Crônica de um crime ambiental anunciado


Por Ariane Laurenti*

OSX = Ócio, Sujeira e Xepa.

A Organização das Nações Unidas (ONU) define oficialmente poluição marinha como sendo a introdução direta ou indireta, por parte do homem, de substância e energia capazes de produzirem efeitos negativos sobre os recursos biológicos, sobre a saúde humana, sobre atividade marítima e sobre a qualidade da água.

Dentre as atividades consideradas como modificadoras das condições naturais de um ambiente está aquela promovida pela alteração geofísica do ambiente, como a construção de moles, de portos, de marinas, a retificação de rios entre outras. Em geral as conseqüências negativas imediatas ocorrem na zona litorânea, com alteração da direção de correntes e modificações na biocenose resultando em invasão da zona de areia pelo mar, modificação na sedimentação e na natureza físico-química de ambientes aquáticos, salinização de lagoas costeiras e no desaparecimento de espécies de pescado nativo (como tem sido verificado em Florianópolis e em todo litoral catarinense).

A acepção mais em voga de conservação do ambiente, embora nem moderna e tampouco revolucionária, pois, continua a dar um valor de uso mercadológico à natureza, é a da sustentabilidade, que prevê o uso racional do ambiente natural com o objetivo de prover uma melhoria na qualidade de vida da humanidade. Essa concepção implica problemas sejam de ordem social e econômica que científica e cultural. O critério fundamental da conservação é a aplicação da pesquisa cientifica em intervenção técnica e jurídico-administrativa. Portanto a moderna política de conservação ambiental tende a estabelecer, através de competências diversas, a possibilidade do uso integrado e equilibrado dos recursos humanos e do ambiente de modo a individuar os métodos mais adequados de desenvolvimento e gestão.

A poluição e a forma abusiva com que os ambientes costeiros têm sido tomados terminam por fazer com que os elementos da natureza com capacidade de renovação, vulgar e erroneamente tratados como recursos naturais renováveis, incluindo-se aí os pescados e todo o entorno que mantém o equilíbrio para a produção dos mesmos, passem de renováveis a extintos. Donde é preciso que uma política de desenvolvimento sustentável saiba reconhecer a verdadeira interação entre ecossistemas já humanizados e ecossistemas que devem ser confinados e protegidos integralmente, ou seja, não valorados como mercadoria, para que o patrimônio genético de espécies não seja perdido para sempre e que a diversidade genética seja conservada principalmente salvaguardando áreas onde as espécies se reproduzem e vivam preferencialmente.

O parecer técnico, realizado sobre o EIA-RIMA (Estudo de Impacto Ambiental-Relatório de Impacto no Meio Ambiente) do Projeto de Instalação do Estaleiro OSX, sobre o qual se baseou a Coordenação Regional da ICMbio Florianópolis, responde de forma eficiente, competente e eticamente responsável  do ponto de vista técnico e sócio-ambiental as incongruências, inconsistências e incompetências na elaboração do documento apresentado pelo empreendimento. Não se pode negligenciar esse conhecimento disponibilizado para ponderar sobre a indefensável instalação desse estaleiro.

Tomei conhecimento de esclarecimentos sobre o projeto para a instalação do Estaleiro OSX fornecidos pelas empresas OSX e a de consultoria que realizou o EIA-RIMA do mesmo, pela matéria do Diário Catarinense em 24/07/2010.

Foi muito esclarecedor principalmente porque a minha suspeita se verificou: o projeto é de fato um atentado ambiental.

Espremendo o conteúdo das declarações realizei uma releitura sucinta das mesmas. Pude aferir então que:

1) os botos-cinza já são estressados por problemas na região e que as obras do estaleiro serão apenas mais um problema, mas a OSX tem um plano, secreto creio, para melhorar as condições dos botos e de monitoramento da água, e tudo isso com um fundo próprio;

2) o local do estaleiro foi escolhido para a OSX para economizar em transporte e assim lucrar mais, além de não se preocupar com infraestrutura e outros problemas relativos a trâmites político-financeiros;

3) a OSX irá colaborar com os planos de manejo das unidades de conservação, mas como, ainda não sabe;

4) contrapartida a OSX não oferece, mas vai sugerir ao poder público melhorias infraestruturais para o empreendimento, mas que acabarão também por asfaltar qualquer rua em algum bairro por onde os caminhões transitarão e será a diversão dos moradores com a trepidação das casas;

5) a OSX está treinando pessoas para trabalharem na obra através de convênio com o SENAI (Serviço Nacional da Indústria) e que, está assumindo o prejuízo no caso do projeto não ser implantado (devo confessar que não entendi o prejuízo, afinal não é o SENAI? A OSX se responsabiliza em pagar o tempo que o pretenso empregado se preparou? Ou será que foi por conta e risco do coitado que de certeza não dispõe dos recursos da OSX?);

6) o empreendedor irá mitigar o dano ambiental dragando o canal e o sedimento coletado será jogado em terra para não contaminar o mar, já que na terra não tem problema, afinal o lençol freático só serve como fonte de água potável; também irá fazer um reflorestamento de mangue (Entendem mesmo do negócio ambiental. Será que irão colocar o berbigão, os caranguejos e a matéria orgânica de plástico para “defalsa”?  Seria uma boa, heim? Qual é o problema, pois segundo a ONU, o desmatamento e a degradação de manguezais já causa um prejuízo/ano de 2,5 a 4,5 trilhões de dólares à economia global, o que são alguns milhões a mais?);

7) serão dois navios/ano e seis no ápice (Todo esse dano ambiental e um terreno de 155,33 hectares para produzir 2 navios?);

8) a mão de obra da construção do estaleiro será 80% local (lógico, o trabalho braçal qualificado da construção) e que depois será de 90% (os locais serão os 90% braçais e os demais 10% que completam 100%, de graduados, chefes e algum executivo de confiança, serão locais se o patrão necessitar dos ditos “testas de ferro”);

9) se faltar peixe durante a intervenção temporária a OSX irá pagar, segundo um censo, valores relativos a quantidades e número de pescadores, mas, se o dano for permanente, os envolvidos farão um plano de sustentabilidade da pesca conjunto (vai ser um placar e tanto, se tomarmos como exemplo a história dos acordos: poder econômico X trabalhadores brasileiros).

Mediante tais declarações me ocorreu uma releitura alternativa e mais compatível para a sigla OSX: ÓCIO, SUJEIRA e XEPA.

O Ócio ficará a cargo dos que o podem cultivar, seja o ócio do De Masi, que só encontra espaços nos criativos, ou seja, nos que podem dedicar o seu tempo a produzir novas idéias, seja aquele ócio típico dos usurpadores que se deleitam gastando o fruto da sua espoliação.

A Sujeira restará às populações do entorno da baia de São Miguel, da paradisíaca Governador Celso Ramos, das praias do extremo norte e da baía norte de Florianópolis, cujas águas contaminadas danificarão as culturas marinhas, aportarão perdas substanciais à pesca artesanal, turística e industrial e ao ramo turístico e hoteleiro; o sistema hidrogeológico modificado fará sofrer as espécies existentes, as águas encontrarão novas rotas invadindo com águas salgadas e outras substâncias possíveis fontes de água doce superficiais e subterrâneas, que serviriam para milhares de pessoas de toda a grande Florianópolis, entre outros crimes ambientais.

A Xepa ficará para as ingênuas e iludidas comunidades que acreditam nas promessas de redenção do seu estado de pobreza para o de um cidadão “de bem”. Que crêem, irão passar a pertencer a uma cidade que finalmente não será apenas dormitório, mas, será também aquela cidade que, apesar de continuar a ser conhecida como aquela que fica perto de Florianópolis, terá um grande estaleiro.

Mas um dia finalmente será conhecida no Brasil como a Biguaçú, aquela cidade que foi palco de um dos maiores crimes ambientais praticados em uma área marinha, a ser preservada, no sul do Brasil.

* Ariane Laurenti é professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doutora em Química Ambiental pela Universidade de Veneza-Itália.

Foto: Celso Martins.

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