Aumenta desvalorização e violência contra os povos indígenas no Brasil

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Por Marcela Belchior.

Fonte: CIMI.

Um contexto profundamente desfavorável aos direitos dos povos indígenas, com o Poder Público caminhando em sentido contrário às necessidades dessa grande parcela da população e parte da sociedade civil organizada disseminando iniciativas contra os índios, por meio de vários moldes de violência, ameaça e desrespeito às suas culturas. É este o cenário que, hoje, o Brasil apresenta, segundo o relatório “Violência contra os povos indígenas no Brasil – Dados de 2013”, lançado nesta quinta-feira, 17 de julho, pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília, capital do país.

A sistematização dos dados foi realizada a partir de relatos e denúncias dos povos, das lideranças e organizações indígenas; de informações de missionárias e missionários do CIMI, e de notícias veiculadas pelos meios convencionais de comunicação, sites de Internet e pelas agências de notícias das mais diversas cidades e regiões do país. Também foi possível obter informações junto aos órgãos públicos que prestam assistência aos povos indígenas e junto ao Ministério Público, além de informações que constam em relatórios e boletins policiais.

De acordo com o documento, o panorama político brasileiro indica que as investidas e ataques contra os direitos dessas populações têm um reflexo direto nas aldeias em todo o país. Ações como a paralisação das demarcações de terras, tentativa de retirada dos direitos garantidos através de Projetos de Emenda à Constituição Federal, portarias e decretos tanto do Poder Executivo quanto do Legislativo, proposta de modificar o procedimento administrativo de demarcação das terras e manifestações ruralistas realizadas em vários estados, dentre outros atos anti-indígenas, têm trazido, como consequência, o acirramento dos conflitos que envolvem a disputa de terras.

Segundo o CIMI, por meio do relatório, todo esse contexto está intimamente relacionado com a postura de uma “subserviência” do governo federal a interesses de grandes empresas do setor energético, da mineração e do agronegócio que, de maneira predatória, exploram os recursos existentes nas terras indígenas, especialmente na Amazônia, Centro-Oeste, Nordeste e Sul do Brasil. Paralelamente ao diálogo com o governo, a bancada ruralista no Congresso Nacional teria intensificado sua articulação de matérias legislativas que permitam esse avanço.

Reconhecimento e valorização

Em entrevista à Adital, a antropóloga Lúcia Helena Rangel, coordenadora da pesquisa, ressalta que os ruralistas são uma parcela significativa da sociedade civil organizada, que atua contra os indígenas no Brasil, estando a situação dos povos cada vez mais complicada. “A sociedade brasileira, o cidadão, que acredita nos direitos humanos, mais do que nunca tem que defender os direitos indígenas. Com isso, defende a cidadania”, faz o apelo.

Com o período eleitoral de 2014, que já iniciou campanha em todo o Brasil para a escolha de Presidente da República, governadores, deputados federais e senadores, Lúcia Helena ressalta que cabe ao movimento indígena levar sua pauta de reivindicação aos candidatos. “É sempre um momento oportuno para colocar as questões em debate”, comenta. Ela critica que os poderes hegemônicos não reconheçam o valor do povo indígena na sociedade brasileira. “A nossa configuração cultura é híbrida. A parcela indígena é muito forte, mas tentam esconder isso. Tem que respeitar e valorizar e não colocá-los na posição de abrir mão da sua condição indígena para ter um lugar ao sol”, afirma a antropóloga.

Em termos específicos de violência contra o patrimônio indígena, o CIMI aponta um contexto de omissão e morosidade na regularização de terras. Segundo o Conselho, a atual gestão do governo federal tem cedido às pressões do agronegócio, especialmente da bancada ruralista no Congresso Nacional, e pouco tem feito no tocante à regularização de terras indígenas.

Em todo o ano de 2013, apenas uma terra foi homologada, a Terra Indígena Kayabi, no Estado do Pará. No entanto, esta não pôde ter seu registro efetivado por conta de liminar proibitiva do Supremo Tribunal Federal (STF). A omissão nesse quesito se reflete em inúmeros acampamentos indígenas espalhados por várias regiões do país, sendo o Estado do Rio Grande do Sul aquele que concentra o maior número de casos de omissão e morosidade na regularização de terras, com o registro de 20 ocorrências.

Repercussão em comunidades

Nessas circunstâncias, o CIMI destaca o contexto da cidade de Humaitá, no Estado do Amazonas, onde vive o povo indígena Tenharim. Recentemente, incitada por madeireiros, a população do município se revoltou contra os índios, queimando um barco, vários veículos e os prédios da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), além de ameaçar e discriminar os indígenas, que ainda foram violados em seus direitos pelas próprias forças policiais em suas aldeias.

Em caso emblemático de violência, ocorrido no ano passado, os Tenharim foram condenados por setores da mídia sem que tivessem sequer sido ouvidos. E, apesar da falta de provas, cinco indígenas estão hoje presos em Porto Velho (capital do Estado de Rondônia), como resultado dos conflitos.

O indígena Ivanildo Tenharim, liderança da comunidade, conta que, desde que foi iniciada a construção da Rodovia Transamazônica, projetada durante o governo do presidente Emilio Garrastazu Médidi (1969-1974), a comunidade sofreu fortes perdas. “Isso fez aumentar a imigração, a povoação e a exploração dos recursos da região, principalmente de madeira, de forma ilegal, e a pecuária”, relata à Adital. De 10 mil membros, hoje, conta com apenas cerca de 900, chegando a contabilizar apenas 250 integrantes, em certo período.

Pelas mesmas causas, a população de comunidade étnica vizinha, do povo Jiahui, segundo Ivanildo, diminiu de 3 mil membros para menos de 30, durante esse período. “Houve massacre, escravidão, exploração”, afirma a liderança. Ainda assim, a população indígena da região permanece organizada, contando com diversas associações de bairros na defesa dos direitos indígenas junto às instituições públicas.

REGISTROS DE CASOS CONTRA POVOS INDÍGENAS

– Violência contra o patrimônio: 97 casos

– Conflitos relativos a direitos territoriais: 10 casos

– Invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio: 36 casos

– Assassinato: 46 casos (53 vítimas)

– Tentativa de assassinato: 29 casos (328 vítimas indígenas, estudantes e 4 comunidades)

– Homicídio culposo: 10 casos (13 vítimas)

– Ameaça de morte: 10 casos (14 vítimas indígenas e várias comunidades)

– Ameaças variadas: 10 casos (35 vítimas indígenas e várias comunidades)

– Lesões corporais dolosas: 7 registros (8 vítimas e 1 comunidade)

– Abuso de poder: 2 casos (6 vítimas e 1 comunidade)

– Racismo e discriminação étnico cultural: 23 ocorrências (3.618 vítimas indígenas, várias comunidades e povos do Brasil)

– Violência sexual: 11 casos (10 vítimas e 1 comunidade)

– Suicídio: 54 casos (56 vítimas)

– Desassistência na área de saúde: 44 casos (437 vítimas)

– Morte por desassistência à saúde: 6 casos (7 vítimas)

– Mortalidade infantil: 5 casos (6 vítimas)

– Disseminação de bebida alcoólica e outras drogas: 4 casos (3.215 vítimas)

– Desassistência na área de educação escolar indígena: 22 casos (467 vítimas)

– Desassistência geral: 39 casos (3.826 vítimas)

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