Serra Leoa adota enfoque inovador para pôr fim à mutilação genital feminina

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Comunidades em toda Serra Leoa adotam um enfoque inovador para pôr fim a esta brutal prática.

©Amnesty International

Enquanto várias dezenas de mulheres se sentavam em círculo no distrito de Masungbala, no noroeste de Serra Leoa, para falar de suas histórias de horror e dor, os líderes homens da comunidade compartilhavam suas opiniões em outro grupo.

As mulheres, uma a uma, descreveram como tiveram seus genitais mutilados em rituais de iniciação e a dor quase insuportável que foram obrigadas a aguentar.

A maioria delas disse se arrepender de ter apoiado esta prática e sustentaram com firmeza que suas filhas não deviam sofrer a mesma coisa.

A alguns passos de distância, os chefes homens debatiam como a comunidade poderia resolver este problema.

E, então, o que se pensava impossível aconteceu. Depois de dias de discussões e negociações no contexto de uma série de seminários organizados pela Anistia Internacional e organizações locais, em agosto de 2011, a comunidade assinou um memorando de entendimento que proíbe a mutilação genital feminina para meninas com menos de 18 anos de idade. O memorando também prevê que cada mulher que ultrapasse essa idade tem que dar seu consentimento antes de realizar o procedimento

Cerca de 600 meninas se salvaram da mutilação no distrito de Masungbala no prazo de um mês após a assinatura do memorando de entendimento.

A experiência dos seminários foi tão positiva que os coletivos de ativistas locais dizem que centenas de comunidades em todo o país seguiram o exemplo e também proibiram essa nociva prática tradicional.

“Embora a Lei de Direitos da Infância de 2007 proteja os meninos e meninas de práticas tradicionais nocivas, não há nenhuma lei que proíba especificamente a mutilação genital feminina em Serra Leoa, mas estas comunidades estão dando um grande exemplo de que isso é possível”, afirmou Aminatou Sar, diretora do Projeto de Educação em Direitos Humanos na África da Anistia Internacional.

Romper o silêncio

“Serra Leoa poderia se converter em uma zona livre de mutilação genital feminina”, afirmou Arun Turay, coordenador da Advocacy Movement Network (AMNET) que, junto com a Anistia Internacional, organizou os seminários para sensibilizar as comunidades selecionadas e estimulá-las a tomar medidas para combater a mutilação genital feminina.

O projeto é parte do Programa de Educação em Direitos Humanos na África da Anistia Internacional , que atualmente é desenvolvido em sete comunidades do distrito de Kambia, em Serra Leoa. O Programa se centra em várias questões de direitos humanos que afetam as comunidades locais, entre elas a mutilação genital feminina.

“É muito difícil que as pessoas falem sobre estas questões, mas como as comunidades possuem uma sólida tradição de diálogo, reunimos todos os membros da comunidade para falar dos perigos da mutilação genital feminina”, explicou Arun.

“Ficou claro que as pessoas sabiam que queriam abordar o problema, mas não sabiam como fazê-lo. Agora, o processo mudou por completo as vidas de muitas mulheres e meninas.”

Arun mantém contato assíduo com as comunidades.

“Há poucos meses, os chefes me disseram que a mudança da prática já foi plenamente aceita e que a atenção se transferiu, agora, para a educação das meninas”, afirmou Arun.

O motivo de os acordos funcionarem, disse Arun, é que a maioria dos membros está comprometida com eles como consequência de um processo de diálogo que começou com os seminários.

140 milhões de mulheres e meninas

A Organização Mundial da Saúde calcula que até 140 milhões de mulheres e meninas foram submetidas à mutilação genital feminina em todo o mundo.

O procedimento pode ser realizado em diversas idades, desde pouco após o nascimento até quando uma mulher completou seu desenvolvimento.

As mulheres e meninas que tiveram mutilados seus genitais externos frequentemente sofriam dor severa, hemorragias, choque, dificuldades para urinar, infecções e, em algumas ocasiões, inclusive a morte.

Muitas sofrem também de dor crônica, dificuldades durante o parto – incluindo um risco maior de mortalidade materna -, diminuição do prazer sexual e transtorno de estresse pós-traumático.

Os líderes e membros das comunidades que apoiam e praticam a mutilação genital feminina dizem que ela é necessária para proteger a assim chamada “honra” das mulheres. Esta atitude reflete estereótipos muito amplos sobre a sexualidade feminina, assim como a crença de que esta sexualidade deve ser controlada. Além disso, em algumas sociedades persistem crenças que consideram impuras as mulheres não mutiladas e não permitem que elas manipulem alimentos e água.

A experiência de Serra Leoa levou Arun a ver o futuro com otimismo.

“O que ocorreu nas comunidades com as quais trabalhamos em Serra Leoa poderá ocorrer em outros países da África ou em todo o mundo. O diálogo na comunidade é uma poderosa ferramenta de educação em direitos humanos e pode levar à mudança”, afirmou Arun.

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