‘Deputado, o senhor já foi estuprado?’: Mulheres tomam conta da comissão da PEC contra o aborto

Ativistas mulheres ocupaam comissão da PEC que pode proibir aborto até no caso de estupro (Foto: AOL)

Por Marcella Fernandes.

Proposta que estabelece que a vida começa na concepção pode tornar ilegal situações em que o aborto é permitido, como em caso de estupro.

“Deputado, o senhor já foi estuprado? Já engravidou?”

Essas foram algumas das perguntas que mulheres ativistas fizeram a parlamentares na comissão da Câmara dos Deputados sobre a proposta que pode proibir o aborto até nos casos de estupro na tarde desta terça-feira (21), conhecida como PEC Cavalo de Tróia.

O colegiado analisa hoje destaques do relatório do deputado Tadeu Mudalen (DEM-SP) sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 181/2015, que estabelece que a vida começa desde a concepção. O texto foi aprovado em 8 de novembro, com 18 votos a favor, todos de homens, e um, da deputada Erika Kokay (PT-DF) contra, em uma sessão esvaziada.

Nesta terça, o cenário mudou. Grupos de mulheres contra e a favor do aborto ocuparam a sala da comissão com cartazes e gritaram palavras de ordem como “direito ao nosso corpo, legalizar o aborto”. O colegiado é formado majoritariamente por homens integrantes das bancadas evangélica e católica.

Antes da reunião, o presidente da comissão, deputado Evandro Gussi (PV-SP) chegou a propor às deputadas Érika Kokay e Jô Moraes (PCdoB-MG) um acordo, mas não houve consenso. A proposta seria anular a votação do relatório e votar um novo texto, que garantisse a legalidade do aborto nos casos de estupro e risco de vida da mãe, previstos no Código Penal.

Kokay argumentou que apenas com essa alteração não seria possível evitar consequências nos casos de aborto já legalizados. Deputados contrários ao texto de Mudalen defendem que ele retire o trecho sobre “vida desde a concepção”.

“Não houve intenção de abranger o Código Penal, mas a favor do consenso, não seria um problema tornar ainda mais explícito”, afirmou Gussi. Ele admitiu, contudo, que o objetivo é impedir a descriminalização do aborto. Gussi conversou com as deputadas no meio da sala da comissão, ao lado do relator e do deputado Flavinho (PSB-SP).

Ao redor, mulheres criticaram a falta de transparência dos deputado na discussão. “As mulheres são sempre silenciadas”, afirmou Erika Kokay. Uma das ativistas perguntou se os deputados já foram estuprados ou engravidaram. Nos cartazes, estavam escritas frases como “Forçar as mulheres a manter gravidez fruto de estupro é tortura” e “Estupro é crime. Abor é direito”.

Ativistas ocupam comissão da Câmara dos Deputados da PEC 181/2015 (Foto: AOL)

Um grupo minoritário chamou as deputadas de “abortistas” e pediu que os parlamentares aprovassem a PEC e deixassem o texto seguir para o plenário. Lá, são necessários 308 votos, em dois turnos, para o texto seguir para o Senado. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) afirmou, contudo, que “proibir aborto no caso de estupro não vai passar”.

Nesta terça, o colegiado, formado predominantemente por deputados das bancadas evangélica e católica, rejeitou todas alterações sugeridas ao parecer de Mudalen, aprovado em 8 de novembro, com 18 votos a favor, todos de homens, e um, da deputada Erika Kokay (PT-DF) contra.

PEC Cavalo de Tróia

A PEC tratava originalmente da ampliação da licença-maternidade no caso de prematuros, mas propôs também a alteração de dois artigos da Constituição para definir que a vida começa na concepção. Por isso o apelido “Cavalo de Tróia”.

Caso a PEC seja aprovada pelo Congresso e promulgada, ela não altera automaticamente as previsões legais do aborto, mas abre caminho para que isso aconteça. Isso porque poderia ser interpretada uma contradição entre a Constituição alterada e o Código Penal, que permite o aborto no caso de estupro e de risco de vida da mãe. Dessa forma, o assunto poderia ser questionado no STF (Supremo Tribunal Federal).

Todas contra os 18

O retrocesso em relação aos direitos reprodutivos provocou a mobilização de milhares de mulheres no Brasil. Nesta terça, foram marcadas manifestações em São Paulo e em Brasília.

Em 13 de novembro, diversas cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte, Recife e Porto Alegre marcharam contra a PEC, com o slogan #TodasContra18, em referência aos 18 deputados que aprovaram o texto.

Uma petição na Avaaz, com mais de 160 mil apoios, também pede que os deputados não criminalizem as vítimas de estupro.

A Associação Brasileira da Pais, Familiares, Amigos e Cuidadores de Bebês Prematuro (Prematuridade.com), também pediu aos deputados que mantivesse o conteúdo original da PEC. “O objetivo da ampliação é poder proporcionar à mãe e ao bebê prematuro o direito da convivência diária que eles não tiveram no período em que o bebê estava internado”, diz nota da entidade.

Em nota, as agências da ONU (Organização das Nações Unidas) afirmaram que a proposta de negação de serviços de abortamento já previstos pode colocar em risco a saúde física e mental de mulheres e meninas cujo sofrimento pode “constituir tortura e/ou tratamento cruel, desumano ou degradante” e lembrou que o aborto em condições de insegurança é uma das principais causas de morte materna no Brasil e no mundo.

A PEC 181/15 em sua redação atual coloca as mulheres e meninas em uma situação que comprometeria o exercício de seus direitos humanos e que limitaria a capacidade do Estado, como garantidor desses direitos, no cumprimento de suas obrigações em matéria de direitos reprodutivos.

A declaração foi divulgada em comunicado assinado por Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), ONU Mulheres, Escritório da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde no Brasil (OPAS/OMS) e o Escritório Regional para a América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH).

Pesquisa Nacional do Aborto (PNA) publicada em dezembro de 2016 mostrou que naquele ano, quase 1 em cada 5 mulheres, aos 40 anos já realizou, pelo menos, um aborto. Em 2015, foram, aproximadamente, 416 mil mulheres.

Descriminalização do aborto

Além dos casos previstos no Código Penal, a interrupção da gravidez no Brasil é permitida também para fetos anencéfalos, conforme decisão do Supremo de 2012.

Em março, o PSol, com assessoria da Anis, Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, protocolou uma ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) no STF, em que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. O pedido ainda não foi julgado.

A PEC Cavalo de Tróia foi uma reação a decisão do Supremo em novembro de 2016, que definiu que o aborto não deveria ser considerado crime no primeiro trimestre da gravidez, em um caso no Rio de Janeiro. A comissão foi instalada em seguida.

Fonte: Huff Post Brasil.

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