Corrente humana de 123 km pela independência do País Basco

Por Raphael Tsavvko Garcia.

20140613paisbasco_raphael-tsavkko-garcia-ccEram esperadas 50 mil pessoas pa­ra compor a corrente humana proposta pelo coletivo Gure Esku Dago (“Está em Nossas Mãos”, em basco ou euskera) que deveria ligar os 123 quilômetros que se­param as cidades de Durango, próxima a Bilbao, e Pamplona, capital da região de Navarra (politicamente separada do País Basco, mas culturalmente parte deste).

O resultado foi melhor do que o espe­rado. Mais de 150 mil pessoas se junta­ram à corrente humana e pontualmente ao meio-dia essa maré humana se deu as mãos por meia hora, um símbolo da uni­dade do povo basco e de sua luta pelo di­reito a decidir seu próprio futuro.

Participaram da corrente pessoas de todas as sensibilidades políticas, idades e classe social, além de imigrantes sen­síveis à causa e pessoas vindas da diás­pora, como uma família do oeste ameri­cano, região que recebeu grande contin­gente de imigrantes bascos durante a pri­meira metade do século 20, que veio es­pecialmente para o evento e aproveitou para conhecer suas raízes.

O clima era de festa durante toda a manhã. A organização do evento contra­tou mais de 700 ônibus para poder levar as milhares de pessoas aos locais onde deveriam formar a corrente. Foram tan­tos os ônibus contratados que foi pre­ciso buscar empresas da região vizinha da Cantábria e mesmo da França, pois não havia contingente suficiente no País Basco.

A logística do evento foi uma das maio­res já vistas organizada por um coletivo social sem ligações com partidos políti­cos – ainda que tenha recebido subven­ções governamentais a fim de organizar o ato.

De dezenas de cidades do País Basco espanhol e francês ônibus saíram lota­dos ou mesmo superlotados. Trens fica­ram cheios e muitos foram ainda de car­ro até os pontos de encontro em cada um dos 123 quilômetros demarcados em um dia de sol forte, um dos primeiros da pri­mavera que tem sido em geral fria até o momento. O clima era perfeito, em todos os sentidos, para a verdadeira confrater­nização que se seguiu.

Bandas musicais animavam quem es­tava presente à corrente humana e, em Durango e em diversas outras cidades, festas populares seguiram o ato, com danças típicas bascas, comida e bebidas.

Movimento irreversível

Para muitos, o ato do coletivo Gure Esku Dago coloca em definitivo a pau­ta da independência no cenário político basco e mostra sua força. De forma ir­reversível. Com o fim da luta armada do grupo separatista ETA e a normalidade política também voltando – com o fim das ilegalizações de partidos da esquerda nacionalista –, chega o momento de de­bater a grande questão que foi por anos escondida ou suprimida pela violência de ambos os lados.

Por décadas, o tema da independên­cia foi sussurrado frente ao franquismo e, com a democratização, foi persegui­do, ilegalizado e condenado sob a descul­pa de combate ao terrorismo. Neste mo­mento, inicia-se uma nova etapa, livre de amarras e de desculpas para a negação ao debate.

Os dois maiores partidos bascos, Euskal Herria Bildu e PNV, são naciona­listas e juntos controlam a maioria abso­luta do parlamento e cada vez mais tor­na-se irreversível um processo decisório aos moldes do que vem sendo propos­to na Catalunha. A Catalunha, aliás, que já organizou sua própria corrente huma­na, ligando o Norte e Sul do país no últi­mo dia 11 de setembro (em 2013), dia em que se comemora a Diada catalã, sua fes­ta nacional, com mais de 1 milhão e 60 mil pessoas por 400 quilômetros.

Em novembro deste ano está marcada uma consulta ao povo catalão que os per­guntará se querem ser independentes. A Espanha tenta barrar a consulta, mas os catalães se mostram decididos.

Ideia que deu certo

A ideia da corrente humana enquan­to ponto intermediário de um profundo processo de reflexão e luta por indepen­dência, porém, não é nova. Em 1986, mais de 1 milhão de pessoas deram as mãos para formar uma corrente huma­na de mais de 600 quilômetros cruzan­do as três repúblicas bálticas (Letônia, Estônia e Lituânia) para chamar a aten­ção da opinião pública mundial da si­tuação em que se encontravam sob do­mínio soviético. Era, então, uma forma de denunciar ao mundo sua situação e de exigir maior autonomia. Com o tem­po, os três países conseguiram sua in­dependência, o objetivo tanto da Cata­lunha quanto do País Basco. Aumenta a pressão sobre a Espanha, cujo delegado no País Basco, Carlos Urquijo, declarou antes do ato que nada mudaria na rela­ção da região com a Espanha.

Após a maré humana vista no domingo fica a certeza de que alguns alarmes soa­ram em Madri. Bascos se unem a catalães na rota para a independência. O momen­to da Espanha é delicado, com a renún­cia do rei e protestos pela república to­mando o país, com a crescente descren­ça em relação aos dois principais parti­dos e o possível fim do bipartidarismo, pulverizando a representação política no congresso – algo a ser visto nas pró­ximas eleições, o que dificultará a toma­da de decisões políticas por parte do go­verno que hoje o PP domina com maio­ria absoluta.

Além, obviamente, da crise que ainda assola a Espanha, o que acaba reforçan­do sentimentos nacionalistas e acrescen­ta uma dificuldade ao governo espanhol no controle da crescente insatisfação de suas minorias.

Apenas o tempo dirá o verdadeiro efei­to deste ato, mas a certeza é a de que es­truturas foram abaladas e o sucesso do Gure Esku Dago criou uma rede de ci­dadãos com força para pressionar atores políticos diversos a ouvir a voz das ruas, a voz do povo.

Fonte: Sul 21.

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