Dallagnol burlou regras e usou partido político para mover ação contra Gilmar Mendes no STF

Em articulação envolvendo o senador Randolfe Rodrigues (Rede), procuradores da Lava Jato tentaram impedir que Gilmar soltasse presos

Foto: Vladimir Platonow/ Agência Brasil

Jornal GGN – A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba articulou junto ao senador Randolfe Rodrigues para que a Rede Sustentabilidade fosse usada como plataforma para propor uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) no Supremo contra o ministro Gilmar Mendes.

A manobra extrapola as atribuições de procuradores da República, portanto é considerada ilícita. As informações são de reportagem do UOL, realizada em parceria com o site The Intercept Brasil, a partir de mensagens privadas de integrantes da força-tarefa, trocadas pelo aplicativa Telegram, enviadas por fonte anônima.

O objetivo da ADPF contra Gilmar Mendes era impedir que o ministro soltasse presos em processos que ele não fosse o juiz da causa. A reportagem mostra trechos de mensagens trocadas entre os procuradores da Lava Jato, a partir do dia 9 de outubro de 2018, dois dias antes de a Rede ter protocolado, de fato, a ADPF contra Gilmar.

Por que os próprios procuradores não protocolaram a ADPF?

A legislação determina que os procuradores da República, primeiro estágio da carreira no Ministério Público Federal, só podem atuar em causas na primeira instância da Justiça Federal. Assim, os procuradores da Lava Jato poderiam atuar em processos da 13ª Vara Criminal Federal, por exemplo, comandada pelo então juiz Sergio Moro até novembro de 2018.

Ao usar um partido político com o objetivo de entrar com uma ação no STF, os procuradores usurparam a competência da chefe do MPF, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a única no âmbito do MPF com atribuição para atuar junto ao Supremo.

A reportagem do UOL lembra ainda que, além da PGR, apenas partidos políticos, presidente da República, as mesas diretoras da Câmara e do Senado, as assembleias legislativas, os governadores, a OAB e as confederações sindicais e de classe, têm a prerrogativa para propor ADPFs no Supremo.

O incômodo que Gilmar causou

No dia 14 de setembro, Gilmar Mendes decidiu soltar o então governador do Paraná, Beto Richa (PSDB-PR) e outros 13 investigados pelo Ministério Público do Paraná na Operação Rádio Patrulha, três dias após deflagrada. Segundo o UOL, desde então, os procuradores de Lava Jato trocavam mensagens se queixando da decisão do ministro do Supremo.

No dia 9 de outubro de 2018, a intenção de usar a Rede para entrar com uma ADPF contra o ministro foi abordada por Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato entre os procuradores de Curitiba.

9 de outubro de 2018 – grupo “Filhos do Januário 3”

Deltan Dallagnol – 14:13:55 – Resumo da reunião de hoje: Gilmar provavelmente vai expandir decisões da integração pra Piloto. Melhor solução alcançada: ADPF da Rede para preservar juiz natural

(…)

Deltan Dallagnol – 16:47:27 – Randolfe: super topou. Ia passar pra Daniel, assessor jurídico já ir minutando. Falará hoje com 2 porta-vozes da Rede para encaminhamento, que não depende só dele.

Um dia depois dessa  conversa, o procurador Diogo Castor disse que mandou uma “sugestão” de como deveria ser a minuta da ação para um assessor de Randolfe:

10 de outubro de 2018 – grupo “Filhos do Januário 3”

Diogo Castor – 17:42:00 – mandei a sugestão da adpf pro assessor do randolfe

Diogo Castor – 17:49:20 – bastidores: assessor de randolfe alves informou que a boca grande de bsb [Brasília] diz que gilmar vai soltar marconi perilo [PSDB-GO] pelo mesmo caminho
*Os erros de grafias das mensagens foram mantidos.

Finalmente, no dia 11 de outubro, Dallagnol compartilhou com os colegas, horas antes do assunto virar notícia pela imprensa, que a ADPF tinha sido protocolada pela Rede no Supremo.

“Hoje protocolada a ADPF da rede contra GM”, inscreveu no grupo Filhos do Januário 3.

Na ação, a Rede pedia que as decisões de Gilmar que resultaram na soltura de Beto Richa e outros 13 detidos, fossem cassadas, uma vez que o ministro não atuava como juiz natural, mesmo argumento utilizado pelos procuradores da Lava Jato na troca de mensagens.

O partido argumentou desse modo o pedido: “para impedir que o referido Ministro Gilmar Mendes continue a conceder liminares para beneficiar presos de modo absolutamente revel à liturgia do processo penal, convertendo-se numa espécie de ‘Supervisor-Geral’ das prisões cautelares levadas a termo em operação de combate à corrupção no Brasil’.

Ainda no dia 11 de outubro, os procuradores conversaram sobre quem seria o ministro que receberia a ADPF contra Gilmar no Supremo. Ao saberem se tratar de Carmen Lúcia, o procurador Athayde Ribeiro Costa escreveu: “Frouxa”.

Digo Castor avaliou que talvez Carmen agiria no sentido de aceitar a ADPF para “crescer”. Mas Athayde arrematou que a ministra era “amiguinha”, sendo completado por Dallagnol: “Ela é amiga da esposa do GM [Gilmar Mendes]”.

Em novembro, Cármen Lúcia negou seguimento à ação da Rede e arquivou a ADPF.

O que dizem em suas defesas Rede, Randolfe e procuradores 

Em resposta aos pedidos de posicionamento da reportagem UOL sobre as mensagens, a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba disse que “não reconhece as mensagens que têm sido atribuídas a seus integrantes nas últimas semanas”.

“O material é oriundo de crime cibernético e tem sido usado, editado ou fora de contexto, para embasar acusações e distorções que não correspondem à realidade”, voltou a falar.

Por outro lado, o grupo escreveu: “Tratando de tema em abstrato, é plenamente lícito o contato com entidades da sociedade civil, públicas e privadas, inclusive o fornecimento de informações públicas e análises, para defender o interesse social nos temas de atuação do Ministério Público”.

Já a Rede e o senador Randolfe Rodrigues negaram, em nota conjunta, que tenham sido usados para propor no STF uma ADPF elaborada pelos procuradores da Lava Jato.

Segundo o partido, “a decisão final sobre o ajuizamento ou não de ações de controle de constitucionalidade ou quanto à propositura de medidas legislativas sempre passa por rigoroso crivo político interno, de modo que esta grei ou seus parlamentares jamais se converteram ou se converterão em meros porta-vozes de quem quer que seja”. Randolfe e a Rede escreveram ainda possuírem uma “postura intransigente” em relação à corrupção.

Veja também: O Caso do Vice-almirante Othon

Randolfe defendeu a Vaza Jato

No dia 12 de junho, três dias depois ao início da série de reportagens do Intercept sobre as conversas trocadas entre os procuradores da Lava Jato e o ex-juiz Sergio Moro, Randolfe se manifestou na imprensa:

“Fui favorável à operação Lava Jato. Nós sempre tivemos como princípio o combate à corrupção. Mas o fim do combate à corrupção não pode justificar meios jurídicos escusos”, disse ao blog de Tales Faria, do UOL.

“Ele [Sergio Moro] preferiu servir a governos. Resolveu promover a sua carreira, tentando ser no futuro, talvez, ministro do STF ou presidente da República“, completou o líder da Rede no Senado.

Naquele momento, Randolfe disse ainda que as mensagens vazadas mostram o “cometimento de injustiça” proposital de Sérgio Moro no inquérito que levou à prisão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O que, para ele, “é um crime de igual teor quanto a corrupção”.

Ele ressaltou, entretanto, que não se pode jogar todo o trabalho da Lava Jato fora: “Não posso dizer que o [ex-presidente da Câmara] Eduardo Cunha [que está preso] é inocente. Não posso esquecer que assisti aquela sala cheia de dinheiro do [ex-deputado e ex-ministro] Geddel Vieira Lima. Têm ações e operações da Lava Jato que precisam ter sequência”, explicou.

“Agora tem que separar o joio do trigo. Aquela [ação] em relação ao ex-presidente Lula é uma delas”, completou.

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