Direito à comunicação e à informação veraz? Não no capitalismo

Por Elaine Tavares.

Uma coisa precisa ficar muito clara. No modo capitalista de produção não há espaço para o direito à comunicação das gentes. Desde que se consolidou, esse sistema busca, na comunicação massificada, apenas uma forma de manipular as informações e formar consciências mansas para a dominação e capazes de consumir as mercadorias desnecessárias que o sistema produz.  Lá nos albores do capitalismo o escritor francês Honoré de Balzac, no seu livro Ilusões Perdidas, descreveu muito bem o papel da imprensa, como um espaço de mentiras e de destruição, não apenas da informação em si, mas do próprio jornalista. Naqueles dias, era o jornal o veículo que cumpria a função de informar e, ainda que a alfabetização fosse coisa para poucos, as notícias se multiplicavam e tomavam as ruas. O que saía no jornal era tomado como verdade.

Quando o rádio nasceu no início do século 20, a potencialidade da comunicação aumentou. E, nos anos 30, quando esse veículo se massificou, até as universidades já começaram a atuar no sentido de produzir conhecimento sobre como influenciar pessoas através das ondas sonoras. A segunda grande guerra mostrou muito bem o poder do rádio e os nazistas foram mestres na manipulação das mentes. Os Estados Unidos, que emergiram como potência imperialista depois do conflito, foram os que mais investiram nisso e de lá surgiram os mais importantes pensadores da comunicação, com influência até hoje. Naqueles dias, a “teoria do projétil” definia que as informações entravam nas pessoas como se fossem uma bala, invadindo e se transformando na referência mais importante.

O experimento do radialista e cineasta Orson Welles, informando pelo rádio uma invasão alienígena, mostrou o poder do rádio. Acreditando ser verdade a narrativa de Welles, pessoas chegaram a se jogar dos edifícios, com medo de serem levadas pelos extraterrestres.  E era tudo uma encenação depois conhecida como “Guerra dos Mundos”. O rádio mostrava seu poder de convencimento e durante muito tempo esse veículo foi usado para influenciar pessoas, seja no campo do consumo ou da política.

Quando a televisão nasceu nos anos 50, o processo de manipulação ficava ainda mais forte. Não era mais apenas a voz que ocupava a cabeça das gentes, mas também a imagem. Como desconfiar do que se vê? A televisão, assim como o jornal e o rádio no seu tempo, passou a condensar a verdade.  E por ser ainda um veículo que não permitia a interação, seguia apostando na ideia do “projétil”, lançando informações pelo éter, visando invadir corações e mentes. Muitos foram os estudos sobre a televisão e seus efeitos nocivos sobre as gentes. Ludovico Silva, nos anos 80, na Venezuela, cunhava o termo de “mais-valia ideológica” para o poder de influência da televisão na vida dos telespectadores. De novo, mudava o meio da difusão da informação, mas não mudava a lógica: tal e qual o jornal e o rádio, a TV também estava a serviço do sistema vigente. Influenciar para a mansidão política e para o consumo.

Novas teorias da comunicação nasceram apontando para o fato de que as pessoas não são tábulas rasas e que a informação não é como um projétil, estourando a cabeça das gentes de maneira acrítica. Capazes de observar a realidade e com outras fontes de informação alternativas, as pessoas poderiam desenvolver um pensamento crítico e não se deixar manipular pelo que dizem os meios que estão a serviço da classe dominante. Por algum tempo, os jornais sindicais e outras propostas populares fizeram frente à dominação midiática, embora com peso pequeno. Mas, o poder de persuasão da televisão seguiu firme e ainda hoje é bastante grande. No Brasil, por exemplo, 97% dos lares possuem televisão e em algumas regiões esse é o único meio de comunicação que chega às gentes.

Agora, com o advento da internet e sua popularização estamos diante de uma nova forma de comunicação. A informação não tem mais apenas uma via. Ela pode ser interativa. É possível dialogar e reagir em tempo real.

No final dos anos 90, quando a www se consolidou a discussão que aparecia era sobre o potencial democrático da rede mundial de computadores. Todos os caminhos estavam abertos para uma integração mundial e para uma comunicação sem mediações. Liberdade suprema. Democracia informativa. Mas, como diria Garrincha, ao que parece, os otimistas da internet esqueceram de combinar com os russos. Não analisaram com eficácia a capacidade que o sistema capitalista tem de se apropriar dessas potencialidades e fazer com que se voltem contra as pessoas.

Assim, o que era para ser uma potencialidade real de democracia informacional tornou-se a mais totalitária ditadura. Com a criação das chamadas redes sociais, com destaque para o facebook, a interação comunicacional e a ligação global do mundo se fez fortíssima. Mas, ao contrário da democracia da informação, o que temos visto é um controle ainda maior sobre as pessoas.  Não bastasse isso, a empresa que controla a rede se apropria dos dados pessoais de seus usuários  – com consentimento – e os distribuiu às empresas, tornando a capacidade de influenciar e manipular ainda maior. Com todas as informações referentes aos gostos e desejos das pessoas livres e abertos na rede, os capitalistas produzem mercadorias “necessárias” e fazem girar ainda mais rápido a roda do capital.

Então, fazendo um retrospecto desde o tempo de Balzac até hoje, os meios de comunicação que existem estão sempre sendo usados para controlar e manipular. Ilusão e ingenuidade pensar que isso poderia ser diferente com a internet. Quem controla os satélites? Quem tem a posse dos servidores? Quem tem os cabos? Quem é responsável pela produção de conteúdo? Os que detêm o controle mandam. Eles definem tudo.

Até bem pouco tempo os adoradores da rede mundial de computadores afirmavam que a democracia informacional estava no fato de que, agora, qualquer pessoa poderia ser uma produtora de conteúdo. Isso é potencialmente verdade. Mas, o sistema capitalista de produção que controla materialmente a rede só permite que circule o conteúdo que lhe interessa. Basta acompanhar as mudanças que estão sendo feitas no famoso facebook. O processo de distribuição das informações produzidas pelas pessoas é manipulado por quem controla a rede de dados, sempre articulado com o poder do sistema vigente. Hoje, para uma informação chegar a toda sua rede, é necessário pagar por isso. A gratuidade da rede é uma falácia. Além disso, as grades empresas de comunicação são as que produzem a maioria dos conteúdos, e, se não, financiam experiências que funcionam como  parcerias integradas, têm outro nome, vem de outro lugar, mas são mais do mesmo. Basta verificar o aumento exponencial dos veículos disseminadores de notícias falsas. No geral são de grupos de interesses vinculados ao capital.

Também já se sabe que a maneira como o facebook foi construído leva ao vício. A pessoa fica vidrada na rotatividade da informação e vai buscando incessantemente mais uma, mais uma e mais uma, sem fixar o pensamento em nada. É quase como uma lavagem cerebral. A informação vai passando como uma dose a mais de droga, mas nunca é suficiente. Daí a maioria das gentes viver com a cara enterrada no celular. Importante salientar que a maioria das pessoas não tem acesso à banda larga, que é cara, ficando assim completamente prisioneira das redes sociais, sem poder sair de dentro dela. Então, consegue ver apenas aquilo que a rede quer que veja. A capacidade de interação real é mínima. Tanto que o facebook está limitando cada vez mais a postagem dos sítios que ficam fora da rede. Circula mais a informação produzida diretamente na postagem, e se a pessoa coloca um link para fora da rede, sua postagem chega a menos gente.

As análises e pesquisas sobre o processo de endireitização do mundo e o aumento dos preconceitos e dos ódios identitários dão conta de que há uma relação direta com os algoritmos definidos pela rede do facebook, ou do twitter ou outras similares.  A rede tem uma série de robôs atuando na disseminação de informações que interessam ao sistema. As experiências com inteligência  artificial estão acontecendo sem que a população saiba que é cobaia. O caso da falsa adolescente Tay, criada artificialmente pela Microsoft, veio a público e os meios logo trataram de informar que ela tinha sido desativada. Mas, quem pode acreditar no que diz um veículo do sistema? A garota robô insuflava ódio e ideias nazistas e em pouco tempo já tinha mais de 60 mil seguidores.  Isso não é ficção científica. São coisas que estão acontecendo agora mesmo. Outras Tays estão agindo.

Por isso causa-me espécie as declarações sobre democratização da rede. Isso não vai acontecer. Não enquanto o sistema capitalista for dominante no mundo. Foi assim com os jornais, o rádio e a televisão. Na sua expressão massiva sempre estiveram – e ainda estão – disseminando os interesses do sistema. A única maneira de mudar esse processo é a tomada dos meios pela maioria, pela classe trabalhadora. E a tomada dos meios significa a destruição do capitalismo como modo de produção e organização da vida. Enquanto a ciência e os meios materiais de suporte dos meios estiverem sob o controle da classe dominante que conforma apenas 1% da população, não haverá mudança. A comunicação seguirá sendo espaço de manipulação e orientação política.

Isso significa que não devemos resistir? Não, claro que não. A resistência é necessária e precisa ser praticada cotidianamente. Os meios materiais que temos são ínfimos e limitados, mas há que seguir lutando. Ocorre que só a resistência é insuficiente. Há que adentrar no universo desse mundo tecnológico, conhecer em profundidade e também atacar.  Se é a classe trabalhadora, em última instância, a que produz tudo o que há no capitalismo, é ela, de fato, que detém o poder. Há que tomar consciência disso e atacar. Atacar e atacar. Ou isso, ou seguiremos choramingando nas mesmas redes que nos oprimem e controlam. O que é patético!  Por isso, insisto. Mesmo – e por causa de – nesse mundo dominado pelos celulares e pelo éter internético, temos de retomar o trabalho de base, o cara-a-cara, o face-a-face, a interação humana.

A força da gente não está na rede virtual, que é viciante e paralisante. A força da gente está na vida mesma, na luta real para mudar o modo de organizar o mundo.

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Elaine Tavares é jornalista.

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