Corrupção nas Organizações Sociais?

 

Por Douglas Kovaleski, para Desacato.info.

Na última terça-feira, dia 12/06/2018 a Polícia Civil fez uma operação contra o desvio de recursos públicos da área da saúde. Dessa vez a grande mídia barriga-verde teve que noticiar aquilo que contradiz o seu discurso, pois os desvios de recursos aconteceram em Organizações Sociais que atuam na área da saúde. A investigação aponta que uma Organização Social (OS) é suspeita de realizar o esquema fraudulento nas cidades de Penha e Itapema.

Mandados de busca e apreensão foram cumpridos em Penha, Balneário PiçarrasJoinvilleGaruvaTimbóBalneário Camboriú e Itapema.O Ministério Público de Contas e Ministério Público Estadual da Comarca de Penha apoiam as ações perceberam que algumas contas em algumas empresas não fechavam.

Essa é mais uma tragédia anunciada, pois a frouxa fiscalização por parte dos órgão públicos bem como do controle social das comunidades é uma marca indelével destas formas modernas de gestão privatistas. Na voz dos atuais gestores, defensores do privatização do SUS, como é o caso do atual secretário municipal de saúde de Florianópolis: “… a corrupção está em todos os lugares…” Sendo assim, esse é um problema também do âmbito privado, no qual não se pode intervir. Esquecem-se dos fartos escândalos que, em tão pouco tempo, têm feito verdadeiros rombos nas contas de estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais de maneira mais marcada.

A seguir alguns exemplos relatados na mídia brasileira:

As fraudes que envolvem recursos públicos resultam na violação frontal ao princípio da Moralidade na Administração Pública. A Lei 6.937/98 que cria as Organizações Sociais garante a essas a aquisição de bens e serviços sem a emissão de licitações e as mesmas não necessitam prestar contas a órgãos internos e externos da administração pública, porque essas são atribuições do Conselho Administrativo gerido da forma que as OSs acharemcabíveis. Isto tem aberto precedentes para o desvio do erário. Deste modo, sem haver fiscalização, o desvio de recursos públicos tem ocorrido de forma mais intensa nos estados e municípios em que esse modelo de gestão já foi implantado. – Na capital de São Paulo, a Polícia Federal, a Controladoria Geral da União, a Receita Federal e o Ministério Público fizeram uma operação contra o desvio de recursos públicos “[…] A parceria do poder público com organizações sociais que prestam serviços em áreas consideradas ‘socialmente sensíveis’, como a saúde, a educação, a profissionalização e a assistência social é prevista por lei federal. Segundo a Polícia Federal a organização investigada faturou mais de R$ 1 bilhão nos últimos cinco anos. Desse total, R$ 300 milhões teriam sido desviados em favor de pessoas e empresas que participavam de projeto envolvendo entidade e o poder público” .

Essas fraudes ocorrem também camufladas nas compras de equipamentos, como é o caso da Organização Social Amplus que deixou de operar serviços de raios-X e ultrassonografia em 58 unidades do estado de São Paulo sem ao menos ter instalado os equipamentos exigidos no contrato de R$ 108 milhões feito com a prefeitura. Essa OS é acusada de “fraudes trabalhistas e sonegação de ao menos R$ 1,2 milhões, na qual a Secretaria Municipal de Saúde é considerada corresponsável.” Frisando o fato de que há “dois anos o Tribunal de Contas do Município (TCM) apontou as irregularidades, mas o contrato vigorou até o fim”3 .

Em abril de 2010, segundo a Folha de São Paulo, de 10/08/2010, “um grupo de vereadores vistoriou o hospital municipal São Luiz Gonzaga, no Jaçanã (zona norte), e descobriu que a OS Irmandade da Santa Casa de São Paulo (foto) não vinha realizando ultrassons e raios-X no hospital, apesar de receber para isso R$ 1 milhão por ano. ‘As OSs fazem o que querem’, diz a vereadora Juliana Cardoso (PT), da Comissão de Saúde da Câmara. Segundo a Irmandade Santa Casa, o hospital do Jaçanã não tem feito todos os exames por falta de pacientes que precisem deles”.

Desde 2004, “a fatia do orçamento da Saúde estadual paulista destinada às OSs cresceu 202% (foi de R$ 626,2 milhões para R$ 1,891 bilhão em 2009). No mesmo período, o orçamento da pasta cresceu em velocidade bem menor: 93%. Presidente do TCE vê problema em modelo. Para ele, Estado não tem condições de fiscalizar o que está em contrato e menos ainda de fixar preço pelo que compra. Modelo também é criticado por entidades ligadas ao funcionalismo; secretaria diz haver controle público e defende critérios adotados […] As entidades ligadas ao funcionalismo público também criticam o modelo: ‘Quase R$ 2 bilhões em dinheiro público serão colocados só neste ano nas mãos de entidades privadas selecionadas ao arbítrio da secretaria. E sem passar por licitações, sem a necessária transparência do que é feito com o recurso, sem controle social’, critica o presidente do Sindicato da Saúde Pública no Estado, Benedito Augusto de Oliveira […] As entidades contrárias às OSs dizem também que o modelo prepara o terreno para a privatização dos serviços públicos. Encontram o apoio do presidente do TCE: ‘Se não é essa a intenção, o caminho está aberto para isso. Especialmente com as modificações na lei das OSs em São Paulo’, afirmou. ‘É como aconteceu nas estradas. Primeiro se sucateia, depois se diz: só tem uma saída: vamos privatizar e cobrar pedágio.’ (Folha de São Paulo, 31/08/2009).

Uma entidade criada por empresários da construção civil ganhou da Prefeitura de São Paulo o título de OS (organização social) e passou a receber dinheiro público para dirigir postos de saúde municipais. Depois, com essa verba, a entidade contratou a empresa médica do filho de um de seus diretores para realizar as consultas em postos da Penha e de Ermelino Matarazzo (zona leste). A empresa em questão se chama Apos (Associação Paulista de Oftalmologia e Saúde). Cada oftalmologista recebe R$ 77 por hora. O diretor da Apos é o médico Francisco Penteado Crestana, filho de Francisco Virgílio Crestana, ex-presidente e atual conselheiro da entidade, o Seconci (Serviço Social da Construção Civil do Estado de São Paulo). Nos três anos do contrato, até 2011, o Seconci receberá R$ 46 milhões da prefeitura – valor suficiente para construir e equipar um hospital de médio porte. Para o Tribunal de Contas do Município, órgão que fiscaliza as contas da prefeitura, a situação é irregular. Isso porque, como OS, a entidade deveria contratar e pagar diretamente os médicos que atuam nos postos de saúde, e não terceirizar esse serviço. “A prefeitura terceiriza a gestão do posto, entrega a uma OS. Depois, a OS terceiriza o atendimento, a própria atividade-fim. Essa “quarteirização” não é prevista no contrato”, diz o conselheiro do TCM Maurício Faria.

Hospitais entregues à Iniciativa Privada (OSs) em SP gastam mais. O preço dos produtos utilizados para prestar atendimento à população pode variar mais de 500% nos hospitais estaduais, que seguem um modelo terceirizado. Enquanto uma OSS (Organização Social de Saúde) contratada pelo governo compra um cateter por R$ 0,45, outra entidade, com a mesma função, paga até R$ 2,55. Diferenças grandes também são observadas quando a comparação é feita com valores calculados pela BEC (Bolsa Eletrônica de Compras), que traz exemplos de negociações feitas pelo Estado em situações que exigem pregão. Uma ampola de clindamicina – medicamento usado para tratar infecção – pode custar mais que o dobro se comprada fora do pregão. Os dados estão publicados em relatórios produzidos pela própria Secretaria de Estado da Saúde, responsável pela contratação das entidades, e referem-se às unidades hospitalares terceirizadas na Grande São Paulo. A reportagem teve acesso a seis desses documentos, com informações do período de janeiro de 2008 a junho de 2009.

 A Prefeitura de São Paulo estuda a contratação de uma empresa para auditar as prestações de contas das OSs (organizações sociais privadas) “que recebem verba pública para dirigir hospitais e postos de saúde municipais […] A decisão de buscar uma fiscalização externa tem origem na dificuldade enfrentada pelos auditores municipais para verificar se as OSs estão aplicando os recursos públicos adequadamente. Num relatório recente, o Tribunal de Contas do Município descreveu os auditores como ‘escasso quadro técnico’ e de trabalho ‘falho e ineficiente’. A prefeitura não diz quantos são na equipe. No ano passado, as OSs receberam cerca de R$ 1,4 bilhão para gerenciar UBSs (postos de consulta), AMAs (postos de prontoatendimento), hospitais, laboratórios de exames e equipes do Programa Saúde da Família. O orçamento total da secretaria foi de R$ 5,3 bilhões. As auditorias também são dificultadas pelo fato de as OSs enviarem suas contas em folhas de papel. A empresa que for contratada terá de informatizar o sistema” (Folha de São Paulo, 10/08/2010).

A gestão pública é melhor do que a gestão privada dos serviços de saúde e ela tende a controlar os casos de desvios de recursos. Não podemos fechar os olhos para a realidade em nome de um pretensa e descontrolada agilidade do setor privado.

Foto tomada de: Santa Casa

Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos sociais.

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