Cotas nas federais: um mal necessário?

Por Felipe Gonçalves.

“Em sua igualdade majestática a Lei proíbe tanto ao rico quanto ao pobre dormir embaixo da ponte, esmolar nas ruas e furtar pão”

O programa de cotas utilizado pelas universidades públicas tem sido uma das formas de acesso ao ensino superior pelos vestibulandos egressos da rede pública. Dessa maneira, tenta-se democratizar a educação que há décadas é vista no Brasil como elitizada. Não para menos que tal classe se vê contrariada em seu status quo e vai às ruas protestar. É lógico, políticas afirmativas deveriam ser passageiras, e não ampliadas como vem sendo feito. Contudo, se elas não forem trabalhadas sincronicamente com investimentos no ensino fundamental e médio, efetivamente, a sua função de acesso à educação para todos os excluídos se transviará em uma medida sem muitos préstimos no futuro. Proteger a geração que ainda virá é importante, mas sem esquecer, claro, da geração de agora.

Existem inúmeros argumentos favoráveis e contrários à lei aprovada pelo Senado no dia 7 de agosto e sancionada pela presidenta Dilma ontem (29/08): a Lei de Cotas. Esta prevê que, do total de vagas destinadas ao vestibular, metade seja para alunos de escola pública. E, dentro dessa metade, 50% estejam reservadas a negros, pardos e índios autodeclarados perante uma banca de julgamento étnico. Assim, pelos critérios da universidade, o candidato teria uma bonificação no exame para concorrer a uma vaga. Não é justo, em vista da inoperância e da ineficiência da educação pública do ensino médio frente às dicotomias do meio social brasileiro? Bem, não é do mesmo modo que os contrários à Lei pensam.

Políticas de discriminação positiva

Os discursos dos “bonzinhos”, como disse Paulo Moreira Leite em seu artigo “O preconceito dos bonzinhos”, na sua coluna “Vamos Combinar”, da revista Época, são cheios de critérios aburguesados: “O aluno não entrará de cabeça erguida pela porta da frente; há um desrespeito pelo mérito dos estudantes não-cotistas; o nível da educação superior pública decairá; os cotistas se sentirão menosprezados e rejeitados no ambiente universitário…” Exposições de puro interesse classista. Existem ponderações nas defesas, mas não argumentos sólidos que possam convencer racionalmente um indivíduo sensato. Quem disse que todos os cotistas desistem do curso durante o seu progresso? Isso é generalizar… Quem disse que não haverá mérito desses candidatos aprovados pós-enfrentamento de horas em provas?

Outra análise a se fazer também é: realmente, o vestibular mede eficazmente a meritocracia? Avalia a real inteligência da pessoa, ou apenas cobra a sua capacidade de associação mecânica e de elaboração repetitiva de respostas a perguntas consagradas? O vestibular está longe de ser um método igualitário frente às disparidades da nossa sociedade. Outra crítica passível se baseia na possibilidade de queda da qualidade acadêmica. Enquanto alunos da rede privada defendiam essa máxima na “Marcha do Todinho” em Goiânia no domingo (19/8), o jornal O Popular tinha como manchete a contra-argumentação para tal: “Filha de pai caminhoneiro e mãe que recicla reutilizáveis, Mariana é uma das melhores alunas na Faculdade de Medicina da UFG vindas de escola pública”.

Um estudo realizado pelo Laboratório de Políticas Públicas da UERJ mostra “Os 10 mitos sobre as Cotas” nas instituições federais. A comissão chegou a conclusões que fazem cair por terra a maior parte das opiniões pouco elaboradas sobre o tema. Inclusive sobre os negros. É inquestionável a existência do preconceito dentro da sociedade brasileira, por mais que se confirme sua miscigenação. E isto está vinculado ao processo histórico pelo qual passamos, que enriqueceu a Casa Grande por meio da exploração da Senzala. Porque, semelhante aos EUA nos anos 60, as políticas de discriminação positiva vêm com o intuito de oferecer oportunidades que antes eram vistas como irrealizáveis para este grupo tão desprezado, que são os negros. Nunca nenhum deles disse que era incapaz de concorrer como universais nos concursos; só não tiveram a mesma preparação sistemática que os brancos de rede particular possuem até hoje.

Deveres e direitos

Enfim, as políticas compensatórias se fazem de uma oportunidade ímpar para a grande população pobre brasileira que faz uso do ensino público – mudar sua situação para melhor e de seus familiares pelos estudos. É egoísmo e preconceito pensar que o aluno de escola pública seja incapaz de acompanhar as aulas, de se esforçar na universidade, de que não podem sequer se sustentar lá dentro devido aos custos da formação… Repito: puro egoísmo e preconceito. Todos têm direitos (óbvio), mas será que são iguais para todos? Não, justamente porque ainda impera no Brasil uma conservadora divisão de classes que segrega seus cidadãos.

Na verdade somos desiguais e, para tanto, se combate a injustiça tratando os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual. Não pode o Estado cobrar de todos os mesmos deveres, nem oferecer a todos os mesmos direitos. Pois se dos pobres sempre tirava e dava aos mais abastados (via impostos indiretos, benefícios creditícios, redução de cobranças em cadernetas bancárias), o inverso, agora, começa a ressoar rumo ao povo.

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Felipe Gonçalves é estudante, Goiânia, GO.

Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/

Imagem: http://envolverde.com.br/

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