Contra a transfobia nas escolas, professoras fundam o Instituto Brasileiro Trans de Educação

Professores e professoras travestis e transexuais fundaram no dia 10 de outubro o Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE). O objetivo é efetivar alianças e estratégias significativas para o combate à transfobia no ambiente escolar.

O IBTE foi criado após a reformulação da Rede Trans Educ Brasil, criado pela professoraMarina Reidel, de Porto Alegre (RS), no Facebook. Limitado às redes sociais e e-mails, ele discutia o trabalho, projetos e desafios de profissionais e alunos trans com mais de mil participantes.

O Instituto vai ter a missão de capacitar profissionais para o respeito à diversidade, criar alternativas para que a transfobia não coíba estudantes travestis e trans no acesso à escola e monitorar as denúncias. Ele também visa estabelecer parcerias com grupos de pesquisas de universidades públicas ou privadas.

“O IBTE é monitoramento, é parceria, é educação, é política pública, é produção científica, acadêmica, educacional, ou seja, é produção de vida, de vida trans”, diz o informativo do IBTE, assinado pelas professoras Fernanda Ribeiro PereiraJulia Jorge de OliveiraRebecka de França, Sayonara Nogueira e Andreia Lais Cantelli.

TRANSFOBIA DE TODO DIA

Sabe-se que a transfobia é uma das principais causas que fazem estudantes trans e travestis abandonarem a escola. E isso vai desde o desrespeito ao nome social na chamada (o nome em que a pessoa trans é reconhecida socialmente, independentemente daquele que está no RG), o impedimento de frequentar o banheiro de acordo com sua identidade de gênero (o gênero com o qual se identifica), até a violência física e moral.

A presidenta do IBTE e professora da História, Andreia Lais Cantelli afirma que, embora não tenha saído da escola, o espaço foi bastante opressor, violento e traumático no período escolar. “Lembro dos processos que sofria, entendia como violência, mas era ensinado que a culpa era minha. No final da década de 80, não havia discussão sobre orientação sexual, quem dirá sobre identidade de gênero. Cheguei a ter 200 faltas em um ano letivo e sofria violência física nos corredores”, declarou.

Ela diz que, como vem de uma família ortodoxa cristã, não existia a possibilidade de não frequentar à escola. “Neste período todo eu me compreendia como Andreia, mas isso era subjetivo, porque eu era vista como um menino extremamente afeminado, uma aberração. Acho que o meu trauma foi tão grande que eu tive a vontade de ser professora”, conta. Aos 15 anos conheceu uma senhora que era travesti no bairro em que morava e passou a tomar hormônios.

Ela começou a lecionar aos 19 anos, quando ainda estava se formando. Os xingamentos de que era “o professor traveco” ocorria desde o momento em que colocava os pés para fora do ônibus. Então, quando pensou em parar de dar aulas, ela foi encaminhada para outra escola, onde foi melhor acolhida pela direção escolar, equipe pedagógica e estudantes. “O diretor entendeu que se me chamasse de Andreia evitaria uma série de problemas”.

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Pouco depois de pedir transferência, Andreia participou da Semana Pedagógica ao lado de outros professores. Foi quando escutou de um grupo de colegas: “Você viu que vai chegar um traveco? Temos que acionar o conselho escolar, imagine um homem vir de minissaia e dar aula? Vamos analisar a ficha funcional para ver se conseguimos tirar ele daqui”. Foi quando Andreia cutucou e disse: “Quando o traveco chegar, me avisa que eu também quero conhecer”.

“Foi uma situação interessante, porque reflete o imaginário que as pessoas fazem da travesti. Elas só souberam tempos depois que o tal traveco era eu, que conversava com elas, que trocava lanche na hora do intervalo, que conversava sobre nossas famílias. Daí elas pediram desculpas, deram flores, fizeram homenagens. Mas, ao mesmo tempo, pararam de me chamar para o happy hour e me tiraram da vida social delas”, contou.

FORMAÇÃO É FOCO

A professora afirma que uma das principais pautas do trabalho do Instituto é trabalhar na formação dos profissionais da educação – além dos professores e diretores, profissionais que trabalham na biblioteca, merenda, secretaria. “Eles promovem o comportamento de referência. Ou seja, a forma como ele vai agir com uma estudante travesti, por exemplo, vai fazer toda diferença numa sala. Os demais estudantes percebem a presença como estranha num primeiro momento, mas depois acaba sendo mais uma estudante, mais uma professora, declara.

Andreia diz, contudo, que a formação dos profissionais de educação ainda está pautada na cisheteronormalidade compulsória. “Os profissionais entendem o corpo a partir de uma linguagem de homem é igual a pênis, mulher é igual a vagina. E o corpo que foge a essa cisheternormatividade, ou seja das pessoas trans e LGB, não cabe no ambiente escolar, porque ele é moldado para o homem cis e a mulher cis. Mas a escola é um local onde há diversidade”.

É por esse motivo que o Instituto faz parcerias com universidades, com redes de formação de professores. A primeira foi a Rede UFU, da Universidade Federal de Uberlândia, que dentre as formações que oferecem há módulos de diversidade. Quem participou foi a professora de geografia de Minas Gerais e também presidenta Sayonara Nogueira.

“No último módulo que participei, pude falar para 40 professores que atuam na sala de aula, gestores e especialistas. Pois às vezes o professor chega na escola, e se depara com uma diversidade muito grande, mas não tem preparo. E a falta de preparo se deve na raiz, na Universidade, que não tem uma grade curricular que aborda o assunto. E é este nosso papel, capacitar estes profissionais”, afirma.

PRIMEIROS PASSOS

Além da formação, o Instituto visa monitorar as violações de direitos de estudantes trans na escola. “Venho recebendo denúncias de estudantes que a direção de escolas, se negam a respeitar o uso do nome social e constrangem estes alunos (as) em relação ao uso do banheiro. E enquanto professora vivenciei inúmeros casos de transfobia dentro da escola para com este público. Cheguei a ver diretor levar a aluna para dentro banheiro e fazê-la lavar o rosto para tirar a maquiagem, dizendo que se ela não tirasse não assistiria as aulas”, declara Sayonara.

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Andreia diz que o Instituto também vai dar apoio para profissionais trans que não entendem a dinâmica e estrutura cisheteronormativa da escola. “Ser profissional de educação não é fácil, mas ser profissional de educação sendo pessoa trans… Não sei nem qual palavra usar. É por isso que teremos essa rede de apoio para professoras travestis, mulheres transexuais e professores homens trans”.

Dentre os desafios dos e das profissionais trans é estabelecer que o tratamento, cobranças e as expectativas sejam as mesmas de qualquer outro professores, e não maiores por conta da identidade de gênero. “Uma conversa recorrente é que temos que superar esse profissionalizado quase insuperável, é ser o melhor sempre, é ser sempre a melhor profissional, não poder errar, conquistar os alunos. Isso ocorre justamente pela trama de transfobia que os docentes, diretores de escola e de ensino travam em cima dos corpos trans”.

Com uma semana de existência, o Instituto divulgou uma revista online que explica e fundamenta os objetivos, fala sobre a estrutura, parceiros e também chama outras e outros profissionais trans. É possível serem associadas pessoas trans físicas que atuam na educação, colaboradores cis que atuam na educação e pesquisadores que contribuem para a erradicação da transfobia no ambiente escolar.

“Temos a proposta pedagógica de trabalhar com todas as redes, pois vivemos num momento em que a educação está vivendo um retrocesso. É um absurdo no século XXI a suprema corte deste país, liberar o ensino religioso baseado na crença do professor. É um absurdo você escutar que educadores fazem crianças tornarem-se LGBTs, numa falácia chamada Ideologia de Gênero, engraçado que sou professora de Geografia e nunca vi aluno meu virar rocha, ou vulcão. Infelizmente a sociedade vem emburrecendo, o ensino está cada vez mais decadente, e o poder religioso sobre as massas cada vez maior”, lamenta Sayonara.

Fonte: NLucon

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