Despejo no Pará ameaça dez anos de produção de alimentos saudáveis

O acampamento comercializa 174 toneladas de farinha nos municípios de Xinguara, Redenção, Rio Maria, Curionópolis e outros. Foto: Comissão Pastoral da Terra (CPT)

Numa região com histórico de violência contra os movimentos populares de luta pela terra, ameaça de despejo coloca em risco as conquistas de 212 famílias Sem Terra que vivem no acampamento Dalcídio Jurandir, localizado na antiga fazenda Maria Bonita, em Eldorado dos Carajás.

De propriedade do banqueiro e latifundiário Daniel Dantas, acusado de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha, condenado a mais de 10 anos de prisão em 2008, a ocupação, que aconteceu no dia 25 de julho de 2008, é referência na produção de alimentos saudáveis.

Com o objetivo de denunciar essa investida, as famílias do acampamento lançaram o “Manifesto das Famílias ameaçadas de despejo do Acampamento Dalcídio Jurandir”, onde a luta pela terra é apontada enquanto um direito.

O documento destaca que as famílias produzem mais de 184 mil litros de leite por mês, onde parte da produção é destinada ao consumo das famílias e a outra para comercialização em Eldorado de Carajás e centros comerciais da região.

Além disso, 174 toneladas de farinha são comercializadas em Xinguara, Redenção, Rio Maria, Curionópolis e outros municípios. O acampamento ainda conta com 53 tanques de criação de peixes e uma diversidade de mais de 45 tipos de frutas, verduras, leguminosas, hortaliças e criações que são comercializados nas feiras e mercados das cidades.

Por isso, as famílias afirmam: “O que está em jogo não é apenas um pedaço de chão, são mais de 10 anos de vida, de sonhos de construção e vivência coletiva que podem desaparecer”.

Nesse sentido, destacam que “a terra deve ser destinada a quem nela trabalha, pois, essa terra para nós significa nossa própria existência”.

Confira o documento na íntegra:

Manifesto das famílias ameaçadas de despejo do Acampamento Dalcídio Jurandir

Somos, 212 famílias que vivem no Acampamento Dalcídio Jurandir em Eldorado do Carajás (PA) e estamos ameaçadas de despejo.

Ocupamos a fazenda Maria Bonita em 25 de julho de 2008, no Dia do Trabalhador Rural, para denunciar o grande escândalo de corrupção nacional que envolvia o banqueiro e latifundiário Daniel Dantas. A ação tinha como mote “Reforma Agrária na terra dos corruptos”. Entendemos que as terras fruto de processos de lavagem de dinheiro devem ser destinadas aos trabalhadores.

A Agropecuária Santa Bárbara que exige a reintegração de posse, pertencente ao grupo Opportunity, do empresário Daniel Dantas. Fundada em 2005, a Agropecuária Santa Bárbara tem cerca de 500 mil hectares de terras nas regiões Sul e Sudeste do Pará para criação de gado e cultivo de milho e soja, porém a aquisição dessas propriedades é de origem duvidosa, além dos históricos de violência no campo com inúmeras denúncias de agressões, pulverizações de venenos e tentativas de assassinatos aos trabalhadores.

Daniel Dantas foi acusado pela Polícia Federal de liderar uma organização criminosa. Ele foi acusado de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha. Durante a Operação Satiagraha (desencadeada no ano de 2008), o banqueiro foi condenado a mais de 10 anos de prisão, porém, uma reviravolta no caso pôs fim a pena.

Existimos e resistimos nesse território a mais de 10 anos e nele produzimos alimentos saudáveis, criamos pequenos animais e criamos gado leiteiro para consumo próprio e para abastecer o comércio da cidade de Eldorado dos Carajás e municípios vizinhos.

São mais de 184 mil litros de leite por mês produzido no nosso Acampamento, parte da produção é destinada ao consumo das famílias, mas uma parte importante (cerca de 175 mil litros) é comercializada no próprio município de Eldorado e outros centros comerciais da região.

Parte das 174 toneladas de farinha produzidas aqui são comercializadas em Eldorado, Xinguara, Redenção, Rio Maria, Curionópolis e outros municípios. O Acampamento ainda conta com 53 tanques de criação de peixes e uma diversidade de mais de 45 tipos de frutas, verduras, leguminosas, hortaliças e criações que são comercializados nas feiras e mercados das cidades próximas ao Dalcídio gerando renda e fortalecendo a economia local.

O despejo do Acampamento Dalcídio Jurandir expulsará 212 famílias do seu território, mas também empobrecera outras tantas famílias que vivem em torno do consumo e da venda dos alimentos produzidos neste Acampamento.

Durante esses anos construímos a escola Carlito Maia que tornou-se um dos espaços mais importantes do nosso acampamento, hoje a escola atende 175 alunos entre eles nossos filho e filhas e crianças das comunidades vizinhas. MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA – PARÁ Secretaria Estadual – Marabá – Pará Folha 27, quadra 05, lote 27 “Se calarmos, as pedras gritarão!”

Nossos filhos estão no meio do ano letivo e o despejo trará consequências perversas a vida escolar, a interrupção do ano letivo implica diretamente na formação de crianças e jovens que, assim como nós, sonham com um mundo mais digno.

Com muito esforço também construímos nossas casas, as casas de farinha, poços artesianos, contudo sabemos que a história da Agropecuária Santa Barbara é de destruição e devastação, nos últimos despejos eles têm feito questão de deixar tudo no chão, passam o trator por cima de tudo até nada mais restar.

O que está em jogo não é apenas um pedaço de chão, são mais de 10 anos de vida, de sonhos de construção e vivência coletiva que podem desaparecer.

Lutamos e resistimos nesse território porque consideramos justa a nossa luta por terra, trabalho e pão.

Consideramos que a terra deve ser destinada a quem nela trabalha, pois, essa terra para nós significa nossa própria existência.

Manifestamos ainda nosso desejo de que o juiz da vara Agrária de Marabá, respeite as leis e as resoluções, pois a justiça deve estar ao lado do povo.

Exigimos que o Estado cumpra com seu papel de proteger os trabalhadores para que tenha valor a vida humana, a cidadania e a vida camponesa.

Vivemos nesta terra de sonhos na construção da terra prometida, do mundo novo, de vida repartida.

Não vamos a deixar de ser promotores de educação, de saúde, de cultura, de trabalho verdadeiro para voltar a ser escravos dos desmandos de empresas e megaprojetos. A nossa dignidade não tem preço.

A liberdade ninguém nos deu, mas nós a conquistamos lutando mesmo com o nosso sangue e construindo vida no campo com nosso suor.

No próximo dia 11 de junho, uma audiência na Vara Agrária de Marabá decidirá nosso futuro, diante de tantas injustiças. Não podemos nos calar, nem aceitar qualquer violação dos nossos direitos!

Nós, Famílias do Acampamento Dalcídio Jurandir, Resistiremos!

Lutar: Construir Reforma Agrária Popular!

Acampamento Dalcídio Jurandir, Eldorado do Carajás
Junho de 2019

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