Contra o sucateamento da Cultura em Guarulhos artistas convocam assembleia Geral

Sem nenhum compromisso com oficinas, mostras, aulas e projetos de pesquisa culturais, o poder público retira da população, sobretudo dos jovens, crianças e trabalhadores o acesso à cultura como direito que deveria ser garantido. Os espaços públicos, centros culturais e teatros há muito estão abandonados. Sem equipamentos de iluminação e som adequados, mesmo o Teatro Adamastor – centro, grande referência local, que era a “menina dos olhos” da cidade, está jogado às traças literalmente. O teatro não conta com o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), documento que atesta que o prédio está em conformidade com os critérios de segurança e prevenção contra incêndio. O laudo é um requisito obrigatório para funcionamento de um estabelecimento.

Em nota, a prefeitura alegou que as vistorias e melhorias serão feitas em 2019, empurrando com a barriga uma situação que já se arrasta há tempos. O público que foi ao espaço para prestigiar um espetáculo de alunos da Escola Bonadei no sábado, dia 24/11, ficou revoltado com o descaso da administração pública. Devido a queda de energia no local durante a apresentação e por não haver gerador, a atividade cultural foi prejudicada.

A Vice presidente do Conselho de Sociedade Civil e artista multimeios, Marina Pinto, afirma que a produção cultural hoje em Guarulhos é movimentada graças a cena alternativa e que “o poder público, pouco ou nada tem feito. Me parece que principalmente na atual gestão, quem está a frente “não alcança” em termos de pensamento, e portanto, não consegue elaborar projetos densos para nenhuma área”. E prossegue: “é claro que a questão de orçamento também atrapalha muito, pois a pasta da cultura tem a menor verba e mesmo esta não é aplicada em sua totalidade. Em 2017 a prefeitura investiu em Cultura no ano, o valor de $10,86 por habitante. Só esse dado, mostra todo o descaso para com a cultura, pois não há investimento”.

O Orçamento apresentado de 23,3 milhões destina mais de 84% a pagamento de funcionário, restando pouco menos de 16% para contemplar as diversidades artísticas da cidade para 2019. “Contra essa ação deliberada do governo municipal, convidamos artistas e interessados nas pautas da cultura a nos reunirmos em assembleia”, diz Franklin Jones, articulador cultural da cidade. O encontro será no próximo dia 08/12, a partir das 15h no Parque Linear Transguarulhense. Contará com a presença de artistas e coletivos, pesquisadores, ativistas e articuladores para que se deliberem medidas de organização para que se exija do poder público medidas imediatas contra o sucateamento dos equipamentos públicos e em busca de mais verba e programas que possibilitem que a população local tenha acesso a arte sem suas mais diversas manifestações.

Marina comenta com pesar sobre como é vista a questão cultural na cidade, e desabafa: “o orçamento da cultura não é gasto, é investimento. Cultura está muito além do entretenimento, o que parece óbvio, mas em Guarulhos não é. Para combater essa visão equivocada, temos pela frente a criação e implantação do plano municipal de cultura, talvez o melhor mecanismo de imediato, mas que também não dá total garantia”.

De fato, se tomarmos o exemplo próximo de São Paulo, veremos que apesar de muitos avanços nas políticas públicas para cultura, as lutas sempre estão fortemente condicionadas às questões orçamentárias, o que requer medidas mais profundas por parte dos coletivos e artistas. É urgente que se organize um programa completo e potente que dê conta de atrelar a luta pela cultura à luta e classes. Sem esta perspectiva, qualquer passo será dado no vazio.

Há muito ainda o que construir e caminhar no que diz respeito às políticas públicas para cultura em Guarulhos. As medidas existentes são mínimas e não estão de fato nas mãos de quem “faz arte” e pensa em construir práticas em diálogo com a classe trabalhadora, jovens, negros, LGBTS, crianças e o povo pobre, o que obviamente, tira destes o livre a acesso a fruição artística como parte de seu cotidiano. Assim, a arte continua nas molduras e numa redoma burguesa, o que é em si, o oposto da liberdade que a própria arte suscita.

A cidade conta com duas leis de fomento: Funcultura e a de Teatro e Dança, mas não são executadas nos períodos e da forma correta. Esta é uma das denúncias que os artistas têm entalada na garganta. Há ainda outras iniciativas como semana do hip-hop e o prêmio Guarulhos de artes, que também acabam não sendo executadas por não ter dotação no orçamento, ou pior ainda: são realizadas mas sem nenhum tipo de pagamento aos participantes.

Fica evidente o total descaso para com as iniciativas artísticas, como se estas fossem mero adorno ou superficialidade. A lógica transborda aos espaços públicos. “Há um complexo que fica na região do Lagos dos Patos, lá tem um Museu, teatro e salas de ensaio. A gestão está pensando em ceder espaços para um fácil (espécie de poupa tempo municipal) e a GCM já deu uma sondada querendo pegar parte do espaço”, conta Franklin, que ao falar dos espaços públicos, não pôde deixar de citar o Adamastor-Pimentas: “Fica dentro da UNIFESP. Quando construído, tinha a gestão compartilhada entre universidade e cultura. Essa gestão entregou o teatro a UNIFESP, que sem verba de manutenção, não sabe o que fazer”.

Os teatros estão simplesmente abandonados. O “Padre Bento” , tombado, está há anos com vazamento no telhado, que em dias de chuva inviabiliza apresentações. ”Não tem iluminação. Sumiram todos os refletores”.

Como nos elucida Marx, “as ideias da classe dominante são as ideias dominantes de cada época” e ainda “as relações que fazem de uma determinada classe a classe dominante são também as que conferem o papel dominante às suas ideias”. Torna-se claro portanto, que a precarização da arte e da cultura faz também parte do projeto de ataques que se aprofundam desde o golpe institucional. Manter no topo as ideias que estão à serviço dos ditames da indústria cultural e portanto, do imperialismo e do capitalismo é uma das tarefas dos golpistas e agora, da extrema direita. Muito embora venham com força nessa imposição de valores, por mais que tentem, não apagam a luta de classes. E é com esta clareza de leitura que os artistas, coletivos e articuladores devem lutar para que a arte não seja mercadoria. Para que, junto à classe trabalhadora e aos setores oprimidos, se combata todo o tipo de precarização, opressão e exploração.

Assim se organizam os artistas e coletivos de Guarulhos e convocam os demais pesquisadores, estudantes, artistas, professores e toda a classe trabalhadora a se somar nessa luta contra o sucateamento dos espaços públicos e contra a investida da atual gestão em colocar a cultura como privilégio de poucos. Cultura não é mercadoria e a arte é direito de todos.

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