Crimes e Tevê: Precisamos falar disso

Televisão (2016), de Pexels. Imagem: Pixabay.
Televisão (2016), de Pexels. Imagem: Pixabay.

Por Jonathas Rafael.

Assistir a programas televisivos que buscam, explicitamente, transmitir crimes aos telespectadores, tipificá-los segundo as classes sociais, propagar ideologias estigmatizantes e naturalizar atos de violência, ao que parece, está se tornando um hábito cada vez mais frequente por certa parte da população brasileira. Isso é um problema, porque cada vez que discursos assim ganham força, a sociedade retrocede; nós, seus seres integrantes, também.

Na contemporaneidade, o acesso às tecnologias e ao que estas têm a oferecer não é mais restrito a um grupo seleto de pessoas, conforme era há algumas décadas. Todos podem, sem muitas dificuldades, possuir instrumentos que lhes façam conectar, ligar e “antenar” ao que acontece no mundo em tempo real. O Brasil, por exemplo, está entre os principais países que mais consomem tecnologia. Até então, embora tenham sido desenvolvidos diversos instrumentos de acesso aos seus conteúdos, seu proferido é a tevê.

Sabendo disso, ocorre investimento excessivo, sobretudo, em novelas, Realitys Shows, programas que transmitem uma família ideal, futebol, etc. Em programas educacionais, muito pouco, diga-se de passagem. Não apenas nesses, é possível perceber que, de uns tempos para cá, têm-se investido, ainda mais, em programas intitulados policialescos, dedicados à apresentação gratuita de crimes. Há uma variedade destes programas, sendo possibilitado ao telespectador escolher, entre tantos, qual apresenta “melhor” os crimes, segundo suas convicções.

Embora haja uma quantidade considerada deste tipo de programa na tevê, todos eles não passam de simulacros um dos outros, sendo nítidos os cacoetes, apresentação e cenário. Nem por isso seria justo dizer que os telespectadores estão diante de uma tarefa fácil, uma vez que a semelhança entre esses programas dificulta suas iniciativas de escolha. Aqueles que gastam seus tempos assistindo aos conteúdos transmitidos por esses programas, decerto, têm diversão garantida, porque eles vão ao ar todos os dias, possuem, no mínimo, três horas de duração e, melhor ainda, quase não são interrompidos pelas propagandas.

Chama a atenção o fato de esses programas não possuírem, em essência, caráter jornalístico, já que buscam única e exclusivamente apresentar os crimes com a mais superficial lente investigativa possível. Transmitem as informações de maneira fragmentada aos telespectadores, sempre acompanhadas de interpretações extremistas por parte de seu(s) apresentador(es). Chama a atenção, também, o fato de esses programas não possuírem classificação indicativa, pelo fato de serem supostamente jornalísticos. Com efeito, qualquer um pode assistir a eles, desde o mais novo ao mais velho. Dizendo isso, é importante lembrar o horário em que eles vão ao ar, a saber, a partir das 5h até 20h, sendo possível haver acréscimos.

Observando um telespectador de tais programas, facilmente, será possível identificar comportamentos que denotam ambivalência entre a identificação com a vítima e identificação com o autor do crime, um repúdio acompanhado de acolhimento, desprazer e prazer. Em outras palavras, há uma divisão tênue entre o real e a ficção; o telespectador, abruptamente, sente-se diante de algo ficcional, como se estivesse a assistir a um filme, passa a estar inserido nas cenas dos crimes apresentados.

Se isso não for o bastante, cumpre dizer que há, também, a tentativa, comumente exitosa, de propagar a concepção simplória de que os crimes são inerentes à classe econômica baixa. Não quaisquer crimes, mas os mais horrendos, vis, ousados, atemorizantes, ignóbeis, imorais e deturpadores do bem-estar social. Seus autores sempre aparecem na mídia como bárbaros, fazendo uso de andrajos, denotando miséria. Os apresentadores de tais programas policialescos, bem como seus telespectadores, influenciados pelos primeiros, com efeito, não hesitam em generalizar, julgar com discurso extremista. Em contrapartida, buscam propagar a concepção, também simplória, de que os crimes praticados pelos pertencentes à classe elitizada possuem seu glamour, pondo em cena seus autores “enternados” e engravatados, geralmente envolvidos em desvios incontáveis de dinheiro, com contas bancárias no exterior abarrotadas, viagens a lugares turísticos e deslumbrantes, denotando uma condição luxuosa. Com efeito, há, sorrateiramente, incentivo aos atos criminosos, bem como a tentativa de defender a ideia de que os crimes estão intimamente relacionados à classe econômica baixa, é bom lembrar.

Não é difícil ouvir discursos cujo objetivo é dizer que os crimes “de fato” são inerentes à classe econômica baixa. O acolhimento dessa ideologia pode estar relacionado ao fato de que os crimes cometidos pelos indivíduos da classe econômica baixa invadem com mais frequência e facilidade as particularidades da população, através, principalmente, dos meios de comunicação de massa, bem como pelo fato de esses crimes serem vistos a olho nu, nos espaços públicos, e afetarem diretamente seus integrantes. Por outro lado, os crimes por parte da classe elitizada, por serem apresentados como sedutores, sutis e luxuosos, fazem com que sejam compreendidos como pertencentes à outra realidade, deste modo, sendo plausíveis ou menos repudiados.

Precisamos, juntos, lutar contra todos os tipos de discurso que buscam incentivar a prática de crimes, a satisfação com a violência, bem como discursos que buscam defender ideologias estigmatizantes, indiferente de onde vêm. São extremamente perniciosos, uma vez que, em geral, propagam-se rapidamente e se instauram no imaginário dos indivíduos com certa facilidade. Sempre que discursos assim ganham força, a sociedade retrocede; nós, seus seres integrantes, também.

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*Artigo originalmente publicado pelo autor em sua Coluna no Portal Sorocaba Fácil.

Fonte: obvious.

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