Conheça a criadora da primeira loja colaborativa trans em SP

A falta de oportunidade para pessoas trans no mercado de trabalho motivou Fernanda Custódio a empreender.

Foto: Larissa Zaidan

Por Paulo Gratão.

Após se graduar em cosmetologia, em 2010, Fernanda Custódio, 28, tinha dois caminhos a seguir: manter-se como um cara e conseguir um emprego ou realizar a tão sonhada transição de gênero. Ela optou pelo que lhe traria a felicidade por toda a vida e mergulhou de cabeça na segunda alternativa.

Com isso, nenhuma porta de emprego se abriu e Fernanda foi obrigada a viver praticamente à base de bicos até 2017, quando finalmente conseguiu seu primeiro emprego formal. Mesmo com a dificuldade, ela sabia que era uma privilegiada: cerca de 82% das pessoas trans, entre 14 e 18 anos, abandonam os estudos, segundo a Rede Nacional de Pessoas Trans (RedeTrans). Isso faz com que a empregabilidade formal desse grupo social também seja baixa, em torno de 10%.

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Boné à venda na Transludica. Foto: Larissa Zaidan/VICE

Fazer parte de uma estatística tão injusta não era confortável para Fernanda. Um dia, enquanto passava pela rua Rêgo Freitas, no centro de São Paulo, ela avistou mulheres trans fazendo programa, e pensou: “Se eu consegui, essas manas também podem. Preciso fazer alguma coisa”.

Pouco tempo depois, ela iniciou um bazar na Praça Roosevelt, também na região central de São Paulo, para vender produtos feitos ou revendidos apenas por pessoas trans. Esse espaço evoluiu e hoje é a loja colaborativa Transludica, dentro da Galeria Augusta Premium, na Rua Augusta.

Fernanda a mantém em sociedade com o seu parceiro Guttervil Guttervil. Como o espaço ainda é pequeno (apenas um box na galeria), três empreendedores se dividem para vender seus produtos, que vão de livros autorais a luminárias e produtos eróticos veganos. Há também itens relacionados à causa trans, como bandeiras e bonés.

A ideia é que haja um rodízio a cada três meses para que mais pessoas possam participar. Cada empreendedor contribui com uma taxa fixa para poder expor seu produto na loja e só precisa pagar uma participação se utilizar a máquina de cartão.

Não há critérios para selecionar o que pode ou não ser vendido no espaço. “Às vezes, a mana só pode ir na 25 comprar brincos e revender. Eu não vou deixar?”, explica Fernanda.

“Vamos empreender por nós mesmos”

O projeto é aumentar o espaço físico para dar vez a mais pessoas, no futuro. Enquanto isso não é possível, uma loja virtual está em desenvolvimento para abranger empreendedores trans de outras cidades e também manter à venda produtos que sejam de expositores anteriores. Fernanda sonha alto e tem a meta de transformar a Transludica em um espaço colaborativo de prestação de serviços, com cabeleireiros, maquiadores, manicures e outras modalidades, além da venda de produtos.

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Fernanda Custódio (à direita), criadora da Transludica, e seu sócio Guttervil Guttervil. Foto: Larissa Zaidan/VICE

“Se já existe essa carência no mercado de trabalho, não vamos esperar, vamos empreender por nós mesmos. Todo lugar que você vai tem alguém revendendo produtos, mas não tem pessoas trans. Até nisso somos preteridas.”

“As trans têm que se tornar criativas”

Ainda não existe um mapeamento sobre empreendedorismo trans, mas a consultora Maite Schneider conta que está em seus planos desenvolver esses dados, junto a uma rede de empreendedorismo trans para as empresas que queiram contratar profissionais liberais, como DJs ou recepcionistas para eventos.

No ano passado, Maite se tornou uma das 110 embaixadoras da Rede Mulher Empreendedora (RME) – a primeira mulher trans a receber esse título. O objetivo é trazer informações sobre o mercado de trabalho para pessoas trans – que vem ganhando espaço a passos lentos – e ajudar a fomentar o empreendedorismo.

A consultora conta que abrir um negócio próprio acaba sendo a única opção para muitas pessoas que não conseguem se inserir em uma vaga formal ou não se adaptam ao ambiente pouco acolhedor de uma empresa. “Até hoje, aos 47 anos, eu mesma não tenho nenhum registro na carteira profissional. Empreender é um caminho muito possível. As trans têm que se tornar criativas, pois estão sempre fora do mercado de trabalho e precisam rebolar para conquistar as coisas”, explica.

Maite também é fundadora da Transempregos, iniciativa que ajuda a conscientizar empresas sobre a contratação de profissionais trans e encaminhar pessoas para as vagas. Ela diz que recebe cerca de cinco currículos por dia, sendo que 40% têm Ensino Superior e 30% Ensino Médio.

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Produtos à venda na Transludica. Foto: Larissa Zaidan/VICE

A proposta da Transludica vai além de ser uma empresa. Fernanda colocou como objetivo realizar, ao menos, uma ação social por mês. Em dezembro, primeiro período de funcionamento do estabelecimento, um mutirão que incluía cabeleireiros, refeições e retificação de nome social foi feito com as manas de Santo André (SP).

Para arrecadar fundos, a loja está concedendo 10% de desconto na venda dos produtos mediante doação de alimentos não perecíveis ou kit de higiene. Fernanda vibra ao contar que a campanha ganhou adesão inclusive dos outros lojistas da galeria. “Todos contribuíram com alimentos, kits e ofereceram desconto em seus produtos para a causa. Foi muito interessante como eles se propuseram em ajudar a gente”, explica.

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