Dia das Mulheres com dívida pública

Por Ana Carolina Peplau Madeira, de São José para Desacato.info.

A dona de casa Maria da Silva* não sabe mais como pagar suas contas. Mercado cada vez mais caro, dificuldades para atendimento no posto de saúde, tarifa de ônibus mais alta, com três filhos para criar e nem sabe que já nasceu endividada. Como?

A dívida pública recolhe quase a metade de tudo que é arrecadado no Brasil. Os governos ainda precisam cortar gastos para dar conta de juros e amortizações, por isso vai falta vaga na escola do José, filho do meio da dona Maria, não terá médico no posto para atender a Joana, sua caçula e não terá ajuda de custo para faculdade do Juliano, o mais velho.  Dona Maria é a mesma mamãe que saia da maternidade com recém-nascido no colo, quando alguém pendurou a conta de R$ 30 mil no bebê.

Os pais se sentiram agredidos, lesados, questionaram o motivo do valor tão alto, quem são os credores, verificaram item por item, pediram desconto, parcelamento, perguntaram onde foi usado o dinheiro, reclamaram de preço, juros abusivos ao Procon. O marido não aguentou e saiu de casa. Ela ficou sozinha para resolver tudo.

Mas essa dívida é pública e a cena relatada é apenas uma ilustração do que acontece todos os dias, com tantas Marias, Anas, Lucianas, Danielas, Júlias, Biancas, e outras mulheres no Brasil. Com apenas uma diferença: as pessoas não reclamam da dívida pública. Mesmo as mulheres que não têm filhos sofrem com a dívida. Por este motivo foi iniciado o movimento Auditoria Cidadã da Dívida! Maria da Silva* é um nome fictício.

Hoje, Dia Internacional das Mulheres foi mais uma batalha da ACD em busca de assinaturas pela derrubada do veto presidencial e pela instalação de uma Frente Parlamentar Mista, no Congresso Nacional. A auditora aposentada da Receita Federal, fundadora e coordenadora nacional do movimento ACD, Maria Lúcia Fattorelli comenta que, “diversas parcelas além da arrecadação de tributos vão diretamente para o pagamento da dívida: lucros das estatais; parcelas das dívidas pagas por estados e municípios à União; recursos advindos das privatizações sob qualquer forma; receitas financeiras, além da emissão de novos títulos”.

Ana Amélia

Tentaram barrar a entrada de integrantes da ACD nacional no Congresso Nacional, mas todos conseguiram. Hoje também seria votada a derrubada do veto, mas a sessão foi cancelada. O Ato da Confederação das Mulheres do Brasil no Congresso Nacional encontrou os voluntários da ACD e ao conhecer os dados, manifestou apoio Auditoria Já e derrubada do veto no PPA.

Congregação das Mulheres do BR apoia Campanha Derruba Veto

Segundo o PLOA-2015, o valor total de despesas previsto para este ano é de R$ 2,863 trilhões, dos quais R$ 1,356 trilhão está reservado para o serviço da dívida. Percentualmente, configura uma projeção de despesa de 47,36% com o serviço da dívida. Maria Lúcia cita o exemplo da dívida de dez reais como forma de ludibriar a população, “fazer todo mundo acreditar que a dívida pública funciona como as dívidas pessoais, quando na realidade é um Sistema da Dívida! Se estivéssemos só rolando a dívida, como explicar o seu crescimento em mais de R$730 bilhões em apenas 11 meses de 2015? Se estivéssemos amortizando algo a dívida estaria caindo e não crescendo aceleradamente”.

A dívida cresce devido aos diversos mecanismos que a geram, sem qualquer contrapartida real, transferindo renda para os bancos, cujos lucros também crescem exponencialmente. A auditoria é a ferramenta para mostrar a verdade, fundamentada em documentos oficiais. A economista com mestrado em desenvolvimento econômico e doutorado em desenvolvimento sustentável Gisella Colares acrescenta que, “o endividamento não é apenas uma teoria e nem tampouco somente econômica”. Existem fatos das dimensões jurídica e contábil acrescidos ao sistema da dívida.

gisella

Conversa de economista é território das mulheres, também!

De acordo com o site da ACD, “questionamentos em geral são salutares e ajudam a aprofundar o debate. Porém, alguns deles tentam passar a ideia de que seria um equívoco reivindicar a transparência do processo de endividamento público e a auditoria prevista na Constituição Federal, dando a entender que a dívida pública seria algo sagrado, que não poderia jamais ser investigada”.

Continua o texto que não são apenas impostos que são usados para pagamento da dívida e sim o Orçamento Geral da União. “O Orçamento Geral da União compreende não somente os impostos, mas todos os tributos arrecadados pela União (impostos, taxas, contribuições), além das receitas patrimoniais advindas de privatizações, concessões, lucro das empresas estatais, etc.; de receitas financeiras referentes a juros recebidos, aos valores recebidos de Estados e Municípios, e recursos obtidos com a emissão de novos títulos, entre outras rendas, como detalhado na Lei Orçamentária de cada ano”, informa.

Cristóvâo Buarque

“Isto se expressa quando ele faz pensar que arrecadação é apenas um registro contábil. Se assim fosse quando da frustração da previsão de receitas não seria necessário contingenciamentos e cortes. Além disto confunde receitas orçamentárias com arrecadação tributária”, responde a economista e integrante da ACD Nacional Gisella Colares.

Ela informa que a explicação sobre amortização com aquele exemplo hipotético (dever R$ 10,00), no qual os juros são constantes e não existe anatocismo também expressa esta forma simplificada de representar o real. “Na presença do anatocismo (uma figura jurídica que caracteriza a capitalização de juros, isto é, a cobrança de juros sobre juros,e é ilegal, de acordo com o que estabelece a Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal), as amortizações tornam-se inócuas porque os juros exponenciais elevam a dívida numa velocidade superior às amortizações. Ele descontextualiza das práticas contábeis como a atualização mensal sem previsão legal que faz o estoque da dívida crescer para, mesmo ferindo o artigo 167 da constituição – a regra de ouro, possibilitar a emissão de nova dívida destinada a pagar os juros nominais disfarçados de atualização monetária”, esclarece Gisella.

Conforme o site da ACD, o grupo entende que, “uma dívida legal e legitimamente contraída deve de fato ser paga. No entanto, diversas investigações realizadas inclusive pela CPI da Dívida Pública na Câmara dos Deputados (2009/2010) têm demonstrado a existência de inúmeros indícios de ilegalidades, ilegitimidades e até fraudes no manejo da dívida pública, tanto federal como de entes federados.

grafico da divida 2014

A grande questão de fazer a auditoria da dívida é de fato para verificar as contas, assim como no exemplo ilustrado da dona Maria saindo da maternidade. Sem a auditoria, o governo omite o fato jurídico destas despesas públicas com juros e amortizações não serem transparentes, como preconiza a lei, quando não são divulgados os credores nominalmente com o argumento do sigilo bancário. Apesar dos traços do sistema da dívida, os processos de endividamentos e de auditoria dos países possuem especificidades históricas e espaciais.

O Equador fez a auditoria e não foi para moratória como especuladores afirmam, o texto da ACD acrescenta que “caso equatoriano comprova que depurar as irregularidades da dívida pública por meio da auditoria abre espaço para novos investimentos. Em 2007, o presidente Rafael Correa criou, por decreto presidencial, uma comissão de auditoria integral da dívida pública. O relatório apresentado em 2008 comprovou diversas ilegalidades e ilegitimidades que serviram de respaldo para o ato soberano do Presidente, que resultou em redução de 70% da dívida externa mobiliária. Os recursos aliviados por essa redução impressionante foram destinados para investimentos sociais, principalmente saúde e educação, e para outros investimentos públicos geradores de emprego. Adicionalmente, a avaliação financeira do País melhorou substancialmente, devido à redução da dívida, e o País continua tendo acesso a créditos junto ao mercado financeiro”.

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