Discussão sobre mídia e as relações étnico-raciais é realizada durante Ciclo de Estudos

Por Julia Saggioratto, para Desacato. Info.

A mídia e as relações étnico-raciais no Brasil foram tema de um dos espaços do Ciclo de Estudos em Relações Públicas, realizado pelo Colegiado e Núcleo Docente Estruturante do curso de Relações Públicas, e pelo Departamento de Ciências da Comunicação (DECOM) da Universidade Federal de Santa Maria, campus Frederico Westphalen/RS. Durante a manhã e a tarde de terça-feira, 26 de abril, as atividades ocorreram no campus da universidade com participação de estudantes e professores dos cursos de Relações Públicas e Jornalismo.

Após espaço sobre as mudanças no regimento do TCC de RP, o professor Wesley Grijó discorreu com os estudantes sobre as relações étnico-raciais, tema, segundo ele, muito latente e presente na mídia. O professor falou sobre a invisibilidade de negros/as e indígenas da cultura sul-rio-grandense, a escassa pesquisa feita sobre indígenas e a rara presença de negros/as e indígenas na universidade. Wesley destacou a europeização do Brasil, país mestiço, que nega, inclusive na mídia, sua descendência, quando negros/as e indígenas não se veem representados/as.

A estética negra, afrodescendente, e a estética indígena, são colocadas em segundo plano, prevalecendo a cultura europeia. Grijó ressaltou que negros/as só acendem socialmente se possuírem características de brancos/as, o que se identifica com a tese do branqueamento do século XX, que defendia que a mestiçagem ou miscigenação brasileira tornaria os/as descendentes de negros/as mais brancos/as a cada geração, e que o padrão do homem branco europeu seria de maior beleza e competência. Características fenotípicas de negros/as eram ruins, ligadas à preguiça e à prostituição, por exemplo.

O professor relembrou o tráfico negreiro que trouxe à força para o Brasil cerca de 5 milhões de pessoas, que serviram ao trabalho escravo e sustentaram uma economia que alimentou o latifúndio e a monocultura, existentes até os dias de hoje. Ele ainda relembra, que após a abolição os/as ex-escravos/as não possuíam dinheiro nem terra para sobreviver. Acabaram continuando na escravidão, prática social que permeia várias regiões do Brasil ainda atualmente, ou por falta de alternativas, sucumbiam à prostituição, à mendicância, ou indo viver nas periferias.

Wesley trouxe dados do IBGE de 2013, em que 53% dos/as brasileiros/as são pretos/as ou pardos/as, contudo, essa porcentagem não se vê representada na política, por exemplo, e diminui ainda mais quando relacionamos a classe e gênero. Dados do IPEA mostram que, em 2009, dos 10% mais pobres da população brasileira, 72% eram negros/as, a média salarial de negros/as representava cerca de 55% da média salarial recebida por pessoas brancas.

A discussão sobre a apropriação cultural, em que pessoas de uma cultura dominante se apropriam de elementos da cultura dominada, como turbantes que tem simbolização religiosa em várias culturas, por exemplo, também foi levantada durante o espaço. O professor Wesley relata que apesar de ser um espaço que as culturas dominadas ocupam, está sendo apropriado pelo/a opressor/a, que seria o/a branco/a. “Eu sou contra e questiono a própria sociedade no sentido de que quando o negro e o indígena expressam a sua cultura ela não ganha tanta repercussão do que quando um branco pega essa cultura, ressignifica, e às vezes vira sucesso”, destaca. Segundo ele, mais do que questionarmos aquele que se apropria, precisamos questionar a nossa forma de pensar a recepção de produtos de determinadas culturas.

Wesley ainda ressaltou a importância da discussão sobre as relações étnico-raciais com estudantes da comunicação, visto que serão profissionais que utilizarão a representação e a produção de sentidos em fluxos comunicacionais, com seres humanos. “Ele tem que respeitar esses seres humanos, saber que o ser humano é complexo, que a sociedade é complexa, que ela tem contradições, ela tem desigualdades, tem que ter consciência das desigualdades”, frisa. Para o docente, se o/a profissional não tiver consciência de que existe preconceito racial, de gênero, de classe e de sexualidade, ele/a não terá sensibilidade em suas produções. “Produtos que sejam politicamente corretos, sejam interessantes e que não vão agredir a ninguém, isso é importante”, relata Wesley.

Na construção de novas direções sobre as relações étnico-racias na mídia e na sociedade, o professor Wesley acredita que é necessário o desenvolvimento de representações positivas para um maior reconhecimento da cultura indígena e negra, da valorização destas culturas. “São espaços difíceis de ocupar, então cada espaço que se ocupa, cada exemplo de representação positiva é uma vitória em toda sociedade, pois ela é desigual, então por isso as representações tem que ser sempre buscadas e serem pensadas”, destaca. Segundo ele, a universidade é um lugar importante para mostrar e exigir estas representações, para que os futuros profissionais tenham consciência e tentem, ao menos, pressionar o mercado. “Não é tão fácil você modificar o status quo, mas pelo menos que ele tenha consciência, pra que um dia consiga ter essas representações positivas de forma mais constante”, finaliza.

A acadêmica de jornalismo, Jéssica Souza, que participou do espaço, acredita na importância de as mulheres se auto-organizarem e que é preciso realizar recorte no feminismo em todos os espaços: “porque existe uma diferença de vivência e oportunidades que a sociedade repassa entre uma mulher branca, classe média e uma negra, pobre”. A acadêmica ainda relatou que, junto a suas colegas, vem construindo um documentário que destaque as contradições que observaram. Representações positivas que vêm se estruturando.

Ainda no Clico de Estudos, o publicitário e técnico áudiovisual da UFSM, Thomás Townsend, trouxe para os estudantes suas experiências com documentário e interculturalidade em vivências no Timor Leste e em Guiné-Bissau, encerrando a tarde.

Foto: Diane Arend

Legenda: Professor Wesley Grijó

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