Descolonizar as universidades para uma ecologia dos saberes

O evento integrou as atividades em comemoração aos 90 anos da UFMG.

O intelectual foi apresentado pela professora da Faculdade de Educação e ex-ministra das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, Nilma Lino Gomes, como um ativista cujas reflexões são uma provocação à produção de conhecimento nos moldes como é realizada hoje.

“O Brasil ainda tem muito de Norte em si. Existem linhas abissais que separam o conhecimento científico de outros saberes, que separam os sujeitos que os produzem. É importante se inquietar e lutar pela descolonização da universidade”, destacou Nilma Gomes.

A conferência tratou de questionar a hegemonia branca e ocidental em que o conhecimento científico está inserido, e chamou a atenção dos ouvintes para a necessidade de compreender as disputas de poder no processo de produção científica.

ECOLOGIA DOS SABERES

Motivado pelo desassossego com a ciência moderna, Boaventura defendeu que a universidade pública seja o espaço-tempo de uma ecologia de saberes.

Também destacou as enormes contribuições da América Latina para o desenvolvimento de projetos de extensão, de modo a reduzir as distâncias entre comunidades e universidades.

“A ecologia dos saberes é como se fosse uma extensão ao contrário: não é levar o conhecimento da universidade para fora, mas identificar, valorizar e agregar conhecimentos que já circulam fora dos limites acadêmicos“, destacou.

Outro eixo importante para a discussão foi a sociologia das ausências.

Santos denuncia a linha abissal que separa negros, mulheres, indígenas e demais grupos historicamente marginalizados dos ambientes de produção de conhecimento.

“É preciso denunciar quanto conhecimento produzido por esses grupos nunca chegou às universidades, e abrir espaços para que cheguem. As cotas e as ações afirmativas são importantes para mudarmos o modelo em que as universidades estão inseridas”.

Em suas críticas às instituições colonizadas, Santos questionou onde estão os filósofos e intelectuais africanos e asiáticos. Ele defendeu a necessidade de inclusão de pensadores não-ocidentais nos planos de estudo das universidades.

“Universidades são algumas das instituições mais antigas do mundo mas, ao contrário do que se pensa, elas não surgiram na Europa. Os primeiros centros de estudos são muçulmanos, estavam localizados em regiões do oriente médio, e essa história precisa ser reconhecida. Precisamos superar a história eurocêntrica”, declarou.

CRÍTICAS AO MODELO NEOLIBERAL DE ENSINO

O pesquisador também criticou o capitalismo universitário, a privatização das universidades e a adequação do ensino ao modelo neoliberal. O sistema é especialmente prejudicial às ciências sociais e humanas. Por não terem preço de mercado, tais áreas acabam sendo percebidas como “conhecimento menor”.

“A ideia de que a universidade tem que formar profissionais para o mercado é equivocada. O mercado é dinâmico, as universidades vivem em uma inércia burocrática, resistem a mudanças. Isso resulta em uma formação deficitária”.

Outro erro apontado na conferência foi a tendência de tratar as universidades como empresas e os cursos como mercadorias. Esse modelo teria levado à criação dos rankings universitários e ao modelo conhecido como publish or perish (“publique ou pereça”, em tradução livre).

Para Boaventura, o foco na produção em língua inglesa e o desenvolvimento de pesquisas para serem sistematicamente publicadas em periódicos europeus e americanos reforça o grave modelo de colonização em que as universidades latinoamericanas estão inseridas.

DESENVOLVER O CONHECIMENTO DO EIXO SUL

“Nossa tarefa é entender a sociedade inspirados pelos clássicos, mas sem esperar que eles expliquem as especificidades de nossa realidade”.

O pesquisador acredita que é importante que os pensadores latino-americanos realizem aautocrítica ao pensamento europeu. O objetivo deve ser buscar clarividência acerca de suas contribuições, e também desenvolver o conhecimento local.

Para ele, termos como desenvolvimento/subdesenvolvimento foram cunhados em uma dimensão hierárquica de melhor/pior. “Conceitos europeus obviamente estão mais próximos das sociedades europeias. Cientistas sociais devem ter consciência dessas limitações e superar as dicotomias herdadas dos clássicos”, conclui.

“A universidade precisa ter consciência de sua interculturalidade”, Boaventura Sousa Santos.

QUEM É BOAVENTURA SOUSA SANTOS?

Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Distinguished Legal Scholar da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin-Madison e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick.

Diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e coordenador científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa. Diretor do projeto Alice: definindo para a Europa um novo modo de partilhar as experiências o mundo.

Tem trabalhos publicados sobre globalização, sociologia do direito, epistemologia, democracia e direitos humanos. Os seus trabalhos encontram-se traduzidos em espanhol, inglês, italiano, francês, alemão, chinês e romeno.

Fonte: Minas Faz Ciência

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