Crise no mercado de trabalho, bônus demográfico e desempoderamento feminino

Por José Eustáquio Diniz Alves.

As mulheres brasileiras obtiveram conquistas históricas no século XX. Como já mostrei em diversos artigos, elas conquistaram o direito de voto, passaram a ser maioria da população a partir da década de 1940; atingiram a maioria do eleitorado em 1998; elevaram a esperança de vida e vivem, em média, sete anos acima da média masculina; ultrapassaram os homens em todos os níveis educacionais; aumentaram as taxas de participação no mercado de trabalho, diminuíram os diferenciais salariais e são maioria da População Economicamente Ativa (PEA) com mais de 11 anos de estudo; são maioria dos beneficiários da previdência e dos programas de assistência social, conquistaram a igualdade legal de direitos na Constituição de 1988 e obtiveram diversas vitórias específicas na legislação nacional; por último e não menos importante, chegaram à presidência do Supremo Tribunal Federal e à presidência da República.

No final do ano de 2015, o Grupo de Trabalho População e Gênero, da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP), realizou um seminário na Fundação Carlos Chagas, em São Paulo, para discutir o tema: “Até onde caminhou a revolução de gênero no Brasil?” (ITABORAI; RICOLDI, 2016). O resultado das apresentações resultou na publicação de um livro, em 2016 e que foi lançado no XX Encontro Nacional de Estudos de População, realizado em Foz do Iguaçu (a referência está abaixo)

Neste livro, tive a oportunidade de escrever o artigo “Crise no mercado de trabalho, bônus demográfico e desempoderamento feminino” (Alves, 2016). O artigo reconhece os avanços de gênero ocorridos nos últimos 60 anos no Brasil, mas alerta para a mudança de conjuntura e até para alguns retrocessos na “revolução de gênero”.

Nas conclusões aponto que o Brasil está passando por um momento definidor para o futuro do país. Existe um agudo processo de rebaixamento da estrutura produtiva (desindustrialização) e uma reprimarização da economia em um momento em que mais de 85% da população vive em cidades. A taxa de atividade e a taxa de ocupação sempre estiveram abaixo da expectativa do pleno emprego, mas a partir de 2013 começaram a cair num momento em que a estrutura etária ainda favorece a inserção produtiva da população em idade ativa. Provavelmente teremos uma segunda década perdida, com aumento do desemprego e estagnação da renda per capita.

Desta forma, o país está desperdiçando o seu melhor momento demográfico e não terá outras condições tão favoráveis no futuro. Perdendo o primeiro bônus demográfico, perde-se também o segundo bônus demográfico, especialmente porque as taxas de poupança são baixas no Brasil. Ou seja, o Brasil pode estar assistindo ao fim precoce do bônus demográfico, especialmente do bônus feminino, o que pode ser também o fim do desenvolvimento brasileiro. A crise na geração de emprego começou em 2013 e 2014, mas se acelerou bastante nos anos de 2015 e 2016. Assim, pode-se afirmar que demografia não é culpada pela atual crise brasileira. Ao contrário, o Brasil passa pelo menor valor da razão de dependência (2015-2024) e vive o seu melhor decênio demográfico da história.

Termino o texto com as seguintes palavras: “Para agravar todo o quadro, a estagnação do mercado de trabalho das mulheres e o fim do bônus demográfico feminino podem representar, por um lado, o “desempoderamento” das mulheres, e por outro, o “des-desenvolvimento” do Brasil. A estagnação do mercado de trabalho feminino pode afetar negativamente as relações de gênero e a possibilidade de melhoria das condições de vida da maioria da população”.

Vejam as referências nos links abaixo:

ALVES, J. E. D. Crise no mercado de trabalho, bônus demográfico e desempoderamento feminino. In: ITABORAI, N. R.; RICOLDI, A. M. (Org.). Até onde caminhou a revolução de gênero no Brasil? Belo Horizonte: Abep, 2016. p. 21-44. ISBN 978-85-85543-31-0

ITABORAI, N. R.; RICOLDI, A. M. (Org.). Até onde caminhou a revolução de gênero no Brasil? Belo Horizonte: Abep, 2016

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: [email protected]

Fonte: EcoDebate,

 

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