Deputados evangélicos inspecionam mostra sobre ditadura, e não encontram o que censurar

Exposição Não Matarás (Foto: Museu Nacional/Divulgação.)

Por Edson Sardinha e Joelma Pereira.

Uma comitiva de deputados federais evangélicos fez uma “inspeção” no Museu Nacional Honestino Guimarães, em Brasília, para saber se havia conteúdo impróprio para crianças na exposição “Não matarás”, mostra coletiva que faz uma releitura da ditadura militar. Mas eles não encontraram nada para censurar.

O grupo, capitaneado pelo coordenador da Frente Parlamentar Evangélica, Takayama (PSC-PR), e pelo Pastor Marco Feliciano (PSC-SP), decidiu visitar o museu depois de receber pelo WhatsApp “denúncia” de uma mãe que alegou ter ficado incomodada ao levar o filho menor de idade ao espaço cultural e se deparar com imagens de corpos nus. Depois de ver as obras e ouvir as explicações de um funcionário, os parlamentares concluíram que não havia qualquer motivo para contestar a exposição.

A inspeção dos parlamentares, feita nessa quarta-feira (13), ocorreu três dias após o banco Santander cancelar a exposição “Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”, que abordava a diversidade sexual, para atender pedido do Movimento Brasil Livre (MBL), entre outros grupos. Eles acusaram os organizadores da mostra de incentivar a pedofilia, a zoofilia e a blasfêmia. O recuo, porém, gerou uma grande onda de indignação e protestos nas redes sociais contra o Santander e o MBL, acusados de censurar manifestações artísticas e culturais.

A visita dos deputados ao Museu Nacional, em Brasília, foi organizada por Takayama. Além dele e de Feliciano, também participaram os deputados Arolde de Oliveira (PSC-RJ), Lincoln Portela (PRB-MG), Marcos Soares (DEM-RJ) e Luciano Braga (PRB-BA).

Embora não tenham encontrado conteúdo impróprio, os parlamentares informaram ao Congresso em Foco, por meio de sua assessoria, que vão discutir a necessidade de apresentar um projeto lei fixando classificação etária indicativa para espaços que abriguem exposições artísticas.

Não censurarás

Para o diretor do Museu Nacional, o artista plástico Wagner Barja, o simples fato de uma comissão sair da Câmara para “inspecionar” um espaço cultural é preocupante. “No meu entender, um museu existe para as pessoas entrarem e saírem diferentes, pensando em alguma coisa, assim como num templo religioso, que tem o mesmo propósito. Os propósitos são distintos, mas temos em comum o objetivo de melhorar as pessoas. Museu tem linguagem subjetiva. A exposição tem caráter político, mas não acusamos ninguém, mostramos uma interpretação livre dos artistas de um tempo do país. Não trabalhamos com censura”, afirmou o artista plástico ao Congresso em Foco.

Barja diz que os deputados não seriam atendidos se pedissem o cancelamento da exposição ou tentassem censurá-la. “Nem por mim nem pela secretaria de Cultura do Distrito Federal, que é quem me respalda para fazer esse trabalho. É diferente de uma outra instituição financeira que tem dinheiro envolvido. Não é por descontentamento de um ou outro que se fecha uma exposição.  O museu é um serviço público. A gente vive em uma democracia, pelo menos que eu saiba”, ressaltou.

O diretor do museu diz não acreditar que os parlamentares tivessem a intenção de censurar a exposição. “Eles também têm direito de ir ao museu e fazer avaliação crítica ou não de uma obra ou exposição. Agora, fechar ou censurar uma exposição não compete aos deputados.”

Referência metafórica

Segundo Barja, a exposição “Não matarás” estimula a reflexão sobre a ditadura militar e não faz menção a qualquer presidente ou outro personagem especificamente. “Há uma referência de forma metafórica a um período em que a censura predominou”, explicou.

A exposição reúne um conjunto das obras pintadas e doadas ao museu pelo publicitário José Zaragoza, espanhol radicado no Brasil que faleceu em 2013. Também foram incluídas peças de outros 45 artistas com releitura sobre a ditadura militar. “Uma frase que nos inspirou é do grande crítico de arte e pensador Mário Pedrosa: em tempos de crise, o bom é ficar do lado dos artistas”, disse Barja.

Queermuseu

A polêmica em torno da censura a exposições artísticas ganhou força no início da semana. Ao anunciar o cancelamento da “Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”, o Santander Cultural pediu desculpas àqueles que se sentiram ofendidos por alguma obra da mostra.

“Ouvimos as manifestações e entendemos que algumas das obras da exposição Queermuseu desrespeitam símbolos, crenças e pessoas, o que não está em linha com a nossa visão de mundo. Quando a arte não é capaz de gerar inclusão e reflexão positiva, perde seu propósito maior, que é elevar a condição humana”, destacou trecho da nota. A exposição só seria encerrada em 8 de outubro. O banco anunciou que vai devolver os R$ 800 mil captados por meio da Lei Roaunet, de incentivo à cultura.

“Rumo ao passado. E que vergonhosa a nota do Santander, querendo justificar, valendo-se de hipócrita retórica corporativa, o ato de censura que cometeu. Viva a diversidade!”, protestou no Facebook o crítico de arte Moacir Dos Anjos, ex-curador da Bienal de São Paulo. Na quarta-feira, duas pessoas foram detidas em frente ao Santander Cultural, na capital gaúcha, após confronto entre grupos defensores e contrários à exposição.

Fonte: Congresso em Foco.

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