Despejo de comunidade Guarani Kaiowá pode ocorrer durante visita de relatora da ONU

Por Júlia Dolce.

Cerca de 80 famílias Guarani e Kaiowá da Terra Indígena (TI) Taquara, localizada no município de Juti, no Mato Grosso do Sul (MS), estão ameaçadas de despejo. A decisão de reintegração de posse – aceita pela Justiça Federal – pode acontecer justamente enquanto a relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos e as Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, realiza uma visita ao estado.

A TI Taquara possui 9.700 hectares já reconhecidos pela Fundação Nacional do Índio (Funai), e declarados pelo Ministério da Justiça em 2010, mas está sob contestação judicial. Na última determinação sobre o território, em 19 de fevereiro, o desembargador Hélio Nogueira, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, anulou a decisão anterior – favorável à comunidade indígena -, e aprovou a reintegração de posse da fazenda Brasília do Sul, na qual o território incide.

No Brasil desde a última segunda-feira (7), a relatora da ONU tem visitado comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul, Pará e Bahia com o objetivo de elaborar um relatório a respeito das violações sofridas por indígenas. Ela fica no país até o dia 17 de março, prazo limite para que a ação de reintegração seja cumprida.

Na última terça-feira (8), ela participou de uma audiência na Câmara dos Deputados organizada pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), na qual foi informada pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) sobre os casos recentes de violência contra o povo Guarani e Kaiowá, incluindo, pelo menos, 20 ataques com uso de violência e cinco com uso de agentes químicos.

Em entrevista para o site da ONU no Brasil, Tauli-Corpuz destacou que, embora a população indígena no Brasil seja relativamente pequena, os desafios que ela enfrenta são enormes. “Este é um momento oportuno e crucial não apenas para conversar com todos os atores e considerar os desafios atuais, mas também para identificar iniciativas positivas tomadas pelo governo, a sociedade civil e os líderes indígenas”, afirmou.

A relatora espera que a visita e o documento contribuam, a longo prazo, para revelar algumas das preocupações indígenas e ajude na resolução dessas questões. Especialistas na situação dos Guarani Kaiowá, entretanto, não estão muito otimistas com a situação dos indígenas, mesmo com a visita da relatora.

Para o antropólogo e pesquisador do Centro de Estudos Ameríndios da Universidade de São Paulo (USP), Spensy Pimentel, a situação de crise humanitária pela qual as comunidades guaranis kaiowás passam depende da mudança efetiva de demarcação das terras. “Essa não é a primeira visita de uma relatora, nos últimos sete anos nós tivemos diversas visitas de gente ligada à ONU, ONGs internacionais e organizações religiosas. Embora isso colabore para a visibilidade da causa, faz praticamente dez anos desde a última homologação de terras que segue válida”, declara Pimentel.

Segundo o antropólogo, não houve nenhuma demarcação de terras índigenas no governo Dilma. “Na prática, todo o avanço que os Guarani Kaiowás tiveram foi resultado do processo de luta deles próprios”, disse. Entretanto, o pesquisador considera importante a visita de Tauli-Corpuz durante o despejo da comunidade.

“É uma oportunidade para uma observadora internacional presenciar a gravidade da situação num momento como esse, no qual os acampamentos estão sob muita tensão. As pessoas ficam muito apreensivas. Há um aumento de suicídios e as famílias ficam na perspectiva de serem jogadas à beira da estrada. É um momento muito dramático”, lamenta.

Contexto

A Terra Índigena Taquara já foi parcialmente retomada pelos indígenas em 2003, ocasião em que o cacique Marcos Veron foi morto por jagunços. Em janeiro de 2016, os indígenas ampliaram a retomada da terra sobre a fazenda Brasília do Sul, e, apesar da primeira decisão ter garantido a permanência da ocupação indígena, a nova decisão do desembargador Hélio Nogueira, em segunda instância, inverteu novamente o contexto.

Diversas comunidades no Mato Grosso do Sul estão ameaçadas e se encontram na mesma situação que a TI Taquara: alvos de liminares de reintegração de posse, uma vez que as demarcações de terras executadas pela FUNAI estão praticamente paralisadas. “As comunidades indígenas têm realizado novas ocupações como forma de pressionar o Governo para que alguma medida seja tomada e também para amenizar situações em que grupos estão habitando lugares bastante inóspitos com dificuldade de acesso à água, saúde etc”, afirmou Pimentel.

O antropólogo disse ainda que os indígenas estão ocupando, inclusive, as sedes das fazendas também em protesto à degradação ambiental da área, o que acarreta em maiores tensões com os fazendeiros, que fazem justiça com as próprias mãos. “Então mesmo que você não tenha a reintegração de posse, não quer dizer que o lugar esteja em paz. É lamentável! São milhares de pessoas que continuam passando necessidade e dificuldades imensas e o Estado não demonstra resolução”, denunciou.

Ataques

Os acampamentos indígenas Tekoha Ita Poty, localizado na divisa dos municípios de Dourados e Itaporã (MS), e Tekoha Kurusu Ambá, localizada no município de Coronel Sapucaia, foram atacadas na última quinta-feira (10) e sábado (12), por pistoleiros das fazendas que incidem sobre as terras tradicionais.

O indígena Isael Reginaldo foi atingido por tiros durante o ataque em Ita Poty. Segundo a liderança Ka’aguy Rendy, em entrevista ao CIMI, diversos homens armados, em três carros, chegaram atirando na área ocupada pelas famílias indígenas.

O crime foi registrado por indígenas através de telefones celulares. Na gravação é possível ver um homem não identificado ameaçando-os e, aparentemente, escondendo uma arma nas costas. Isael foi levado por familiares ao Hospital da Vida, apresentando ao menos oito perfurações pelo corpo.

Já o ataque à aldeia Kurusu Ambá ocorreu momentos após a visita da relatora Victoria Tauli-Corpuz ao local, por pistoleiros a cavalo e em caminhonetes. Eles voltaram a atacar os indígenas na sexta-feira (11), mas ninguém ficou ferido. Os três acampamentos que compõem o Kurusu Ambá já haviam sofrido um ataque violento, no dia 31 de janeiro, no qual todas as moradias da comunidade foram incendiados.

Fonte: Brasil de Fato

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