mais pobres se mantenha em nível de sobrevivência. Provavelmente, eles terão uma visão da recuperação econômica muito diversa da que têm os banqueiros. Envolverde/IPS

* Roberto Savio é fundador da agência IPS e editor da newsletter Other News.

Foto: Divulgação

Fonte: Envolverde

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