Conversa com Jair Bolsonaro. Por Orlando Brito, fotógrafo agredido por bolsonaristas

Foto: Marcos Corrêa/PR

Por Orlando Brito.

Eu saía do Palácio do Planalto nessa terça-feira (5/05) por volta do meio dia quando vi três soldados da Guarda presidencial subindo a rampa usando máscaras. Em plena crise da pandemia do novo coronavírus, essa cena diferente me chamou a atenção: Dragões da Independência com o rosto semicoberto. De repente, ouço um chamado: “Brito, quero falar com você”. Era o presidente Jair Bolsonaro, que estava no topo da rampa.

Ao ouvir a um segundo chamado, retornei ao interior do Planalto e tomei o elevador para o segundo andar. Ao lado de 10 ou 12 pessoas que o acompanhavam, Bolsonaro veio falar comigo e perguntou-me se eu havia mesmo sofrido agressão na manifestação de domingo. Eu disse que sim. Narrei o que acontecera. Contei do safanão que levei, que fui chamado de “mídia lixo” e que queriam quebrar minhas câmeras.

Ele não se desculpou. Mas disse ser  “impossível controlar a ação das pessoas em uma multidão“. E que não entendia como alguém podia atribuir a ele, Bolsonaro, a autorização para agressões contra quem quer que fosse.
Subimos a rampa interna do Palácio a caminho de seu gabinete. Indagou pelo meu colega também repórter-fotográfico Dida Sampaio, do Estadão. Ao chegarmos ao terceiro andar, outras pessoas falaram com ele, antes de mim. Pediu que eu esperasse.
Em seguida, me chamou para que, junto com as outras pessoas, fôssemos para uma sala contígua ao seu gabinete. Havia lá uma mesa com 12 ou 14 cadeiras e um bufê. Disse-me que comêssemos alguma coisa enquanto conversássemos. Eu falei que tinha outro compromisso e que não queria atrapalhar sua agenda. Pediu que eu continuasse. Serviu-se de pouca comida.
Disse muitos impropérios contra os jornais Folha de São Paulo e Estadão e e a TV Globo. Expressões fortes. “Querem me sacanear o tempo todo… deturpam o que digo… mídia lixo, lixo… canalhas…” Quando nos sentamos, eu afirmei que ele tinha uma relação desagradável conosco da imprensa. Mais uma vez, o presidente disse palavras pesadas contra a mídia. Quando percebiam que Bolsonaro estava se exaltando, o deputado Fábio Farias e o presidente da Embratur Gilson Machado, também presentes, puxavam outros assuntos para amenizar o clima.
Isso durou não mais que vinte minutos. Pouco antes antes de sair dessa sala, eu opinei que ele deveria — ao invés das entrevistas tumultuadas sob a mangueira do Palácio Alvorada — ir ao Comitê de Imprensa para falar com os jornalistas credenciados pelos jornais, profissionais qualificados para uma cobertura da envergadura da Presidência. Acrescentei que sempre éramos admoestados e ofendidos. Que ficamos confinados em um cercadinho desconfortável. Bolsonaro disse que ia rever sua presença naquelas entrevistas. E novamente palavras pesadas sobre a mídia. Ele retornou ao gabinete principal. Fiz uma foto para meu futuro livro. Agradeci e fui embora.
Desci para o térreo, onde fica o Comitê de Imprensa. Narrei fielmente o que aconteceu aos colegas jornalistas da cobertura diária da Presidência da República. Vi que sua promessa de rever o formato de entrevista na porta do Alvorada não se cumpriu porque à noite ele falava de lá sobre o depoimento de Sérgio Moro em Curitiba. Mas reparei que pediu desculpas pelo que havia dito pela manhã, quando mandou colegas jornalistas calarem a boca.
Alguns não interpretaram corretamente o chamado para uma conversa sobre o desagradável episódio da agressão no domingo e interpretaram como um almoço de caráter social e colaborativo.
Não creio que um jornalista que, como eu, cobre a Presidência possa recusar um convite de um presidente, seja ele qual for, quando chamado para uma conversa. Seria a negação da própria profissão.
Orlando Brito

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