Hantei vs. Movimento Ponta do Coral: Por um sambinha só?

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Por Raul Fitipaldi, para Desacato.info

A empresa Hantei solicitou através do seu diretor executivo, Aliator Silveira, uma ação de indenização contra o arquiteto e militante social, Loureci Ribeiro. A petição foi representada pelo estúdio de advocacia, Soncini Advogados, de Florianópolis, perante o juiz de Direito da Vara Cível da comarca da Capital do Estado.

A solicitação de indenização se baseia na letra do samba que Loureci Ribeiro e outros militantes pela Ponta do Coral 100% pública (veja abaixo) criaram, considerada difamante pela empresa e que foi apresentada na atividade cultural chamada de Enterro dos Ossos, organizada pelo Movimento em Defesa da Ponta do Coral.

Loureci Ribeiro recebeu comunicação da Juíza Substituta, Cleni Serly Rauen Vieira, que lhe outorga um prazo de 15 dias para recorrer da Ação Ordinária movida pela Hantei sobre danos à imagem da empresa devido à letra do Samba PONTA DO CORAL – Amor à natureza.

Três veículos de comunicação virtual, dentre eles o Portal Desacato, foram arrolados como prova da difusão do samba-enredo de tipo carnavalesco, por parte dos advogados da Hantei.

Bem, até aqui o que acontece neste novo capítulo da luta do Movimento Pontal do Coral 100% pública e a empresa Hantei. Torna-se necessário refletir sobre este fato. Embora a ação solicitada pela Hantei esteja dentro do marco jurídico e o recurso que venha a apresentar Ribeiro também deverá estar, há necessidade de pensar em outros significados que por ventura desta ação possam aparecer no marco subjetivo de toda ação humana, seja empresarial ou militante.

Por mais ofensivo que se considere o tal samba, uma empresa do porte gigantesco da Hantei não deveria perder tempo com uma atitude tão própria dos movimentos sociais. Um samba com crítica corrosiva, humor popular, enfim, é tudo o que historicamente fez parte do nosso carnaval, ao menos, enquanto este não ficou pasteurizado pela intervenção monetária de empresas e estados da federação em busca de marketing comercial ou institucional.

Parece-nos um sambinha não muito relevante, na esteira da luta de duas visões de mundo, muito mais ampla, nada mais do que isso. Nada que fora do seu humor, de bom ou mau gosto, chegue de fato a lastimar uma empresa de tal porte nem seus executivos. Até porque esta empresa conta com os recursos econômicos necessários para produzir e publicar esclarecimentos públicos através dos veículos monopólicos de comunicação, como já o tem feito, com custos altos de produção virtual para apresentar seu projeto hoteleiro na Beira Mar Norte e que dá lugar à luta entre  Hantei e o Movimento. Já os militantes da causa não contam com esses recursos e dependem da sua criatividade, feliz ou não, e alguns veículos de contracorrente.

Visto de fora, parece-nos que isto forma parte de uma estratégia de recolocação da disputa à vista. Neste último ano a Hantei tem perdido espaço perante a sociedade com relação à construção do hotel no local da Ponta do Coral e, com o passar do tempo, o movimento foi criando um conceito mais amplo para sua luta que derivou no projeto do Parque Cultura das 3 pontas: Ponta do Coral, Ponta do Lessa e Ponta do Goulart, unindo conceitualmente, todo esse espaço numa ideia que visa proteger ambientalmente a região com estrutura de lazer para uso de toda a sociedade. Fora dos contextos jurídicos, das marchas e contramarchas dos Poderes Executivo e Legislativo Municipais, o que se observa é que o Movimento começou a ganhar consciências em setores sociais da classe média e da classe trabalhadora. O apoio tem se denotado em atividades cada vez mais frequentadas por estudantes, trabalhadores, ambientalistas e artistas. Enquanto isso, o projeto para usufruir privadamente da construção de um hotel segue parado e começa a desaparecer do imaginário da cidade.

Os tempos atuais dão conta da luta das comunidades pelos espaços naturais para proveito público. Dias atrás a comunidade de Côrrego Grande se mobilizou fortemente na defesa do seu espaço ambiental e público contra a construção irregular em Área de Preservação Permanente (APP), por parte da Construtora Álamo que, segundo a comunidade, recebeu uma autorização irregular da Fatma. Neste sábado, 22 de agosto, a comunidade do Santinho e região vai ocupar a praia com intervenções artísticas, piquenique e mutirão de limpeza para pedir a criação do Parque Natural Municipal Lagoa do Jacaré das Dunas do Santinho.

Ou seja, isso tudo parece uma continuidade da pugna entre duas visões de mundo. Aquela que já esteve no ringue social, jurídico e político da Capital do Estado, três décadas atrás na Campanha chamada dos “Contras” ao desenvolvimento de superestruturas de cimento que já descaracterizam vastas regiões da Ilha de Santa Catarina e criaram esta cidade caótica em que se transformou Florianópolis, com uma ocupação do solo irregular e desigual.

Houve já muitas batalhas na Ilha tendo como contendores, de um lado o empreendimento imobiliário, do outro, setores sociais e ambientalistas da ilha. Lembremos duas onde a comunidade triunfou frente ao lucro imobiliário: a Marina da Barra, da Porto Belo, e o Parque da Luz. Vitórias paradigmáticas que podem ser um precedente ruim para Hantei  e outras empresas que se propõem a instalar projetos de porte na região das 3 pontas.

Os fundamentos da ação contra Ribeirto podem ter sentido do ponto de vista da empresa e dos setores do poder econômico da cidade. Embora, é forçar a barra que um sambinha como o que serve de justificativa para a ação solicitada seja realmente de alguma importância ou consiga fazer dano aos citados sem sobrenome na letra. Já vimos todo tipo de outdoors mais ofensivos, com foto dos personagens que outros setores sociais criticam e se houve ações, muito rara é a vez que deram em algo concreto. As formas de expressão social, nem sempre elegantes, formam parte das formas que os setores sociais têm para exercer seu direito ao dissenso, à luta social e política por melhores condições de vida, já que não possuem o controle ou acesso gratuito à grande mídia. Assim expressam sua opinião e descontentamento.

Dada a pouca importância desse sambinha, se comparado com está em jogo na Ponta do Coral, parece-nos que tenta-se amedrontar, mais uma vez, um movimento social, atingindo um dos seus membros mais visíveis. O arquiteto Loureci Ribeiro, atualmente se dedica a projetos de produção de casas de interesse social para famílias de agricultores, com uma Associação de Habitação, HABITARQ, com recursos do PNHR, Programa Nacional de Habitação Rural, na região de Rancho Queimado e milita nas questões ambientais há décadas. É uma pessoa conhecida pela forma forte com que defende suas opiniões, mas, também por uma conduta ilibada na questão política e pública. As pessoas dos setores mais pobres e carentes da sociedade o conhecem e, é nesse âmbito, que o temos encontrado quando nossa equipe de jornalistas tem se ocupado de matérias ambientais conectadas com os movimentos sociais.

Fora do bom o mau gosto do samba em questão, a Hantei pretende atuar contra um arquiteto e urbanista de notório saber no âmbito da arquitetura urbanística. Mas, a nosso ver, a empresa tem muito claro que Loureci na atualidade é apenas mais um da batalha do Movimento Ponta do Coral 100% pública, que hoje conta com centenas de aderentes e uma organização considerável e em alta no imaginário social da Capital.

Aguardaremos os próximos passos, de uma e outra parte, para avaliarmos a marcha deste novo capítulo do enfrentamento destas duas visões de mundo, de sociedade e de concepção do que deveria ser público, e se pretende para o usufruto exclusivo e privado. Enquanto isso, seguimos refletindo sobre uma cidade desigual, desorganizada, privatizada, inchada e caótica, que parece precisar outros dirigentes políticos executores e legislativos, de melhor qualidade dos que possui atualmente, para reverter o caos urbano que a infelicita. Mas, esse é outro enredo e outra tem que ser a partitura.

 Sambinha

3 COMENTÁRIOS

  1. fiquei procurando a razão para que a hantei tenha se sentido ofendida. onde está a ofensa, se a empresa e seus aliados, é que nos ofendem com projetos que só a propina, a aversão à natureza e a ganância mais absurda e cruel seriam capazes de justificar.

  2. _ Onda de ataques a ecologistas, gerando perseguições e até em mortes é número record na América Latina. Temos que agir em defesa das Florestas, dos Parques, mas sobretudo, cuidar para que as mentes pensantes não sejam dizimadas dizimadas por completo, como arquivos a serem queimados…
    Márcio Papa – Jornalista
    MTB 25.540/SP

  3. O direito da livre expressão em defesa do que é público…sambinha simpático e que diz tudo.O que a empresa e seus parceiros fazem em detrimento da vontade popular e dos direitos difusos não é crime? dois pesos, duas medidas…aliás coisa comum por essas bandas da provincia.

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