Do que eu falo quando falo: por que ler M. Nourbese Philip

Por Francieli Borges, de Santa Maria-RS, para Desacato.info.

            Por gosto e por profissão me ocupo em pensar como as palavras chegam e com quais intenções. Graças ao caos que se instala na minha memória e afeto depois de alguns textos, ouço com cuidado os sussurros de certas frases que às vezes demoro muito tempo para acalmar. Especialmente há pouco fui tocada profundamente pela genialidade da autora M. NourbeSe Philip*, em um poema que arquiteta, como em um castelo de cartas, toda sorte de violências. Trata-se de Discourse on the Logic of Language**, que infelizmente não tenho conhecimento sobre uma tradução no Brasil. Esse texto explora muitos sentidos, além de toda a tipografia da página – é um desafio de leitura, portanto; e faz dialogar o que parecem excertos de livros de história sobre o tema da escravidão e uma voz que narra uma tentativa de aproximação com todo o universo simbólico de uma língua materna. Ali, entre todas as interpretações possíveis, a sugestão mais forte é acerca da dificuldade de comunicação, melhor ainda, sobre a incapacidade e frustração sentida ao elucidar certos aspectos para quem está inclinado a não entender.

Em uma aproximação como leitora, pensei em uma espiral na atualidade, isto é, as explicações em que nos emaranhamos, no mais das vezes, na tentativa de fazer uma performance didática e como isso sofre rasteiras todo o tempo a partir de inversões de aspectos muito simples do que se quer expressar. Abundam os termos para designar a agressão contida no ato de uma pessoa ser levada a duvidar, tremer, recuar da credibilidade de dizer de si e do que vê.

            Volto atenção especial para quem fica impunemente cercado de uma ingenuidade fingida, de uma irresponsabilidade diante da própria falta de atualização do modo de estar no mundo, de uma redoma do argumento especialmente antipático que é o deixa eu ver se te entendi. O desconforto brota a partir da sugestão sobre que foi dito não ser inteligível, não ser assertivo, não ser crível. Só depois de um espaço largo de tempo em que se mastiga lentamente a sensação de taquicardia antes de – nessa altura já é uma obrigação – precisar se posicionar é que se compreende a porta enorme que foi fechada, possivelmente trancada, ainda, com interrupções constantes quando o raciocínio está no meio, quando a demora para expressar da melhor forma se torna uma lacuna insuportável para quem não tem ouvido – a tal ponto que as frases duramente elaboradas, moles, vacilantes, são finalizadas pela voz de outro.

            Desse ponto a começar, com dificuldade, a voltar a dizer, mas sempre com suor, mas sempre com as mãos feito pedra, mas sempre com desculpa antecipada, fica um sofrimento: espera, não sei se entendi o que você quis dizer. Eu não entendo o que você quer dizer. Não precisa dizer. Isso significa coisa alguma. Mas quem foi silenciado é capaz de reconhecer, apontar, renomear cada uma dessas imagens a que foi encerrado. Ainda nesses casos, o que sempre fala, que sempre falou, é simplesmente aquele que não entende porque propositalmente obtuso. Parece desnecessário apontar qual ponto de vista terá mais valor.

 

*Marlene Nourbese Philip é uma escritora nascida em Trindade e Tobago que caminha por diversos gêneros, especialmente a poesia. Seus escritos abundam em conexões com muitos sentidos da palavra e têm imagens muitos fortes.

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