Cosmo-ecologia Mbyá-Guarani

José Otávio Catafesto em comunidade indígena (Foto: Arquivo Pessoal)

Por José Otávio Catafesto.

As fábulas míticas dos Mbyá apresentam conhecimento filosófico sobre a existência humana, e demonstram um saber detalhado sobre os elementos da paisagem, sobre os ciclos da astronomia, climáticos e metereológicos típicos do ambiente subtropical em que habitam. O quadrante sul é a direção predominante dos ventos frios de inverno (o Minuano). O norte, a direção dos ventos quentes de verão e para onde se desloca a órbita do sol numa parte do ano. A bruma e seu frescor são vividos como índices de um novo ciclo de vida, experimentados pelos Mbyá no ambiente da floresta, logo que cada nova primavera desponta. O leste referencia a aurora e o nascimento de cada novo dia de sol. O oeste representa o equilíbrio trazido pelas chuvas de verão, das águas que aplacam o calor, tranqüilizam os ânimos e irrigam a terra, as plantas e os animais.

A mitologia Mbyá reverencia os astros celestes, as plantas e suas flores, os pequenos animais como o colibri, a coruja, a cigarra, o gafanhoto, o girino, o tatu e o lagarto. Todos são pensados enquanto reflexos terrenos das forças criativas do cosmos, tendo uma participação importante na composição do sentido integral, cosmológico e existencial do Saber Mbyá.

O conhecimento Mbyá é preciso no mapeamento e designação das diversas regiões que constituem parte de sua territorialidade continental. A toponímia fixada pela geografia histórica e atual o demonstra em todos os países em que habitam, pois abundam palavras com reconhecida origem Guarani para designar acidentes geográficos, rios e lugares.

A cosmo-ecologia Mbyá-Guarani classifica a Região Platina em quatro grande unidades geográficas, distribuídas numa seqüência que vai do interior do continente até o litoral atlântico. No atual Paraguai se localiza Yvy Mbité, o centro do mundo, ressurgido depois do dilúvio primordial, região outrora recoberta com densas e exuberantes florestas, no estilo que os Mbyá acreditam que fosse todo o disco terrestre, no momento da criação. O substrato aquático não se apartou por completo na terra nova, inundando a região a leste do centro do mundo e constituindo Pará Miri (mesopotâmia Paraná-Uruguai, atualmente Provincia de Misiones, Argentina). Na banda oriental do rio Uruguai, adentra-se a região do Tape (caminho tradicional), zona de circulação e acesso à borda do estrato aquático, a grande água (Pará Guaçu) que a geografia denomina Oceano Atlântico.

Essas unidades cosmo-ecológicas sobrevivem apesar das intensas lutas de fronteira que culminaram na divisão do território Guarani entre os países do atual Mercosul, depois que muitos deles morreram. Os Mbyá foram espremidos pelas sociedades nacionais, entocados nas últimas florestas que ainda existem, depois da devastação madeireira. Eles se afastaram cada vez mais do eixo fluvial de sua antiga vida tribal, vivendo tão à margem da legalidade entre os países quanto o contrabando que se faz pelos rios. Na República do Paraguai, os Mbyá são tratados, até hoje, como selvagens primitivos.
Para Miri resguarda a dimensão pluvial do antigo modo de ser Guarani, na época em que os rios Paraguai, Paraná e Uruguai escoavam no centro de seu mundo, como suas antigas canoas e casas coletivas, a ornamentar a paisagem. Atualmente, a região de Misiones concentra a maior porção de mata preservada entre as unidades geográficas Mbyá.

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