Coronavírus: Artistas em quarentena sobrevivem de que?

Em meio à crise da pandemia do Coronavírus, espaços culturais como feiras, espetáculos, shows e convenções são fechados e cancelados como prevenção à contaminação. Enquanto grandes empresas lucram com a crise, os trabalhadores do meio artístico, que já sofrem com o desemprego, trabalho precário e a informalidade, agora não possuem qualquer fonte de sobrevivência. A raiva e frustração dos artistas deve ecoar como um só grito: nossas vidas valem mais que o lucro deles!

Músicos de Rua. Foto: Pixabay

Já se acumulam os depoimentos de artistas sobre suas dificuldades de sobreviver frente ao cancelamento de centenas de eventos culturais, por recomendação do Ministério da Saúde. Se torna cada vez mais palpável a impossibilidade de se manter em casa e se prevenir da pandemia, já que as principais fontes de renda dos trabalhadores do meio artístico se resumem no pouco dinheiro ganho com espetáculos, shows, feiras e trabalhos informais extremamente precarizados, os famosos “freelas”.

No dia 16 de março, por exemplo, a Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre informou a suspensão temporária de toda a programação das principais salas de teatro da região, bem como toda a semana de espetáculos e eventos culturais de Porto Alegre por tempo indeterminado, como medida de prevenção ao risco de contaminação pelo COVID-19. Outro exemplo é o da prefeitura da cidade de São Paulo, que cancelou inúmeros eventos e adotou o fechamento de todos os equipamentos culturais municipais como casas de cultura, teatros, centros culturais, bibliotecas e as salas de cinema do Circuito SP Cine.

Esse tipo de medida vem sendo tomada em várias partes do país, principalmente nas grandes capitais, atingindo em cheio um batalhão de artistas autônomos que, para poder sobreviver e até mesmo para se manter nos cursos de artes nas faculdades pelo Brasil, dependem do pouco dinheiro que recebem nos espetáculos, shows e feiras, os mesmos que se encontram na incessante busca por trabalho de freelancer, pulando de “bico em bico” -já que carteira assinada e direitos trabalhistas se tornam cada vez mais distantes para esse batalhão de trabalhadores informais. Com isso, vemos que a crise do Coronavírus escancara não só um sistema público de saúde precarizado por todos os últimos governos e sucateado ainda mais pela Emenda Constitucional do Teto de Gastos, mas também essa realidade dos artistas brasileiros.

Enquanto aumentam os relatos de trabalhadores da arte que já não encontram saídas para se manter frente a toda a situação de prevenção à contaminação pelo coronavírus, também surgem as publicações nas mídias burguesas onde os capitalistas propõem como quase que a única solução para essa crise o trabalho em “home office”. Isso para a imensa maioria dos trabalhadores não passa de uma piada de mau gosto, o que não é diferente para nós artistas já que nosso trabalho vive enquanto há espectadores.

Como é possível o “home office” para quem declama suas poesias no trem, faz temporadas de espetáculos e shows em bares para sobreviver? E para quem trabalha em feiras de arte e é contratado para fazer murais em bares e cafés? Trabalhos já precários e mal pagos reservados para nós artistas, mas que sem eles nos encontramos em uma situação de calamidade. Bares, cafés, teatros e palcos fechados, shows e espetáculos cancelados, porém, as contas continuam a vir causando cada vez mais desespero: Artistas em quarentena sobrevivem do que?

Essa situação de extrema informalidade não é isolada. No Brasil, de acordo com dados do IBGE, há uma população de 93,6 milhões de trabalhadores. Destes, cerca de 41,3% (38,8 milhões) são trabalhadores informais que não possuem nenhum direito garantido. A classe trabalhadora brasileira comporta o maior exército de empregadas domésticas do mundo, cerca de 6 milhões de trabalhadoras, em sua maioria negras e boa parte delas sem direitos da CLT.

Esses dados, somados com cada relato de centenas de jovens artistas que já vivem de trabalho informal e precarizado, tendo que muitas vezes equilibrar seus estudos e paixão pela arte sobre as rodas de uma bicicleta alugada durante 12 horas por dia e 1 real por quilômetro rodado para garantir os lucros de empresas como Rappi, Ifood e Uber Eats, escancaram a insuficiência dos capitalistas de lidar com a pandemia do coronavírus e mostra seus planos de descarregar a crise em nossas costas. São centenas de jovens artistas que terão que decidir entre tomar todas as medidas de prevenção ou passar fome.

A raiva e frustração dos artistas deve ecoar como um grito: nossas vidas valem mais que o lucro deles! Sabendo que a incapacidade dos capitalistas de lidar com a crise econômica, somada à pandemia do Coronavírus, exige que a resposta para toda essa barbárie venha de nós, com os trabalhadores tomando em suas mãos a luta pelas medidas para enfrentar a crise, sejam efetivos ou terceirizados, informais ou com direitos trabalhistas.

Pensando nisso, é imprescindível a luta pela garantia do nosso sustento e do emprego de todos os trabalhadores, defendendo a todos o direito à licença remunerada. Além disso, o Estado deve garantir que os trabalhadores informais e todos os trabalhadores do meio artístico recebam um auxílio financeiro de um salário mínimo calculado pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), que hoje é de R$4.342, calculado em cima da diária da quarentena que se iniciou a partir do final de semana.

É preciso uma forte organização independente de todos os artistas no Brasil, que demonstre solidariedade com as diversas categorias da classe trabalhadora que hoje se enfrentam com a hipocrisia dos capitalistas recomendando quarentena ao mesmo tempo que impedindo a liberação com remuneração dos trabalhadores das fábricas, terceirizados das universidades, empregadas domésticas, trabalhadores do telemarketing, etc, obrigando-os a andar em ônibus e metrô superlotado, com as patronais obrigando-os a trabalhar sem nenhuma política de prevenção à contaminação, como uso de máscaras ou álcool gel.

É preciso defender a revogação da Emenda Constitucional do Teto de Gastos para mais investimentos na saúde pública, que exige também o não pagamento da dívida pública aos banqueiros, junto com a centralização de todo o sistema de saúde, incluindo a saúde privada, sob gestão pública e controle dos trabalhadores e especialistas, garantindo leitos gratuitos, atendimento e diagnósticos para todos que necessitam.

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