Crônica de um desastre anunciado no Caribe oriental

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Um trecho da estrada que leva do aeroporto Melville Hall de Dominica até a capital, Roseau. A ilha é muito vulnerável a inundações e deslizamentos de terra. Foto: Desmond Brown/IPS

Por Desmond Brown.*

Mero, Dominica, 11/4/2014 – O Natal de 2013 foi o mais “sombrio e deprimente” que Don Corriette se lembra. “Foi funesto. Naturalmente, as pessoas não planejavam que o Natal seria daquele jeito”, disse Corriette, de 52 anos e coordenador nacional de resposta a desastres de Dominica. Preparativos de vários dias para as festas foram arrasados quando uma tempestade despejou centenas de milímetros de chuvas sobre a ilha, nos dias 24 e 25 de dezembro.

O “raro fenômeno meteorológico”, que também afetou Santa Lúcia e São Vicente e Granadinas, matou 13 pessoas e destruiu plantações e infraestrutura. Segundo funcionários, o impacto dessas chuvas torrenciais, das inundações relâmpago e dos deslizamentos de terra se concentrou nas zonas mais pobres. Apenas seis meses antes, em julho de 2013, a tempestade tropical Chantal havia atingido o extremo sul de Dominica. A mais afetada foi a diminuta comunidade de Gallion, com menos de cem habitantes.

O desastre de 24 de dezembro “causou angústia e ansiedade, deixando muitos sem saber o que fazer”, ressaltou Corriete à IPS. “Não só em Dominica, mas na região e no mundo, vimos algumas diferenças muito significativas nos padrões meteorológicos nos últimos 30 ou 40 anos, que indicam que algo está ocorrendo, e provavelmente tenhamos que vincular isso com a mudança climática”, acrescentou. “Há aqueles que não acreditam nessa teoria, mas nós vemos acontecer diante de nossos olhos: o derretimento das geleiras nas regiões do norte, a expansão das terras secas na África e outros lugares, e maior intensidade das chuvas nas ilhas caribenhas”, pontuou.

Um plano para melhorar a drenagem na comunidade de Mero servirá de demonstração sobre como reduzir os impactos das inundações para o resto do país. Essa iniciativa é parte do projeto Redução de Riscos Resultantes da Mudança Climática para os Bens Humanos e Naturais (RRACC), administrado pela Organização de Estados do Caribe Oriental e pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid).

O RRACC evoluiu após uma série de reuniões com representantes de governos, organizações não governamentais, setor privado e agências doadoras, em julho de 2010, para discutir sobre variabilidade climática, mudança e adaptação na região do Caribe. Essas reuniões foram convocadas por Usaid, Organização de Estados do Caribe Oriental e Unidade de Manejo da Zona Costeira de Barbados. Depois, a Usaid formulou um marco quinquenal (2011-2015) de estratégia para a adaptação à mudança climática no Caribe, financiado pelos Estados Unidos como parte do compromisso assumido nas negociações climáticas da ONU, realizadas em 2009 em Copenhague.

Em São Vicente e Santa Lúcia, mais de 30 mil pessoas afetadas pelas inundações de dezembro do ano passado começarão a se recuperar e a restabelecer mercados e serviços como água e eletricidade mediante US$ 36 milhões aprovados pelo Banco Mundial no contexto da Janela de Resposta à Crise, da Associação Internacional para o Desenvolvimento. Estima-se que as perdas totalizaram US$ 108 milhões, equivalente a 15% do produto interno bruto de São Vicente e Granadinas, e a US$ 99 milhões, ou 8% do PIB de Santa Lúcia.

“Nunca esqueceremos os que perderam suas vidas por causa desse desastre, e nos amparamos em suas mortes para despertar a nação inteira para a realidade de que somos um país muito vulnerável aos desastres naturais e aos impactos da variabilidade climática”, declarou à IPS o primeiro-ministro de São Vicente e Granadinas, Ralph Gonsalves.

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Um sacerdote reza com Colleen James em Cane Grove, São Vicente, horas antes da confirmação de que a irmã da mulher morrera nas inundações. Sua filha de dois anos também está desaparecida. Foto: Desmond Brown/IPS

O desastre aconteceu em plena temporada turística. Embora se desconheça o impacto financeiro total, está claro que afetou os setores agrícola e turístico, que experimentarão contrações nos dois países. “Embora os serviços e o transporte estejam restabelecidos, será necessário assumir esforços paralelos para mobilizar recursos a fim de estabilizar, reabilitar e reconstruir a infraestrutura danificada”, informou à IPS o primeiro-ministro de Santa Lúcia, Kenny Anthony.

Nas primeiras semanas após o desastre, o Banco Mundial conseguiu arrecadar US$ 1,9 milhão de emergência para apoiar a recuperação. “Os esforços de reconstrução são cruciais, pois a temporada de furacões no Caribe se aproxima”, destacou Sophie Sirtaine, diretora do Banco Mundial para a região. “Nosso apoio financeiro não só reconstruirá a infraestrutura vital e estimulará a economia, como também ajudará a criar resiliência climática no longo prazo”.

No começo deste mês, Santa Lúcia anunciou uma pesquisa para determinar o impacto da mudança climática sobre a oferta e a demanda de água doce e sobre a exposição, sensibilidade e vulnerabilidade dos meios de vida das comunidades. Esse estudo é realizado pelo Instituto Sir Arthur Lewis de Estudos Sociais e Econômicos da Universidade de Índias Ocidentais, junto com o Centro Euromediterrâneo sobre a Mudança Climática e o Centro de Mudança Climática da Comunidade do Caribe, com sede em Belize. A investigação também buscará determinar como as famílias consideram que as questões ambientais afetam suas comunidades.

“Os resultados da pesquisa darão orientação para futuros programas de conscientização pública e desenvolvimento de políticas. O conhecimento obtido também permitirá adotar medidas adequadas para se adaptar e, tomara, minimizar os impactos negativos identificados, para benefício de todos os cidadãos de Santa Lúcia”, segundo comunicado divulgado pelo governo. Os pesquisadores visitarão famílias de toda a ilha até 13 de maio, insistindo em que os resultados “serão de importância crucial para as pessoas, suas famílias e Santa Lúcia”. Envolverde/IPS

* (IPS)

Fonte: http://envolverde.com.br/ips/inter-press-service-reportagens/cronica-de-um-desastre-anunciado-caribe-oriental/

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