Congresso começa a discutir propostas para garantia de renda básica durante epidemia

Foto: Michel Jesus/ Câmara dos Deputados

Por Cristiane Sampaio.

Diante dos estragos econômicos e sociais causados pelo avanço do coronavírus, cresce, no país, um movimento em defesa da criação de uma renda básica emergencial para auxiliar pessoas da camada mais pobre, incluindo crianças e idosos, durante um prazo de seis meses. Com o nome de “Renda Básica que Queremos”, uma campanha com o apoio de cerca de 150 organizações civis já conta com mais de 507 mil assinaturas favoráveis à ideia.

As entidades propõem um benefício de R$ 300 por pessoa para todos os trabalhadores listados no Cadastro Único e todos os dependentes também cadastrados. Com isso, a ação atingiria 77 milhões de pessoas. O valor máximo por família – com dois trabalhadores e três dependentes – seria de R$ 1.500, tanto para aquelas inscritas no Bolsa Família quanto para as que não participam do programa.

Os participantes vêm mobilizando internautas de diferentes regiões do país para fazerem coro pela aprovação da medida. O professor de história Douglas Belchior, militante da Coalizão Negra por Direitos, ressalta que a população historicamente mais vulnerável do país, como pobres e negros, tende a ampliar os prejuízos diante dos impactos do coronavírus, especialmente por conta da situação das periferias do país.

“A proposta que a gente defende é extremamente moderada. Um valor de R$ 300 pessoa por seis meses, em famílias que têm em média quatro integrantes, é pouco. E a gente sabe que a proposta é moderada porque a gente compreende a correlação de forças no Congresso e sabe que um Congresso de maioria fascista dificilmente vai passar o que teria mais impacto, como taxação de grandes fortunas, de lucro de banco”, acrescenta.

O pedido da sociedade civil contrasta com a medida apresentada no último dia 18 pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que anunciou proposta no valor R$ 200 mensais para trabalhadores informais e autônomos durante três meses. A iniciativa do governo tem sido duramente criticada por parlamentares de oposição e membros da sociedade civil organizada.

“O valor proposto pelo governo é inaceitável. O nosso patamar de diálogo era um salário mínimo, e isso ficou ajustado num valor de R$ 1 mil. É em cima desse entendimento que nós estaremos dispostos a votar um projeto”, disse ao Brasil de Fato o deputado Paulo Pimenta (PT-RS).

Obstáculos

A proposta, no entanto, esbarra nos interesses de governistas e aliados, que defendem as políticas de ajuste fiscal. “São as mesmas pessoas que não se perguntam, por exemplo, por que o país acaba de gastar R$ 40 bilhões das nossas reservas pra manter o dólar. Isso não é questionado, mas, quando se pensa em algum programa que vai dar minimamente condições de as pessoas poderem comer e ficar em casa pra poderem se cuidar, vem o debate sobre [dificuldade de] financiamento. Acho que tem uma incoerência nisso”, contrapôs, nesta quinta, José Antônio Moroni, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Ele foi um dos convidados de uma audiência pública que debateu o tema no Senado.

A ideia de criação de uma renda mínima universal durante a crise do coronavírus é defendida por diferentes especialistas e também por interlocutores da Organização das Nações Unidas (ONU). Em declaração dada a jornalistas na quarta-feira (25), o argentino Juan Pablo Bohoslavsky, especialista independente ONU, por exemplo, afirmou que seria preciso estabelecer um valor para as populações mais vulneráveis, com destaque para trabalhadores informais.

“Nessas circunstâncias, acho que essa é uma questão básica, não apenas na perspectiva dos direitos humanos, mas também da estabilidade social”, argumentou.

Votação

A ideia tem adesão de parlamentares de diferentes partidos. Tramitam no Congresso Nacional diversas propostas com esse conteúdo, tanto na Câmara quanto no Senado, mas está em destaque o Projeto de Lei (PL) 9236/17, do deputado Eduardo Barbosa (PSDB-MG), que deve ser votado ainda nesta quinta-feira (26) pelos deputados.

Originalmente, o texto trata de mudanças nos parâmetros de caracterização da situação de vulnerabilidade social para contemplação no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e virou uma das medidas discutidas pelos parlamentares no âmbito da crise do coronavírus. A oposição tenta atualmente um acordo para incluir uma proposta sua no texto, de forma a implementar a renda básica emergencial para pessoas vulneráveis à situação causada pelo vírus.

Os seis partidos que compõe a minoria (PCdoB, PDT, PSB, PSOL, PT e REDE) propõem, por exemplo, um auxílio que varie de um a dois salários mínimos, a depender da situação de cada família. Mas a questão ainda não está fechada porque o texto a ser votado deve ser apresentado pelo relator durante a sessão plenária virtual desta quinta, após a finalização da costura política entre os diferentes grupos.

“Estamos tentando construir um amplo consenso sobre quais são os pontos centrais que queremos que esteja no texto. Queremos, por exemplo, um prazo de pelo menos seis meses pro benefício, e não de três meses”, disse ao Brasil de Fato o líder da minoria, José Guimarães (PT-CR).

Outros países

Os parlamentares comparam a situação do Brasil com a de países onde os governos têm adotado medidas de assistência mais substanciais. Nos Estados Unidos, por exemplo, o governo e o Congresso discutem a liberação de U$ 2 trilhões para tentar frear o impacto econômico causado pelo coronavírus, com transferências em dinheiro no valor de U$ 1.200 aos trabalhadores. A ideia é estimulá-los a ficar em casa e evitar que o vírus tenha mais capilaridade na transmissão.

No Reino Unido, os três pacotes já anunciados somam o equivalente a R$ 2,5 trilhões e o governo vai garantir 80% dos salários dos trabalhadores, considerando um limite equivalente a R$ 14,8 mil ao mês. Já na Itália, serão pagos cerca de R$ 2.700 para cada trabalhador por mês e o Estado irá subsidiar, em caráter temporário, os salários de funcionários que forem demitidos pelos patrões.

“E esses países não estavam numa crise econômica tão grande quanto a nossa. A gente já tem 13,5 milhões de pessoas na extrema pobreza e 40 milhões na informalidade. E é uma informalidade precaríssima, porque qualquer brasileiro ou brasileira que colocar uma banca em uma avenida com dois bolos e uma garrafa de café [pra vender] já é cadastrado como empreendedor (0:40)”, argumenta a senadora Zenaide Maia (Pros-RN), defendendo que a aprovação de uma renda básica pelo Congresso seja urgente.

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